Desenvolvimento
Por quê tanta briga no porto?
Carlos Pimentel Mendes (*)
Privatização, regionalização...
todos querem um porto deficitário!
Em 1892,
o navio Nasmith inaugurava o primeiro trecho de cais do porto organizado
de Santos, então construído por uma empresa privada, a Companhia
Docas de Santos. Em 1980, terminada a concessão, o governo federal
assumiu o controle, criando uma companhia de capital misto, a Codesp. Que,
apesar do nome ser Companhia Docas do Estado de São Paulo e de prever
na sua constituição a presença do capital privado,
na prática era dirigida a partir de Brasília e o capital
privado era apenas o mínimo necessário para caracterizar
o status da empresa, ficando nas mãos de funcionários de
alto escalão do próprio governo. A famosa iniciativa privada
não tinha interesse em controlar o porto santista, então
superavitário.
Nas últimas duas décadas,
a empresa oscilou da euforia de grandes superávits à depressão
dos grandes déficits, curiosamente passando de um estado a outro
em períodos de menos de um ano – mais ou menos o mesmo tempo médio
de gestão de seus presidentes. Numa fase de enxugamento, chegou
a ser oferecida aos próprios funcionários (durante uma greve,
a proposta da direção era entregar suas principais instalações
de apoio, como oficinas de marcenaria, mecânica etc., a grupos de
funcionários, que passariam à condição de empresários)
– que recusaram!
Agora, quando se afasta das operações
portuárias, as oficinas que podiam construir locomotivas e guindastes
estão sem função, o quadro funcional foi reduzido
praticamente ao pessoal administrativo, e a função da Codesp
como autoridade portuária é dividida com o Conselho de Autoridade
Portuária (CAP), os mesmos grupos que davam as costas aos portos
– ao ponto de o ex-dirigente da Codesp, Sérgio da Costa Matte, dizer
que o Brasil é um país de costas para o mar, apesar de seu
imenso litoral -, agora se digladiam pelo controle da empresa. O lance
mais recente é a decisão de regionalizar a administração
portuária.
Mistério – Que mel
atrai tantas abelhas? Na mesma semana em que se anuncia a regionalização
do porto, uma revista noticiosa de circulação nacional -
da mesma editora que trouxe o norte-americano Pato Donald e seu malandro
amigo Zé Carioca (criado por Disney para estreitar as relações
EUA/Brasil) – destaca a tenebrosa comparação entre a movimentação
de cargas em Cingapura, Rotterdam e... adivinhem qual das dezenas de portos
nacionais? Adivinharam.... Santos!
Para um padrão 100 em Cingapura,
índice 60 em Rotterdam e “só” 40 no sucateado porto santista,
que – pasmem –, num país de mão-de-obra barata e desempregada,
tem a ousadia de não automatizar totalmente as operações,
como nos dois outros portos. Nenhuma menção ao fato de que
o valor por tonelada das cargas movimentadas nos dois outros portos citados
é bem superior ao das movimentadas por Santos, justificando os investimentos.
Nem que esses portos estrangeiros operam com navios de última geração,
que em certos casos nem conseguiriam entrar no porto santista devido a
problemas de calado (profundidade).
Explicação –
Na verdade, há muito mais em jogo. Não me atrevo a relacionar
a disputa com o fato de a movimentação de cargas por Santos
ser de alto interesse para o crime organizado. Leia-se: contrabando e narcotráfico.
Ninguém admite, mas há dados que, quando interrelacionados,
levam a conclusões assustadoras.
Por exemplo, quando se tentou montar
um aparato de vigilância com sistemas de visão noturna infravermelha,
e quando se denunciou ser Santos rota do narcotráfico, autoridades
federais imediatamente mandaram calar a boca. Questões de Estado.
Alguém foi afastado, um projeto foi abortado, ponto final. Aliás,
há uma lenda que conta que a bebida estrangeira servida nas festas
da capital tupiniquim passa por curiosos caminhos para lá chegar,
em perfeita segurança. Bem, são lendas, e mesmo todas juntas
não explicariam o grande interesse pelo porto. Descartemos o perigoso
tema, portanto, e procuremos em outro lugar.
