Imigrantes
O impacto da
segunda pista
Nem é tão grande
como dizem alguns, nem tão sem importância como pensam outros
Carlos Pimentel Mendes (*)
O momento
em que se prepara a inauguração antecipada da segunda pista
da Rodovia dos Imigrantes, no dia 17/12/2002, é propício
a algumas reflexões sobre essa obra e seu impacto na região
por ela servida. Alguns abusam dos superlativos, apoiados na existência
ali do maior túnel brasileiro - mas bem menor que outros túneis
mundo afora -, para exagerar o impacto da obra. Outros - principalmente
autoridades que deveriam estar mais atentas a esses aspectos - parecem
até ignorar que a obra existe, não demonstrando ter adotado
quaisquer providências para evitar situações até
caóticas que poderão sobrevir.
Aos primeiros, vale recordar que maior
impacto tiveram sobre a região o surgimento da Via Anchieta (SP-150)
em 13/3/1947 (pista ascendente) e 9/7/1953 (descendente) e a construção
da primeira pista da Imigrantes (SP-160), inaugurada em 28/6/1976. No primeiro
caso, por ser a primeira rodovia digna do nome (apesar das curvas decantadas
por Roberto Carlos) a vencer a Serra do Mar e ligar São Paulo e
Santos. No caso da Imigrantes, por proporcionar importante desafogo à
Anchieta, que demandava três, quatro horas para ser percorrida, em
vez dos cerca de 50 minutos.
Agora, a segunda pista apenas permite
retornarmos à condição de 25 anos atrás em
termos de tempo de fluidez do tráfego. Ou seja, se tantos paulistanos
queriam ter casa no litoral e continuar trabalhando na capital, já
poderiam ter adotado esse estilo de vida duas décadas atrás.
Bem, São Paulo não é mais a mesma, porém a
Baixada Santista também não é mais a bucólica
e convidativa região de 20 anos atrás. O imponderável,
em termos do que acontecerá com a nova pista, não é
tão imponderável assim.
Então, o que pode acontecer é
que num primeiro momento, a temporada de verão 2002/3, a curiosidade
pela nova pista atraia muitos visitantes, congestionando as já lotadas
praias santistas, reduzindo a qualidade de vida (insuficiências no
abastecimento de água, preços inflacionados no comércio,
lixo extra nos jardins da praia, trânsito caótico, criminalidade
"importada" do Planalto etc.). As águas de março, fechando
o verão, também poderão fechar esse ciclo, voltando
a Baixada Santista ao normal - se assim pode ser chamado. Talvez alguns
prédios a mais, se a economia nacional ajudar.
Assim, talvez não haja razão
para o otimismo exagerado de alguns, que imaginam a nova pista como a redenção
da economia regional. Sinto informar que o buraco é mais fundo e
não será enchido com o acréscimo esperado de até
10 mil veículos/hora nos momentos de pico de movimentação
(só para comparar: já trafegam pelo sistema Anchieta-Imigrantes
mais de 240 mil veículos/dia).
O reverso da questão é
que - pelo menos no verão 2002/3 - esses 10 mil veículos
a mais estarão migrando para Santos, que não preparou sua
malha viária para receber tantos veículos, muito menos para
estacioná-los (onde estão os edifícios-garagens que
deveriam existir nos pontos de maior concentração de veículos?).
Não há notícia de reforço eqüivalente
no policiamento para recepcionar a bandidagem extra que migrará
para o litoral; não há uma garantia indiscutível de
que não teremos problemas com abastecimento de água; faltam
notícias de ampliação da rede hoteleira; há
planos efetivos para o reforço no atendimento médico de urgência
aos craques dos esportes praianos? São apenas algumas das muitas
perguntas possíveis...
