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Última modificação em (mês/dia/ano/horário):11/04/01 23:41:40
Edição 101 - OUT/2001

Arquitetura

Arquitetos discutem arranha-céu

Carlos Pimentel Mendes (*)

Atentados levam a repensar os valores de uma época em rápida mudança

"A Arquitetura é a vontade de uma época transladada para o espaço", disse uma vez o famoso projetista Mies van der Rohe. Depois de se repetir em New York o mito da torre de Babel, derrubada porque pessoas de diferentes culturas radicalizam posições e se agridem, os arquitetos em todo o mundo chegaram a um dilema: compensa fazer torres que arranham o céu (arranha-céus, rascacielos, skyscrapers, o mesmo significado em diferentes idiomas)? Com as torres de New York, caiu também toda uma série de conceitos e valores. A vontade da época pode ter mudado. A poeira no ar ainda prejudica a visão, mas parece que, ao se dissipar, mostrará um novo horizonte na Arquitetura mundial.

Página do serviço MSNBC debate a questão dos arranha-céus
Dirigentes de uma dúzia dos principais escritórios novaiorquinos de Arquitetura realizaram uma reunião para tratar do assunto, dias após os ataques às torres: surgiram mais dúvidas que certezas. Não apenas porque tais edifícios emblemáticos se tornaram alvos e símbolos perfeitos para atentados terroristas. Há inúmeras questões técnicas que vão se acumulando e encarecendo tais obras. E aqueles crimes só fizeram aumentar o debate dessas questões e, portanto, os custos representados pelas novas exigências de segurança. 

Só para dar um exemplo: os prédios do World Trade Center estavam preparados (tanto que suportaram) para agüentar o impacto acidental de um avião Boeing 707. Os terroristas usaram dois Jumbo 757, e para garantir o resultado sequestraram aviões com tanque de combustível lotado. Os prédios não suportaram o calor do incêndio. Portanto, a medida óbvia na construção dos próximos prédios é reforçar a estrutura e protegê-la do violento incêndio causado por um desses futuros aviões-bombas. O que, evidentemente, terá um impacto extra no custo. Não seria mais barato fazer uma construção mais plana, em terreno não tão valorizado?

Página do Empire State na Web já reflete as novas preocupações com a segurança do prédio
Dilemas - Aliás, o dilema dos arquitetos estadunidenses é shakespeariano: as torres devem ser reerguidas (pois o terreno onde estavam é supervalorizado, há demanda para todo o espaço construído que elas representavam e há uma questão de orgulho nacional)? Ou, ao contrário, deve-se fazer do local um monumento em memória dos que morreram ali, como um protesto altissonante contra os crimes que aterrorizam a humanidade? A terceira possibilidade é fazer ambos, os prédios e o memorial: em vez de ser uma solução de convergência, é por enquanto apenas mais uma proposta para acirrar os debates.

Que passam também por uma revisão geral de todos os sistemas (transportes, Monumentos ameaçados em todo o mundo, segundo relatório da WMFfornecimento de água e energia, segurança, trânsito, controles de acesso) no que se refere à prevenção de futuros ataques terroristas. Especialistas estão considerando a criação de sistemas redundantes, como forma de prevenção e defesa – mesmo com todos os custos decorrentes da duplicação das estruturas.

Para os arquitetos e construtores, há novas preocupações com segurança, colocadas no mesmo nível da preocupação com impactos ambientais. Autoridades novaiorquinas estão preparando até mesmo um sistema de detecção e defesa contra uso de armas químicas (tipo gás sarin no metrô), e há planos no Congresso dos EUA para o controle dos reservatórios de água de forma a evitar contaminação por armas biológicas.

No dia 11/10/2001, um mês após as ações terroristas, o local onde estavam as torres foi incluído emergencialmente como o 101º item na lista das 100 áreas construídas mais em risco no mundo, divulgada bienalmente pelo World Monuments Fund (WMF). O relatório inclui monumentos de interesse arquitetônico, artístico, religioso e histórico. A área da Baixa Manhattan vem reunindo, desde 1625, mais de 65 locais de interesse para a compreensão de como evoluiu a arquitetura norte-americana. A relação completa está em uma das páginas do WMF e no Brasil inclui a Vila de Paranapiacaba, em Santo André/SP.

Página do WMF sobre monumentos ameaçados já lista a área do WTC em New York
“Só” 80 andares – Na verdade, há outro fator pesando sobre os ombros dos arquitetos: ganha força uma corrente de opinião pela qual os edifícios não devem ter mais que 80 andares (não por acaso, mais ou menos a altura em que as torres do WTC novaiorquino foram atingidas). Assim, até mesmo os arranha-céus projetados para a chinesa Xangai – que se tornariam então os mais altos edifícios do mundo - podem ficar só no papel.

