Arquitetura
Arquitetos discutem arranha-céu
Carlos Pimentel Mendes (*)
Atentados levam a repensar
os valores de uma época em rápida mudança
"A Arquitetura
é a vontade de uma época transladada para o espaço",
disse uma vez o famoso projetista Mies van der Rohe. Depois de se repetir
em New York o mito da torre de Babel, derrubada porque pessoas de diferentes
culturas radicalizam posições e se agridem, os arquitetos
em todo o mundo chegaram a um dilema: compensa fazer torres que arranham
o céu (arranha-céus,
rascacielos,
skyscrapers,
o mesmo significado em diferentes idiomas)? Com as torres de New York,
caiu também toda uma série de conceitos e valores. A vontade
da época pode ter mudado. A poeira no ar ainda prejudica a visão,
mas parece que, ao se dissipar, mostrará um novo horizonte na Arquitetura
mundial.
Dirigentes de uma dúzia dos principais
escritórios novaiorquinos de Arquitetura realizaram
uma reunião para tratar do assunto, dias após os ataques
às torres: surgiram mais dúvidas que certezas. Não
apenas porque tais edifícios emblemáticos se tornaram alvos
e símbolos perfeitos para atentados terroristas. Há inúmeras
questões técnicas que vão se acumulando e encarecendo
tais obras. E aqueles crimes só fizeram aumentar o debate
dessas questões e, portanto, os custos representados pelas novas
exigências de segurança.
Só para dar um exemplo: os
prédios do World
Trade Center estavam preparados (tanto que suportaram) para agüentar
o impacto acidental de um avião Boeing 707. Os terroristas usaram
dois Jumbo 757, e para garantir o resultado sequestraram aviões
com tanque de combustível lotado. Os prédios não suportaram
o calor do incêndio. Portanto, a medida óbvia na construção
dos próximos prédios é reforçar a estrutura
e protegê-la do violento incêndio causado por um desses futuros
aviões-bombas. O que, evidentemente, terá um impacto extra
no custo. Não seria mais barato fazer uma construção
mais plana, em terreno não tão valorizado?
Dilemas - Aliás, o dilema
dos arquitetos estadunidenses é shakespeariano: as torres devem
ser reerguidas (pois o terreno onde estavam é supervalorizado, há
demanda para todo o espaço construído que elas representavam
e há uma questão de orgulho nacional)? Ou, ao contrário,
deve-se fazer do local um monumento em memória dos que morreram
ali, como um protesto altissonante contra os crimes que aterrorizam a humanidade?
A terceira possibilidade é fazer ambos, os prédios e o memorial:
em vez de ser uma solução de convergência, é
por enquanto apenas mais uma proposta para acirrar os debates.
Que passam também por uma
revisão geral de todos os sistemas (transportes, fornecimento
de água e energia, segurança, trânsito, controles de
acesso) no que se refere à prevenção de futuros ataques
terroristas. Especialistas estão considerando a criação
de sistemas redundantes, como forma de prevenção e defesa
– mesmo com todos os custos decorrentes da duplicação das
estruturas.
Para os arquitetos e construtores,
há novas preocupações com segurança, colocadas
no mesmo nível da preocupação com impactos ambientais.
Autoridades novaiorquinas estão preparando até mesmo um sistema
de detecção e defesa contra uso de armas químicas
(tipo gás sarin no metrô), e há planos no Congresso
dos EUA para o controle dos reservatórios de água de forma
a evitar contaminação por armas biológicas.
No dia 11/10/2001, um mês após
as ações terroristas, o local onde estavam as torres foi
incluído emergencialmente como o 101º item na lista das 100
áreas construídas mais em risco no mundo, divulgada bienalmente
pelo World Monuments Fund (WMF).
O relatório inclui monumentos de interesse arquitetônico,
artístico, religioso e histórico. A área da Baixa
Manhattan vem reunindo, desde 1625, mais de 65 locais de interesse para
a compreensão de como evoluiu a arquitetura norte-americana. A relação
completa está em uma
das páginas do WMF e no Brasil inclui a Vila de Paranapiacaba,
em Santo André/SP.
“Só” 80 andares – Na verdade,
há outro fator pesando sobre os ombros dos arquitetos: ganha força
uma corrente de opinião pela qual os edifícios não
devem ter mais que 80 andares (não por acaso, mais ou menos a altura
em que as torres do WTC novaiorquino foram atingidas). Assim, até
mesmo os arranha-céus projetados para a chinesa Xangai – que se
tornariam então os mais altos edifícios do mundo - podem
ficar só no papel.