Números – Enquanto
aguardamos as respostas, fiquemos com os principais números referentes
à duplicação da Imigrantes. Começando pelos
três túneis: (3.146 m - o maior do Brasil -, 3.005 m e 2.080
m), totalizando 8.231 metros de escavação, com equipamentos
jumbo
Atlas Copco (nome técnico: Rocket Boomer 353ES) que usam planos
de fogo computadorizados (têm as coordenadas básicas
do projeto armazenadas em computador e, a partir de feixes de raio laser
com alcance de 70 m, localizam o ponto exato a perfurar - no primeiro túnel,
a diferença de pontaria foi de apenas 3 cm), sendo dotados
de três braços perfuratrizes e um braço adicional para
elevação de caçamba ou cesto de serviço. Foi
batido na obra o recorde brasileiro de escavação subterrânea
em rocha, com 1 milhão 260 mil m³ escavados, além de
800 mil m³ escavados a céu aberto, sendo usados 380 mil m³
de concreto (suficientes para construir uns 80 prédios de 20 andares),
23.350 t de aço, empregando-se 595 mil m² de formas. Na Baixada
Santista, foram aplicados 1.600.000 m³ de aterro sobre o mangue (procedentes
da escavação dos túneis).
Superando o desnível de 730 metros,
a pista inclui nove viadutos, com 4.270 m de extensão. Na construção
de dois desses viadutos, na Baixada Santista, foi usada uma tecnologia
inédita no Brasil: o sistema de ponte empurrada, em que os módulos
do tabuleiro (com 600 t) eram deslizados sobre os pilares com o uso de
macacos hidráulicos auxiliados por um sistema especial de frenagem
(o processo já foi usado no Brasil, mas em plano horizontal, sem
frenagem - necessária na Imigrantes, onde a inclinação
é de seis graus). A fôrma metálica para concretagem
dos módulos foi produzida no Brasil e os acessórios de empurre
e frenagem foram importados da Europa.
Neste final de obras, 2 mil operários
trabalham em três turnos, de forma a entregar a segunda pista da
Imigrantes cinco meses antes do prazo contratual. Iniciadas em 24/9/1998
(com o trecho do planalto, entregue ao tráfego em 3/9/1999), têm
custo previsto de R$ 1,45 bilhão (contra os R$ 500 milhões
calculados inicialmente). A pista tem raio mínimo de curvatura horizontal
de 400 m, declividade transversal nos trechos em tangente de 2%, declividade
máxima de 6% e velocidade diretriz de 110 km/hora. Embora totalizando
21 km, somados os trechos de planalto, serra e planície, é
considerada a maior obra de engenharia rodoviária em execução
na América do Sul.
Uma novidade que vem sendo implantada
no Sistema Anchieta-Imigrantes é a rampa de escape para caminhões
que perdem o freio na descida da serra: uma caixa de brita, semelhante
às usadas na Fórmula 1, com pedras de argila expandida. Mesmo
uma carreta de 40 toneladas a 90 km/hora é retida, como se verificou
nos testes. O projeto é do consórcio Ecoenge (Figueiredo
Ferraz Consultoria e Engenharia, Geodata e In.Co., estas também
italianas), com execução pela EBEC (Grupo CR Almeida) e Impregilo,
sob a superintendência do engenheiro paranaense Jorge Luiz Coimbra
Belich, experiente na construção de hidrelétricas
e metrôs.
A ligação Anchieta-Imigrantes
terá uma ponte estaiada com 28 metros de largura, cinco pistas e
acostamento. Tal ponte é sustentada por cabos de aço, sendo
a segunda do Estado de São Paulo neste estilo arquitetônico:
a primeira está localizada na marginal do Rio Pinheiros, na Capital,
por onde passa a Linha 5 do Metrô.
Ecologia – Se a preocupação
ambiental foi o maior fator de retardo para a realização
da obra (um intervalo de 25 anos entre as duas pistas), proporcionou entretanto
a aplicação de uma medida protetora inédita no mundo:
como a escavação dos túneis gera a constante drenagem
de muita água, que se mistura a outros materiais e contaminaria
o ambiente, a Ecovias instalou em cada túnel uma Estação
de Tratamento de Água (ETA). As três estações
conseguem tratar 200 mil litros/hora de água - o suficiente para
abastecer uma cidade de 100 mil habitantes -, que é recolhida por
dutos dentro dos túneis, passa pelo tratamento e é devolvida
limpa à Natureza.
A propósito, a construção
da primeira pista, com 11 túneis e 18 viadutos, devastou 1.600 hectares
da mata atlântica; a nova pista está devastando apenas 40
hectares. A distância entre os pilares dos viadutos (alguns com 120
m de altura, 40 m enterrados) é de 90 metros - o dobro do vão
entre os pilares que sustentam os viadutos da primeira Imigrantes, o que
também significa menor impacto ambiental.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
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