Especial
Uma estrada pela paz
Projeto inclui os maiores túneis
e pontes do mundo
Carlos Pimentel Mendes (*)
Pense
numa rodovia que comece no "fim do mundo", a Patagônia, percorra
as Américas até o Alasca, atravesse para a Rússia
e siga em frente até a Inglaterra, dê meia
volta e atravesse o estreito de Gibraltar para o Marrocos, dê uma
volta pela África, atravesse o Oriente Médio e a China, e
chegue à Coréia, um dos países da atual Copa do Mundo.
Então, atravesse novamente o mar e chegue ao Japão. Impossível?
Nem tanto. Boa parte do percurso já existe, algumas das travessias
marítimas também, falta apenas interligar tudo isso e construir
mais algumas pontes e viadutos. Tal estrada permitiria a circulação
de pessoas e mercadorias, ajudando a integrar as economias de todas as
nações e, através desse contato, os povos se conhecendo
melhor, seria uma rota segura para a promoção da paz mundial.
O
projeto existe há mais de duas décadas, tocado por entidades
particulares em vários lugares do mundo, com o apoio de vários
governos. Sua história, curiosamente, também envolve os dois
países do Mundial-2002: a idéia foi apresentada pela primeira
vez por um japonês, na capital coreana. Foi em novembro de 1981,
na décima Conferência Internacional Sobre a Unidade das Ciências
(International Conference on the Unity of the Sciences - ICUS), em Seul,
na Coréia do Sul, durante palestra do Reverendo Sun Myung Moon (caiu
a ficha? Ele é bem conhecido aqui no Brasil...), como relata (em
inglês e japonês) seu site International
Highway Construction Corporation (IHCC).
E justamente o primeiro passo seria
o desenvolvimento da ligação rodoviária entre Tóquio
e Pequim, via Coréia. Enterrando de vez as desavenças entre
os três países enfatizadas pela Segunda Guerra Mundial e até
hoje não esquecidas - apesar dos esforços para a cicatrização
dessas feridas, como a própria Copa do Mundo.
Tsushima – Pegue o mapa e
verá que a Coréia está em uma península da
Ásia, separada da China pelo Mar Amarelo e do arquipélago
nipônico pelo Mar do Japão. Na ponta
Sul, é banhada pelo Mar da China Oriental. Ali está o Estreito
da Coréia, tendo Pusan na margem coreana e Hiroshima no lado japonês.
No centro desse estreito está a cidade-ilha de Tsushima, famosa
pela histórica batalha homônima. Toda essa descrição
é porque um dos principais projetos da Rodovia Internacional é
um túnel submarino nesse local, ligando Coréia e Japão
e dando acesso também a Tsushima. As pesquisas necessárias
ao projeto começaram em Nagóia, no Japão, em agosto
de 1986, conduzidas pelo Japan-Korea Tunnel Research Institute.
Com três seções
sob o mar (68+47+17 km), totalizando 235 km de ponta a ponta, e profundidade
média de 150 metros (duas vezes e meia a do Eurotúnel, que
tem 53,8 km de extensão, dos quais 23,3 km sob o mar), o túnel
Coréia-Japão terá de resistir a
uma pressão da água da ordem de 25 kgf/cm² e à
pressão do solo da ordem de 400 kgf/cm² - mais que o dobro
das pressões sofridas pela estrutura do Eurotúnel. O gradiente
máximo será de 25/1000, enquanto no Eurotúnel registra-se
11/1000. As obras devem demorar de sete a dez anos (as do Eurotúnel
demoraram três anos).
O complexo Coréia-Japão
é o maior já projetado, como relaciona uma página
Web sobre os maiores túneis do mundo, sendo entretanto suplantado
em termos de obra contínua pela projetada ligação
da China Continental com Taiwan (125 km), pelo projetado túnel Dublin-Holyhead,
sob o Mar da Irlanda (95 km), e pela ligação de Tallin (Estônia)
a Helsinki (Finlândia), que pode chegar a 80 km. Até mesmo
a ligação pelo estreito de Bering prevê um túnel
submarino de 74,4 km.
Outros projetos importantes citados
nessa página são o túnel de 38,7 km no estreito de
Gibraltar, ligando a Espanha ao Marrocos, e a ligação de
Umeå (Finlândia) a Vaasa (Suécia), com 25 a 48 km (conforme
o traçado escolhido). A propósito, devem ser completados
até 2020 os túneis Mont d'Ambin (52 km, entre França
e Itália) e Base Brenner (55 km, entre Áustria e Itália).
Bering – Entre o extremo Leste
da Ásia e o extremo Oeste da América do Norte, existe o Estreito
de Bering. Justamente aí deve ocorrer a ligação entre
os dois continentes, como prevê o Bering
Strait Tunnel & Railroad Group, que se define como "um grupo pequeno,
privado e não lucrativo de indivíduos de todo o mundo, cujo
principal objetivo é promover a construção de uma
ferrovia e um túnel" nessa ligação, de forma a conectar
as ferrovias do Alasca e da Rússia. É necessário construir
cerca de 7.725 quilômetros de ferrovia e um túnel através
do estreito, de Wales (Alasca) até Uelen (Rússia).
O primeiro passo lógico é
ligar o terminal ferroviário Eilson AFB, a Leste de Faibranks, no
Alasca, com a BC Rail em Dease Lake, Colúmbia Britânica. O
governo do Alaska deve ser o principal impulsionador do projeto, que cria
uma conexão ferroviária viável para o transporte de
cargas através do Canadá até os EUA e mesmo ao México,
de forma a interligar toda a malha ferroviária das Américas
do Norte e Central, permitindo que o Alasca enfim comece a explorar suas
riquezas naturais (ouro, prata, cobre, carvão, zinco etc.), hoje
inacessíveis por falta de transporte economicamente viável.
No lado russo, os mesmos argumentos fazem ainda mais sentido, pois o trecho
ferroviário a construir é de menos de 1.500 km e a região
atravessada possui mais recursos naturais passíveis de exploração
econômica.
Construído então o
túnel, seria completada a conexão desde o extremo Oeste da
Europa até o extremo Leste da América do Norte, até
a fronteira da Guatemala na América Central, até o Norte
da África, ao Oriente Médio, Índia, China, Sudeste
Asiático, Coréia e até o Japão (se os planos
para o túnel Coréia-Japão forem concluídos),
o que significa conectar por ferrovia uns 76% da população
mundial, promovendo o transporte nessas linhas tanto de cargas como de
passageiros. Que é uma idéia quase centenária, aliás:
em 1906, foi formado um consórcio de estadunidenses, franceses e
russos, que depositou US$ 6 milhões em um banco de New Jersey especificamente
para a construção do túnel. A idéia foi interrompida
com a revolução russa e só recentemente retomada.
Rotas-tronco – Além dos
túneis, outras obras são necessárias para completar
o projeto, como a interligação de diversas rotas-tronco.
Assim, uma das mais antigas estradas internacionais que integram o projeto
é a Rodovia Panamericana, que começa na Patagônia,
atravessa o Chile e segue entre os Andes e o Pacífico em direção
à América do Norte - com alguns trechos em péssimo
estado de conservação ou mesmo faltando. Essa rodovia começou
a ser projetada em 1923 na América do Sul (sendo lançada
oficialmente com o acordo de 17 países firmado em Buenos Aires em
1925), mas o projeto já existia na mente dos colonizadores espanhóis
400 anos antes, pois o rei Charles V da Espanha formulou quatro séculos
antes um plano para construir a rodovia Trans-Centro-Americana.
Na outra ponta, a China precisa ampliar
seu sistema rodoviário para um total de 6 milhões
de quilômetros, pavimentando cerca de 3,5 milhões de km e
construindo mais de 60 mil km de estradas principais, o que demanda recursos
consideráveis. Frente à necessidade de estabelecer prioridades,
a China e seus vizinhos poderão optar por uma estrada para altas
velocidades cruzando a Eurásia em linha reta, desde Beijing (40
graus de Latitude Norte) até Paris (9 graus acima), passando por
Bruxelas, Dusseldorf, Berlim, Varsóvia, Kiev, Volgogrado, Alma-Ata,
Ulan Bator e em território chinês (total de 690 km) por Dandong,
Haicheng, Jinzhou e Qinhuangdao.
O Comitê de Transporte Terrestre
da Comunidade Européia encabeçou, em 1950, a Declaração
de Construção de uma Rede Internacional de Rodovias-tronco,
assinada por 19 países europeus. Por sua vez, 15 países asiáticos
promoveram em Broad Beach, na Austrália, em 1959, o projeto Asian
Highway, para o subcontinente asiático. Na África, o projeto
da rodovia Transaariana foi lançado em 1962 e em 1974 foram aprovados
por vários países os projetos das rodovias Trans-West África/Zaire
e Trans-West Africa Coastal, seguidos em 1976 pelo projeto da rodovia Trans-East
Africa.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio. |