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Edição 114 - NOV/2002 

Imigrantes

O impacto da segunda pista

Nem é tão grande como dizem alguns, nem tão sem importância como pensam outros

Carlos Pimentel Mendes (*)

O momento em que se prepara a inauguração antecipada da segunda pista da Rodovia dos Imigrantes, no dia 17/12/2002, é propício a algumas reflexões sobre essa obra e seu impacto na região por ela servida. Alguns abusam dos superlativos, apoiados na existência ali do maior túnel brasileiro - mas bem menor que outros túneis mundo afora -, para exagerar o impacto da obra. Outros - principalmente autoridades que deveriam estar mais atentas a esses aspectos - parecem até ignorar que a obra existe, não demonstrando ter adotado quaisquer providências para evitar situações até caóticas que poderão sobrevir.

Na ligação Anchieta-Imiggrantes foi construída uma onte estaiada com 28 m de largura, cinco pistas e acostamento (Foto: Ecovias)
Aos primeiros, vale recordar que maior impacto tiveram sobre a região o surgimento da Via Anchieta (SP-150) em 13/3/1947 (pista ascendente) e 9/7/1953 (descendente) e a construção da primeira pista da Imigrantes (SP-160), inaugurada em 28/6/1976. No primeiro caso, por ser a primeira rodovia digna do nome (apesar das curvas decantadas por Roberto Carlos) a vencer a Serra do Mar e ligar São Paulo e Santos. No caso da Imigrantes, por proporcionar importante desafogo à Anchieta, que demandava três, quatro horas para ser percorrida, em vez dos cerca de 50 minutos. 

Agora, a segunda pista apenas permite retornarmos à condição de 25 anos atrás em termos de tempo de fluidez do tráfego. Ou seja, se tantos paulistanos queriam ter casa no litoral e continuar trabalhando na capital, já poderiam ter adotado esse estilo de vida duas décadas atrás. Bem, São Paulo não é mais a mesma, porém a Baixada Santista também não é mais a bucólica e convidativa região de 20 anos atrás. O imponderável, em termos do que acontecerá com a nova pista, não é tão imponderável assim.

Pilares chegam a ter 120 metros de altura(Foto: Ecovias)
Então, o que pode acontecer é que num primeiro momento, a temporada de verão 2002/3, a curiosidade pela nova pista atraia muitos visitantes, congestionando as já lotadas praias santistas, reduzindo a qualidade de vida (insuficiências no abastecimento de água, preços inflacionados no comércio, lixo extra nos jardins da praia, trânsito caótico, criminalidade "importada" do Planalto etc.). As águas de março, fechando o verão, também poderão fechar esse ciclo, voltando a Baixada Santista ao normal - se assim pode ser chamado. Talvez alguns prédios a mais, se a economia nacional ajudar.

Assim, talvez não haja razão para o otimismo exagerado de alguns, que imaginam a nova pista como a redenção da economia regional. Sinto informar que o buraco é mais fundo e não será enchido com o acréscimo esperado de até 10 mil veículos/hora nos momentos de pico de movimentação (só para comparar: já trafegam pelo sistema Anchieta-Imigrantes mais de  240 mil veículos/dia). 

Na ligação Anchieta-Imiggrantes foi construída uma ponte estaiada com 28 m de largura, cinco pistas e acostamento (Foto: Ecovias)
O reverso da questão é que - pelo menos no verão 2002/3 - esses 10 mil veículos a mais estarão migrando para Santos, que não preparou sua malha viária para receber tantos veículos, muito menos para estacioná-los (onde estão os edifícios-garagens que deveriam existir nos pontos de maior concentração de veículos?). Não há notícia de reforço eqüivalente no policiamento para recepcionar a bandidagem extra que migrará para o litoral; não há uma garantia indiscutível de que não teremos problemas com abastecimento de água; faltam notícias de ampliação da rede hoteleira; há planos efetivos para o reforço no atendimento médico de urgência aos craques dos esportes praianos? São apenas algumas das muitas perguntas possíveis...

Números – Enquanto aguardamos as respostas, fiquemos com os principais números Equipamentos 'jumbo' de última geração usaram mira laser computadorizadareferentes à duplicação da Imigrantes. Começando pelos três túneis: (3.146 m - o maior do Brasil -, 3.005 m e 2.080 m), totalizando 8.231 metros de escavação, com equipamentos jumbo Atlas Copco (nome técnico: Rocket Boomer 353ES) que usam planos de fogo computadorizados  (têm as coordenadas básicas do projeto armazenadas em computador e, a partir de feixes de raio laser com alcance de 70 m, localizam o ponto exato a perfurar - no primeiro túnel, a diferença de pontaria foi de apenas 3 cm), sendo dotados de três braços perfuratrizes e um braço adicional para elevação de caçamba ou cesto de serviço. Foi batido na obra o recorde brasileiro de escavação subterrânea em rocha, com 1 milhão 260 mil m³ escavados, além de 800 mil m³ escavados a céu aberto, sendo usados 380 mil m³ de concreto (suficientes para construir uns 80 prédios de 20 andares), 23.350 t de aço, empregando-se 595 mil m² de formas. Na Baixada Santista, foram aplicados 1.600.000 m³ de aterro sobre o mangue (procedentes da escavação dos túneis).

Túneis tiveram técnica construtiva inédita (Foto: Ecovias)
Superando o desnível de 730 metros, a pista inclui nove viadutos, com 4.270 m de extensão. Na construção de dois desses viadutos, na Baixada Santista, foi usada uma tecnologia inédita no Brasil: o sistema de ponte empurrada, em que os módulos do tabuleiro (com 600 t) eram deslizados sobre os pilares com o uso de macacos hidráulicos auxiliados por um sistema especial de frenagem (o processo já foi usado no Brasil, mas em plano horizontal, sem frenagem - necessária na Imigrantes, onde a inclinação é de seis graus). A fôrma metálica para concretagem dos módulos foi produzida no Brasil e os acessórios de empurre e frenagem foram importados da Europa.
Interferência no ambiente foi minimizada na construção da segunda pista (Foto: Ecovias)
Neste final de obras, 2 mil operários trabalham em três turnos, de forma a entregar a segunda pista da Imigrantes cinco meses antes do prazo contratual. Iniciadas em 24/9/1998 (com o trecho do planalto, entregue ao tráfego em 3/9/1999), têm custo previsto de R$ 1,45 bilhão (contra os R$ 500 milhões calculados inicialmente). A pista tem raio mínimo de curvatura horizontal de 400 m, declividade transversal nos trechos em tangente de 2%, declividade máxima de 6% e velocidade diretriz de 110 km/hora. Embora totalizando 21 km, somados os trechos de planalto, serra e planície, é considerada a maior obra de engenharia rodoviária em execução na América do Sul.
Obras de um dos túneis da segunda pista (Foto: Ecovias)
Uma novidade que vem sendo implantada no Sistema Anchieta-Imigrantes é a rampa de escape para caminhões que perdem o freio na descida da serra: uma caixa de brita, semelhante às usadas na Fórmula 1, com pedras de argila expandida. Mesmo uma carreta de 40 toneladas a 90 km/hora é retida, como se verificou nos testes. O projeto é do consórcio Ecoenge (Figueiredo Ferraz Consultoria e Engenharia, Geodata e In.Co., estas também italianas), com execução pela EBEC (Grupo CR Almeida) e Impregilo, sob a superintendência do engenheiro paranaense Jorge Luiz Coimbra Belich, experiente na construção de hidrelétricas e metrôs.

A ligação Anchieta-Imigrantes terá uma ponte estaiada com 28 metros de largura, cinco pistas e acostamento. Tal ponte é sustentada por cabos de aço, sendo a segunda do Estado de São Paulo neste estilo arquitetônico: a primeira está localizada na marginal do Rio Pinheiros, na Capital, por onde passa a Linha 5 do Metrô.

Foram perfurados três túneis, entre eles o maior do Brasil, com 3.085 metros de extensão (Foto: Ecovias)
Ecologia – Se a preocupação ambiental foi o maior fator de retardo para a realização da obra (um intervalo de 25 anos entre as duas pistas), proporcionou Cuidados especiais foram adotados para reduzir o impacto ambiental sobre a Mata Atlânticaentretanto a aplicação de uma medida protetora inédita no mundo: como a escavação dos túneis gera a constante drenagem de muita água, que se mistura a outros materiais e contaminaria o ambiente, a Ecovias instalou em cada túnel uma Estação de Tratamento de Água (ETA). As três estações conseguem tratar 200 mil litros/hora de água - o suficiente para abastecer uma cidade de 100 mil habitantes -, que é recolhida por dutos dentro dos túneis, passa pelo tratamento e é devolvida limpa à Natureza.

A propósito, a construção da primeira pista, com 11 túneis e 18 viadutos, devastou 1.600 hectares da mata atlântica; a nova pista está devastando apenas 40 hectares. A distância entre os pilares dos viadutos (alguns com 120 m de altura, 40 m enterrados) é de 90 metros - o dobro do vão entre os pilares que sustentam os viadutos da primeira Imigrantes, o que também significa menor impacto ambiental.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.