Uma das razões para o menor
número de andares é o acesso, pois quanto mais alto o prédio,
mais complexa é a estrutura de elevadores e a necessidade de baldeações.
Considerando que mesmo um prédio desses balança e se inclina
até com a força do vento comum e a incidência do sol
em uma das fachadas, pode-se imaginar como as estruturas precisam ser adequadas
a todos esses esforços constantes.
O número de variáveis
a considerar cresce exponencialmente. Por exemplo, espera-se que em caso
de incêndio entrem em ação os sprinklers. No WTC, o
abalo na estrutura danificou o sistema. Entretanto, a água dos que
funcionaram talvez tenha salvo da morte pela sede algumas das pessoas soterradas.
Por outro lado, embora a estrutura
suportasse o abalo da colisão e cerca de uma hora de fogo forte,
dando tempo a que milhares de pessoas se salvassem, e desmoronasse na forma
de uma implosão, não caindo sobre os prédios vizinhos,
o fato é que o colapso acabou acontecendo como num jogo de dominó:
o peso de um andar desmoronado não foi suportado pelo imediatamente
abaixo, que assim desmoronou, sobrecarregando cada vez mais os andares
inferiores. Isso precisará ser repensado em futuras construções
Procedimentos de segurança
precisarão ser revistos. Quando foi dado o alarme na torre 1, as
pessoas na torre 2 receberam instruções para não deixar
o prédio, pois estariam a salvo da correria nas ruas; o problema
é que, 18 minutos depois, chegou o segundo avião e então
o alarme foi contraproducente. Na estação do metrô
sob o complexo, um inspirado controlador de tráfego, ao saber do
que ocorria no prédio, conseguiu que os milhares de passageiros
reembarcassem todos no trem que acabavam de deixar: morreram “apenas” os
encarregados da segurança na estação.
Antes mesmo dos riscos de transmissão
de esporos de antraz por sistemas de ventilação, já
se discutia o risco da presença de microorganismos nos sistemas
de ventilação forçada e de ar condicionado. Este é
outro tema que os arquitetos terão para debater: mesmo em uso normal
os edifícios também podem ficar doentes, afligindo os seres
humanos que neles habitam.
Independentemente dos ataques terroristas,
há outros impactos importantes de uma estrutura dessas. Um super-arranha-céu
cria um cone de sombra que pode cobrir um bairro inteiro, impedindo a insolação
e ventilação adequada nessa área. Até o clima
muda sensivelmente na área onde esse arranha-céu é
construído. Toda a estrutura viária, elétrica, de
água e esgotos, de comunicações, de serviços
de apoio etc. precisa ser completamente revista e adaptada para suportar
o violento impacto urbano dessa estrutura.
Encontro – De 10 a 13 de janeiro
de 2002, o American Institute of Architects
(AIA) promoverá um congresso em Albuquerque, nos EUA, focado
nas medidas de segurança e mudanças conceituais para os futuros
prédios, levando em conta as novas demandas em termos de proteção
à saúde, segurança e bem-estar dos ocupantes, visitantes
e do público.
Em um estudo realizado pela entidade
após os ataques de 11/9/2001, 72% dos profissionais entrevistados
responderam que seus clientes vão querer medidas adicionais de segurança
nos projetos já em desenvolvimento. Nesse congresso de janeiro,
além dos novos conceitos construtivos, serão debatidas formas
de integração dessas novas tendências com todo o ciclo
de vida desses prédios.
Os arranha-céus surgiram nos
EUA, no final do século XIX, como símbolo de uma sociedade
altamente competitiva. O movimento capitaneado pela chamada Escola de Chicago
– tendo como “pai dos arranha-céus” o arquiteto William Le Baron
Jenney – estava na base do modernismo, como símbolo da internacionalização
que cerca de cem anos depois se transformou em globalização.
A pergunta agora é se os escombros
do WTC também marcam o fim desse movimento.
Cem anos antes, a humanidade queria
atingir os céus. Neste novo milênio, seus engenhos percorrem
os planetas, vários homens já pousaram na Lua, outros giram
em órbita da Terra. As torres perderam sua principal razão
de existir, pois o ser humano não só arranhou o céu
como atravessou-o e seguiu muito além. Talvez - como o meteoro que
acabou com os dinossauros - os aviões-bomba tenham decretado o fim
da era dos arranha-céus. A reunião dos arquitetos em janeiro
de 2002 pode colocar a pá de cal que faltava. Ou...
(*) Carlos
Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo
Milênio. |