Engenharia
Um metrô na Cidade das Águas
Projeto do Venice Rapido está
estimado em US$ 150 milhões
Carlos Pimentel Mendes (*)
Na Cidade
das Águas - seu apelido formal -, está sendo projetada
uma ligação subterrânea entre a periferia e o centro,
para facilitar o acesso dos habitantes e turistas, já que até
hoje o centro de Veneza só é alcançado por lanchas
e pelas tradicionais gôndolas, sendo proibida a circulação
de automóveis. A idéia do Venecia Metro, ou Venice Rapido,
é transportar 2.000 turistas por hora, entre terra firme (o aeroporto
internacional Marco Polo) e a zona central na laguna (o antigo Arsenal,
junto à praça de São Marcos). Para isso, seriam construídos
dois túneis paralelos, 15 pés abaixo do fundo da laguna,
um pouco abaixo dos pilotis que sustentam as construções
da cidade.
Temem os conservacionistas que os túneis
ameacem os edifícios antigos, já atingidos pelas inundações.
Além disso, seria perdido o isolamento que, para muitos, é
parte do mágico encanto da cidade (que atrai 12 milhões de
turistas por ano). O prefeito Paolo Costa, usando seus poderes de emergência,
busca recursos privados de US$ 150 milhões para custear o projeto.
Seus partidários consideram que seria a solução dos
problemas que ameaçam a sobrevivência de Veneza: as ondas
levantadas pelas embarcações, que corroem o cimento dos palácios
semi-destruídos, e o êxodo da população local,
que em 40 anos diminuiu de 170 mil para 67 mil habitantes.
"Por quê Veneza não haveria
de se modernizar, de se equiparar a cidades como Londres e Paris?", alega
Michele Zuin, membro local do partido político Fuerza Italia, liderado
pelo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi. "Sem oportunidades de
trabalho e com um sistema de transporte tão lento, não é
de estranhar que esteja ficando sem residentes. Temos que tornar mais acessível
a zona central. A resposta é o metrô".
Outra questão é o dano
causado pelos turistas à cidade: a municipalidade já anunciou
sua intenção de lhes aplicar um imposto. A expectativa é
que o metrô possa substituir os vaporetti com casco de ferro,
que transportam 250 mil passageiros/dia no Grande Canal. Os ambientalistas
temem que se agravem as inundações: as marés altas
já inundam a Praça de São Marcos quase 100 vezes por
ano. Enzo Cuccimello, veneziano e professor de planejamento ambiental,
advertiu que o metrô "poderia acelerar o afundamento da cidade, cujos
edifícios estão construídos sobre milhões de
pilotis cravados nas ilhas". Depois de 20 anos de estudos sobre as inundações,
Berlusconi aprovou em 2001 um projeto para construir as obras de contenção.
Salvação – As atividades
para a salvaguarda de Veneza e da laguna têm na Internet a página
Sal.ve.
Aliás, dizem os venezianos que para salvar das águas a Cidade
das Águas bastaria colocar sob as construções todos
os bilhões de liras (a recém-extinta moeda italiana) investidos
em projetos, informes e contra-informes. Assim, a cidade se elevaria até
um metro acima das águas...
As autoridades começaram a
criar comissões e estudar a sério a forma de evitar o afundamento
da Sereníssima (outro apelido de Veneza) quando, em 4/11/1966,
a cidade amanheceu completamente inundada. O fenômeno da acqua
alta, tradicional no inverno, foi alarmante naquele dia, quando o nível
das águas subiu 1,5 metro, causando grandes danos econômicos
e artísticos. Desde então, o plano mais ambicioso surgiu
em 1984, mas só em 6/12/2001 as autoridades deram sinal verde. É
a maior obra de infra-estrutura prevista para a Itália nos próximos
anos, junto com a ponte que unirá Sicília à península,
devendo terminar em 2009.
O plano salvador é chamado
Mose (Moisés, em italiano), lembrando o autor do milagre bíblico
da separação das águas no Mar Vermelho, e também
por formar a sigla de Modulo Sperimentale Electromecanico. É baseado
em uma série de 79 comportas móveis submergidas nas três
entradas marítimas da laguna, para serem elevadas nos dias de maré
muito alta, fechando o lago como se fosse uma banheira.
E foi justamente esse um dos pontos
controversos, pois os ecologistas explicam que a laguna e sua fauna vivem
graças à troca periódica de água. A resposta
dos defensores da idéia é que os diques só seriam
usados quando absolutamente necessário: umas dez vezes por ano e
durante poucas horas. O ministro do Meio-ambiente, Altero Matteoli, assegurou
que o projeto tem todas as garantias ambientais. Entre as medidas adicionais
estaria a restrição à navegação na laguna
nesses dias excepcionais.
O assunto se complica ao se pensar que
será cada vez mais habitual ter de recorrer às comportas.
Veneza afunda porque o fundo da laguna vem sendo erodido e porque o nível
do mar, devido ao aquecimento do planeta, é cada vez mais alto.
Assim, o Consorcio Venecia Nuova, que coordena o projeto, pleiteia medidas
complementares, como construir barreiras frente às três bocas
da laguna para cortar a passagem do siroco, o vento sulino que empurra
as marés, o que permitiria reduzi-las em 4 cm. Também são
fundamentais as obras de elevação das bordas do centro histórico
até a cota de 110 cm, iniciadas há anos, e o enchimento dos
fundos da laguna, escavados demasiadamente. O mar invade sem obstáculos
o pântano, sendo necessário recuperar o calado das três
bocas da laguna, com uma elevação do solo e facilidades para
acelerar a saída da água.
Também será proibida
a passagem de petroleiros que cruzam diariamente o lago até as indústrias
estabelecidas em terra firme. O ministro de Infra-estrutura, Pietro Lunardi,
anunciou essa medida em 6/12/2001, junto com outra proposta faraônica:
a construção de uma ilha artificial, a 10 km da costa, que
sirva de porto para os navios, e um conduto subterrâneo que a conecte
ao litoral e contenha os dutos petrolíferos. O plano prevê
incrementar a limpeza dos canais: uma sociedade mista, composta pela Prefeitura
de Veneza e empresas privadas, já escavou nos últimos quatro
anos mais de 22 km de canais, numa intervenção primordial
para o saneamento da laguna.
A cidade – Capital da província
homônima, a Noroeste do golfo de Veneza, na região mais ao
Norte do Mar Adriático, Veneza
está situada sobre um grande número de ilhas, numa laguna
protegida do mar por cordões litorâneos (os lidi), com várias
passagens naturais. Entre as ilhas, há 177 canais - que totalizam
45 km de vias, transpostas por cerca de 400 pontes -, interligando as várias
partes da cidade, junto com ruas estreitas e tortuosas. Além das
tradicionais gôndolas, há lanchas a motor para o transporte
nos canais e lagunas.
Com 3 km de comprimento, 70 m de
largura e 5,5 m de profundidade, o Grande Canal (que pode ser
visto na Internet com uma webcam) divide a cidade em duas áreas:
ao Norte, os distritos de Cannareggio, San Marco e Castello; ao Sul, os
de Santa Croce, San Pablo, Dorsoduro e Giudecca. Nas margens desse canal
estão palácios e igrejas mundialmente famosos por sua arquitetura
e coleções de arte. A Praça de São Marcos (chamada
apenas de Piazza, praça) é o centro da cidade, ligando-se
ao continente por ferrovia e rodovia, que só atingem a periferia
urbana; Veneza conta com linhas aéreas e seu porto é responsável
pela quarta parte da carga marítima que entra na Itália.
A água potável procede de San Ambrogio, distante 32 km.
Veneza está ameaçada
pelo crescente aumento de sua taxa de subsidência (rebaixamento em
relação ao nível das águas), que nos últimos
50 anos se elevou de 1 para 5 cm por década, e em mais 50 anos poderia
se tornar inabitável, segundo relatório da Unesco, que tomou
a seu cuidado a preservação e restauração da
cidade, envidando importantes esforços nesse sentido junto com o
governo italiano.
História – No Baixo Império
Romano, a região das lagunas tinha pequena população
independente vivendo da pesca e da exploração do sal e era
freqüentada também por habitantes de Ravenna, Altinum e Aquiléia,
que lá mantinham ancoradouros e comércio costeiro.
No século V, com as invasões
bárbaras, habitantes das vizinhanças se refugiaram nas ilhotas,
vivendo em casas semelhantes a "ninhos de pássaros aquáticos", segundo
um historiador da época, Flavius Magnus Aurelius Cassiodoro Senator.
A invasão longobarda em 568 levou ao aumento da população
veneziana, gerando a necessidade de reforço do solo, diques, escoadouros
etc.
Devido às relações
contínuas com Bizâncio, a região das lagunas ficou
politicamente muito ligada ao império oriental. Depois de muitos
conflitos políticos, surgiu no século VIII uma nova forma
de governo, o dogato (ducado), que ganhou força com a cada vez maior
afirmação do poderio marítimo internacional de Veneza
nos séculos seguintes.
Com a criação da rota
marítima portuguesa para as Índias, esse poderio começou
a decrescer, e no final do século XVI Veneza se transformou em importante
centro de fabricação de tecidos de luxo. No século
XVIII, converteu-se no maior centro de diversões da Europa, com
seu carnaval de seis meses. A República de Veneza terminou com a
chegada de Napoleão, sendo alternadamente transferida para os governos
austríaco e francês, até que em 1866 foi incorporada
definitivamente à Itália unificada.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio. |