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Edição 107 - ABR/2002 

Mercado

Construir relações em escala global... e local  

Fornecedores locais precisam de estratégias criativas para reconquistar seu mercado

Carlos Pimentel Mendes (*)

Globalização dos negócios implica em construir novos relacionamentosNo mundo da economia globalizada, existe um sábio conselho: "Pense globalmente, aja localmente". Funciona assim: mesmo para prestar um bom atendimento aos clientes locais, é necessário que o empresário tenha uma mentalidade de mercado global, sabendo que qualquer mudança no mundo pode fazer com que um fornecedor de qualquer outro país tenha melhores condições de preço e prazo de entrega que o próprio fornecedor local.

Todos os alertas foram dados. Como quando um navio-fábrica de cimento ficou ancorado no porto de Santos, para receber matéria-prima do exterior e produzir o cimento com preço melhor que o apresentado nas lojas santistas pelos fornecedores nacionais. Ou quando um conhecido arquiteto santista comentou que já se tornava mais confiável e barato encomendar via Internet os cálculos do projeto a um escritório em Atlanta/EUA e, aprovado o projeto, mandar também pela Internet que um centro gráfico paulistano fizesse a impressão das plantas.

Na Baixada Santista, os fornecedores de materiais de construção demoraram muito para perceber o beco em que o setor estava entrando, ao manter velhas práticas comerciais, enquanto o mercado se movia em busca de melhores preços e de mais variedade, no lado de cima da Serra do Mar ou em qualquer outro lugar do planeta. Pois agora, qualquer fornecedor pode ser encontrado a um clique do mouse, acabando a vantagem de estar fisicamente próximo do cliente para agir como quiser.

Mas, perceberam? Alguns se movimentam no sentido de fazer com que as construtoras comprem os materiais nas lojas locais, pela simples razão de serem locais. Pode até ser um bom mote de campanha, mas somente se for acompanhado por outras ações que mostrem ser efetivamente vantajoso adquirir esses materiais no mercado local. E é bom que a ação seja rápida: a duplicação da rodovia Imigrantes terá um impacto sobre a economia local que já vem sendo objeto de estudos. Tanto pode facilitar a descida de futuros clientes para as lojas locais como pode facilitar a revoada dos antigos clientes em busca de melhores condições serra acima.

Globalização dos negócios implica em construir novos relacionamentosSem reserva – Embora existam protestos - como quando os Estados Unidos fecham as fronteiras ao aço estrangeiro para proteger o mercado interno -, a criação de barreiras aos competidores estrangeiros é um ato ligado à soberania nacional. Mas, a própria Constituição veda a criação de barreiras comerciais entre estados ou entre municípios. Assim, de imediato seria derrubada na Justiça qualquer pretensão de forçar a criação de uma reserva de mercado municipal ou metropolitana. Mesmo porque, ainda que fosse possível, fatalmente seriam encontradas formas "alternativas" de atravessar as fronteiras municipais.

Então, se o comércio local de materiais de construção quer reconquistar a clientela regional, tem que provar que possui qualidade, variedade e preço. Tem de estabelecer as parcerias que já deveria ter criado há mais de uma década com grandes fornecedores, para obter preços melhores; tem de formar grupos de compras para ganhar escala de compra junto aos fornecedores das matérias-primas; tem de encontrar formas de manter o estoque constantemente renovado, para apresentar produtos mais modernos e variados.

Não é possível que uma única loja na capital paulista apresente mais variedade de produtos que todas as lojas da Baixada Santista juntas - e não é comentário por ouvir dizer, mas algo notado por este jornalista ao tentar encontrar no mercado local um lustre ou um espelho de tomada, por exemplo.

E a questão não se resume a produto, é preciso considerar o serviço de instalação. Mesmo empresas de maior renome não se preocupam com esse "detalhe" - muitas vezes o principal criador de ex-clientes. Com certeza, instaladores de persianas verticais não serão bem recebidos em muitos apartamentos e casas da região, após as barbaridades que alguns deles cometeram - também só para dar um exemplo. Os clientes não têm tempo nem paciência para ensinar aos "instaladores profissionais" as regras básicas de suas profissões - tão básicas que até o cliente leigo sabe quando está sendo maltratado pelo fornecedor que contratou.

Não que inexistam empresas inidôneas e profissionais incompetentes no lado de cima da Serra do Mar. Porém, algumas empresas de fora dessa região metropolitana conseguiram, aos poucos, conquistar a clientela da Baixada Santista. No mínimo, alguém dormiu no ponto, deixando de reagir à invasão do mercado. É em momentos assim que se vê como custa caro - custa a sobrevivência do próprio negócio - acomodar-se e esperar que o consumidor vá eternamente se deixar seduzir pelos velhos argumentos de venda.

Globalização dos negócios implica em construir novos relacionamentosCaminho – Se os comerciantes locais querem recuperar o mercado, em vez de apenas lamentar a perda, existe uma série de passos práticos que precisa ser seguida. O primeiro deles é agirem da forma como fazem seus clientes: pesquisar produtos, prazos de entrega, preços finais e financiamentos, serviços de instalação. Observar o que os clientes realmente querem encontrar numa loja de materiais para construção e reforma. Atentar para os motivos que levam alguém a percorrer as lojas concorrentes na Grande São Paulo e em outros centros.

Tabulados os dados sobre as preferências dos consumidores em termos de produtos e serviços, analisar as formas de estabelecer um diferencial favorável que atraia esses consumidores para a região. Devem levar em conta nessa análise que, às vezes, com duas lojas oferecendo o mesmo produto ao mesmo preço, ganha o cliente a que tiver fama de prestar melhores serviços de instalação e manutenção. Por outro lado, às vezes o preço no balcão é o mesmo, mas a firma paulistana não cobra frete e a santista acrescenta à conta essa despesa...

Logística é um aspecto importante: concorrentes podem se unir, por exemplo, para a compra conjunta de certos materiais e a manutenção de um depósito também conjunto, evitando o custo da estocagem individual. No mundo globalizado, outras parcerias antes inimagináveis já ocorrem. Por exemplo, será que cada loja precisa ter um serviço próprio de entregas, ou grupos de lojas, mesmo concorrentes, poderiam contar com uma mesma entregadora, racionalizando as entregas? Os comerciantes poderiam promover exposições conjuntas, intercambiar produtos e manter catálogos em comum, para que o consumidor tenha mais variedade de escolha - caso em que o diferencial para a escolha da loja não seria o produto em si, mas a excelência no atendimento, a capacidade de encantar o cliente...

Só então, feita a lição de casa, seria factível - e altamente justificável - realizar uma campanha para que o consumidor vote nos candidatos da região (isto é, escolha comprar nos estabelecimentos santistas...). Haveria até um argumento em que os comerciantes ainda não pensaram: ao comprar nas lojas locais, o consumidor estaria garantindo também o giro do dinheiro e o mercado de trabalho na região. Seria o motivo final para convencer o comprador, já satisfeito com o preço, o prazo, a qualidade do produto e do atendimento nas lojas da região. Argumento que vale tanto em relação a quem compra um parafuso como para a construtora que precisa de materiais para um prédio inteiro.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio

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