Uma das razões para o menor número de andares é o acesso, pois quanto mais alto o prédio, mais complexa é a estrutura de elevadores e a necessidade de baldeações. Considerando que mesmo um prédio desses balança e se inclina até com a força do vento comum e a incidência do sol em uma das fachadas, pode-se imaginar como as estruturas precisam ser adequadas a todos esses esforços constantes. 

O número de variáveis a considerar cresce exponencialmente. Por exemplo, espera-se que em caso de incêndio entrem em ação os sprinklers. No WTC, o abalo na estrutura danificou o sistema. Entretanto, a água dos que funcionaram talvez tenha salvo da morte pela sede algumas das pessoas soterradas.

Por outro lado, embora a estrutura suportasse o abalo da colisão e cerca de uma hora de fogo forte, dando tempo a que milhares de pessoas se salvassem, e desmoronasse na forma de uma implosão, não caindo sobre os prédios vizinhos, o fato é que o colapso acabou acontecendo como num jogo de dominó: o peso de um andar desmoronado não foi suportado pelo imediatamente abaixo, que assim desmoronou, sobrecarregando cada vez mais os andares inferiores. Isso precisará ser repensado em futuras construções

Procedimentos de segurança precisarão ser revistos. Quando foi dado o alarme na torre 1, as pessoas na torre 2 receberam instruções para não deixar o prédio, pois estariam a salvo da correria nas ruas; o problema é que, 18 minutos depois, chegou o segundo avião e então o alarme foi contraproducente. Na estação do metrô sob o complexo, um inspirado controlador de tráfego, ao saber do que ocorria no prédio, conseguiu que os milhares de passageiros reembarcassem todos no trem que acabavam de deixar: morreram “apenas” os encarregados da segurança na estação.

Antes mesmo dos riscos de transmissão de esporos de antraz por sistemas de ventilação, já se discutia o risco da presença de microorganismos nos sistemas de ventilação forçada e de ar condicionado. Este é outro tema que os arquitetos terão para debater: mesmo em uso normal os edifícios também podem ficar doentes, afligindo os seres humanos que neles habitam.

Independentemente dos ataques terroristas, há outros impactos importantes de uma estrutura dessas. Um super-arranha-céu cria um cone de sombra que pode cobrir um bairro inteiro, impedindo a insolação e ventilação adequada nessa área. Até o clima muda sensivelmente na área onde esse arranha-céu é construído. Toda a estrutura viária, elétrica, de água e esgotos, de comunicações, de serviços de apoio etc. precisa ser completamente revista e adaptada para suportar o violento impacto urbano dessa estrutura. 

Site da WTC Association destaca a reunião paulistana
Encontro – De 10 a 13 de janeiro de 2002, o American Institute of Architects (AIA) promoverá um congresso em Albuquerque, nos EUA, focado nas medidas de segurança e mudanças conceituais para os futuros prédios, levando em conta as novas demandas em termos de proteção à saúde, segurança e bem-estar dos ocupantes, visitantes e do público. 

Em um estudo realizado pela entidade após os ataques de 11/9/2001, 72% dos profissionais entrevistados responderam que seus clientes vão querer medidas adicionais de segurança nos projetos já em desenvolvimento. Nesse congresso de A chamada para a conferência e a pesquisa de tendênciasjaneiro, além dos novos conceitos construtivos, serão debatidas formas de integração dessas novas tendências com todo o ciclo de vida desses prédios.

Os arranha-céus surgiram nos EUA, no final do século XIX, como símbolo de uma sociedade altamente competitiva. O movimento capitaneado pela chamada Escola de Chicago – tendo como “pai dos arranha-céus” o arquiteto William Le Baron Jenney – estava na base do modernismo, como símbolo da internacionalização que cerca de cem anos depois se transformou em globalização. A pergunta agora é se os William Le Baron Jenneyescombros do WTC também marcam o fim desse movimento.

Cem anos antes, a humanidade queria atingir os céus. Neste novo milênio, seus engenhos percorrem os planetas, vários homens já pousaram na Lua, outros giram em órbita da Terra. As torres perderam sua principal razão de existir, pois o ser humano não só arranhou o céu como atravessou-o e seguiu muito além. Talvez - como o meteoro que acabou com os dinossauros - os aviões-bomba tenham decretado o fim da era dos arranha-céus. A reunião dos arquitetos em janeiro de 2002 pode colocar a pá de cal que faltava. Ou...

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio.