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Edição 108 - MAI/2002 

Especial

Uma estrada pela paz

Projeto inclui os maiores túneis e pontes do mundo

Carlos Pimentel Mendes (*)

Pense numa rodovia que comece no "fim do mundo", a Patagônia, percorra as Américas até o Alasca, atravesse para a Rússia e siga em frente até a Inglaterra, dê No mapa-múndi, os caminhos da Rodovia Internacionalmeia volta e atravesse o estreito de Gibraltar para o Marrocos, dê uma volta pela África, atravesse o Oriente Médio e a China, e chegue à Coréia, um dos países da atual Copa do Mundo. Então, atravesse novamente o mar e chegue ao Japão. Impossível? Nem tanto. Boa parte do percurso já existe, algumas das travessias marítimas também, falta apenas interligar tudo isso e construir mais algumas pontes e viadutos. Tal estrada permitiria a circulação de pessoas e mercadorias, ajudando a integrar as economias de todas as nações e, através desse contato, os povos se conhecendo melhor, seria uma rota segura para a promoção da paz mundial.

Concepção artística da estrada, como aparece no site da IHCC
O reverendo Moon, ao anunciar na capital coreana os planos para a super-rodovia e o túnelO projeto existe há mais de duas décadas, tocado por entidades particulares em vários lugares do mundo, com o apoio de vários governos. Sua história, curiosamente, também envolve os dois países do Mundial-2002: a idéia foi apresentada pela primeira vez por um japonês, na capital coreana. Foi em novembro de 1981, na décima Conferência Internacional Sobre a Unidade das Ciências (International Conference on the Unity of the Sciences - ICUS), em Seul, na Coréia do Sul, durante palestra do Reverendo Sun Myung Moon (caiu a ficha? Ele é bem conhecido aqui no Brasil...), como relata (em inglês e japonês) seu site International Highway Construction Corporation (IHCC).
Perfil geológico na região do projetado túnel Coréia-Japão
E justamente o primeiro passo seria o desenvolvimento da ligação rodoviária entre Tóquio e Pequim, via Coréia. Enterrando de vez as desavenças entre os três países enfatizadas pela Segunda Guerra Mundial e até hoje não esquecidas - apesar dos esforços para a cicatrização dessas feridas, como a própria Copa do Mundo.

Tsushima – Pegue o mapa e verá que a Coréia está em uma península da Ásia, separada da China pelo Mar Amarelo e do arquipélago nipônico pelo Mar do Japão. Na A cidade-ilha Tsushima, no meio do estreito entre Coréia e Japãoponta Sul, é banhada pelo Mar da China Oriental. Ali está o Estreito da Coréia, tendo Pusan na margem coreana e Hiroshima no lado japonês. No centro desse estreito está a cidade-ilha de Tsushima, famosa pela histórica batalha homônima. Toda essa descrição é porque um dos principais projetos da Rodovia Internacional é um túnel submarino nesse local, ligando Coréia e Japão e dando acesso também a Tsushima. As pesquisas necessárias ao projeto começaram em Nagóia, no Japão, em agosto de 1986, conduzidas pelo Japan-Korea Tunnel Research Institute. 

Com três seções sob o mar (68+47+17 km), totalizando 235 km de ponta a ponta, e profundidade média de 150 metros (duas vezes e meia a do Eurotúnel, que tem 53,8 km de extensão, dos quais 23,3 km sob o mar), o túnel Coréia-Japão terá de resistir Mapa mostra a localização do projetado túnel entre Coréia e Japãoa uma pressão da água da ordem de 25 kgf/cm² e à pressão do solo da ordem de 400 kgf/cm² - mais que o dobro das pressões sofridas pela estrutura do Eurotúnel. O gradiente máximo será de 25/1000, enquanto no Eurotúnel registra-se 11/1000. As obras devem demorar de sete a dez anos (as do Eurotúnel demoraram três anos).

O complexo Coréia-Japão é o maior já projetado, como relaciona uma página Web sobre os maiores túneis do mundo, sendo entretanto suplantado em termos de obra contínua pela projetada ligação da China Continental com Taiwan (125 km), pelo projetado túnel Dublin-Holyhead, sob o Mar da Irlanda (95 km), e pela ligação de Tallin (Estônia) a Helsinki (Finlândia), que pode chegar a 80 km. Até mesmo a ligação pelo estreito de Bering prevê um túnel submarino de 74,4 km. 

Planos para os túneis entre Coréia e Japão, no site da IHCC
Outros projetos importantes citados nessa página são o túnel de 38,7 km no estreito de Gibraltar, ligando a Espanha ao Marrocos, e a ligação de Umeå (Finlândia) a Vaasa (Suécia), com 25 a 48 km (conforme o traçado escolhido). A propósito, devem ser completados até 2020 os túneis Mont d'Ambin (52 km, entre França e Itália) e Base Brenner (55 km, entre Áustria e Itália).
Página sobre o projeto para o estreito de Bering
Bering – Entre o extremo Leste da Ásia e o extremo Oeste da América do Norte, existe o Estreito de Bering. Justamente aí deve ocorrer a ligação entre os dois continentes, como prevê o Bering Strait Tunnel & Railroad Group, que se define como "um grupo pequeno, privado e não lucrativo de indivíduos de todo o mundo, cujo principal objetivo é promover a construção de uma ferrovia e um túnel" nessa ligação, de forma a conectar as ferrovias do Alasca e da Rússia. É necessário construir cerca de 7.725 quilômetros de ferrovia e um túnel através do estreito, de Wales (Alasca) até Uelen (Rússia).

O primeiro passo lógico é ligar o terminal ferroviário Eilson AFB, a Leste de Faibranks, no Alasca, com a BC Rail em Dease Lake, Colúmbia Britânica. O governo do Alaska deve ser o principal impulsionador do projeto, que cria uma conexão ferroviária viável para o transporte de cargas através do Canadá até os EUA e mesmo ao México, de forma a interligar toda a malha ferroviária das Américas do Norte e Central, permitindo que o Alasca enfim comece a explorar suas riquezas naturais (ouro, prata, cobre, carvão, zinco etc.), hoje inacessíveis por falta de transporte economicamente viável. No lado russo, os mesmos argumentos fazem ainda mais sentido, pois o trecho ferroviário a construir é de menos de 1.500 km e a região atravessada possui mais recursos naturais passíveis de exploração econômica.

Construído então o túnel, seria completada a conexão desde o extremo Oeste da Europa até o extremo Leste da América do Norte, até a fronteira da Guatemala na América Central, até o Norte da África, ao Oriente Médio, Índia, China, Sudeste Asiático, Coréia e até o Japão (se os planos para o túnel Coréia-Japão forem concluídos), o que significa conectar por ferrovia uns 76% da população mundial, promovendo o transporte nessas linhas tanto de cargas como de passageiros. Que é uma idéia quase centenária, aliás: em 1906, foi formado um consórcio de estadunidenses, franceses e russos, que depositou US$ 6 milhões em um banco de New Jersey especificamente para a construção do túnel. A idéia foi interrompida com a revolução russa e só recentemente retomada.

Rotas-tronco – Além dos túneis, outras obras são necessárias para completar o projeto, como a interligação de diversas rotas-tronco. Assim, uma das mais antigas estradas internacionais que integram o projeto é a Rodovia Panamericana, que começa na Patagônia, atravessa o Chile e segue entre os Andes e o Pacífico em direção à América do Norte - com alguns trechos em péssimo estado de conservação ou mesmo faltando. Essa rodovia começou a ser projetada em 1923 na América do Sul (sendo lançada oficialmente com o acordo de 17 países firmado em Buenos Aires em 1925), mas o projeto já existia na mente dos colonizadores espanhóis 400 anos antes, pois o rei Charles V da Espanha formulou quatro séculos antes um plano para construir a rodovia Trans-Centro-Americana.

Na outra ponta, a China precisa ampliar seu sistema rodoviário para um total de 6 A China está reformando suas rotas-tronco, como a ligação Beijin-Shenyang, dentro do traçado da Rodovia Internacionalmilhões de quilômetros, pavimentando cerca de 3,5 milhões de km e construindo mais de 60 mil km de estradas principais, o que demanda recursos consideráveis. Frente à necessidade de estabelecer prioridades, a China e seus vizinhos poderão optar por uma estrada para altas velocidades cruzando a Eurásia em linha reta, desde Beijing (40 graus de Latitude Norte) até Paris (9 graus acima), passando por Bruxelas, Dusseldorf, Berlim, Varsóvia, Kiev, Volgogrado, Alma-Ata, Ulan Bator e em território chinês (total de 690 km) por Dandong, Haicheng, Jinzhou e Qinhuangdao.

O Comitê de Transporte Terrestre da Comunidade Européia encabeçou, em 1950, a Declaração de Construção de uma Rede Internacional de Rodovias-tronco, assinada por 19 países europeus. Por sua vez, 15 países asiáticos promoveram em Broad Beach, na Austrália, em 1959, o projeto Asian Highway, para o subcontinente asiático. Na África, o projeto da rodovia Transaariana foi lançado em 1962 e em 1974 foram aprovados por vários países os projetos das rodovias Trans-West África/Zaire e Trans-West Africa Coastal, seguidos em 1976 pelo projeto da rodovia Trans-East Africa.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.