Dizem que a sabedoria está
na simplicidade, então procuremos uma explicação mais
simples. Será que o interesse pelo porto é porque ele pode
ser a plataforma para uma série de oportunidades empresariais que
poderiam ser criadas, como ocorre em New York, onde a autoridade portuária
também administra aeroportos e outras instalações?
Será que o poder de decisão sobre uma tarifa portuária
significa também poder político para atrair generosas contribuições
empresariais a fundos de campanha eleitoral?
Complicado? Então busquemos
uma resposta mais simples ainda: talvez o objetivo seja fazer com que a
Codesp pare de financiar a instalação de portos concorrentes
em outros estados, e possa finalmente usar o capital arrecadado com seus
recordes seguidos de movimentação para pagar suas dívidas
e alavancar novas atividades na região metropolitana de Santos.
Êpa! Disse região metropolitana?
Mas, onde está na prática essa metrópole, em que cada
município age por conta própria, desvinculado de qualquer
interesse metropolitano? Em que a questão do transporte metropolitano
é tão ou mais postergada que a da destinação
do lixo metropolitano? Em que apenas interesses políticos estão
em jogo na escolha do aeroporto – friso mais uma vez – metropolitano? Em
que o porto metropolitano é criticado por um integrante dessa metrópole
– Praia Grande – que reclama de não participar da metropolização
do porto?
Mesmo os empresários, que
apesar do nome não aproveitaram a oportunidade em 1980, continuam
em briga interna. Querem um exemplo? Mais de uma centena de empresas tem
a condição de operador portuário. Meia dúzia
delas controla 90% da movimentação de cargas, em números
arredondados. Em qualquer votação, as pequenas ganham, o
que desagrada às grandes. Daí... aguardem os próximos
capítulos...
E os trabalhadores, que também
pressionam? Têm a oportunidade de formar um mega-sindicato e unir
forças, mas continuam brigando entre si, preferem 100% de nada a
1% de tudo. Têm a faca e o queijo na mão, no momento em que
o governo precisa de sustentação política e os empresários
não se entendem, mas continuam pensando com a cabeça no milênio
que terminou. Até Maquiavel já mandou seu recado uma vez,
nas páginas de um jornal de alcance nacional, e os trabalhadores
demoraram uma década para entender. Precisam de mais uma década
ainda para finalmente entrarem no jogo do poder do terceiro milênio?...
Mas, afinal, o que muda com a regionalização?
Embora sendo uma empresa, com obrigação de ser gerida de
forma eficiente e apresentar lucros como qualquer outra, sua gestão
continua sendo definida politicamente. Portanto, com metas políticas
a serem alcançadas – que podem até colidir com as metas econômicas,
como no passado recente em que o déficit de R$ 550 milhões
foi gerado, segundo acusa a atual gestão.
A propósito, só para
encerrar, vale recordar trecho da declaração do secretário
estadual dos transportes, Michael Zeitlin, em discurso durante a assinatura
(em 23/8/2001) do protocolo de intenções para a criação
da comissão mista que tratará da regionalização:
“A regionalização do porto só será conseguida
se as autoridades envolvidas se preocuparem mais com a comunidade do que
com os seus próprios interesses”. Mais explícito, impossível.
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
Milênio.
Os
passos da regionalização |
Equalizar
o ISS e o IPTU de Santos, Guarujá e Cubatão com vistas
às atividades portuárias; preservar o direito dos trabalhadores
portuários; e encontrar uma solução para o passivo
de R$ 510 milhões da Codesp (os ativos financeiros estão
estimados em R$ 311 milhões, referentes a débitos em carteira
contestados, débitos em carteira no Jurídico e débitos
em cobrança).
Estas são
as principais propostas dos prefeitos dos municípios portuários,
manifestadas na reunião realizada em 22/8/2001, em Cubatão.
O encontro teve a presença dos prefeitos Clermont Silveira Castor,
de Cubatão, e Maurici Mariano, de Guarujá, do representante
do prefeito de Santos, José Manuel; dos presidentes das Câmaras
de Cubatão, Guarujá e Santos, respectivamente vereadores
Sebastião Carlos Henriques da Silva, Wanderley Maduro dos Reis e
Jama. Os trabalhadores foram representados por membros da Intersindical
e da Sindaport. E os empresários, por diretores das Associações
Comerciais de Santos, Guarujá e Cubatão.
Elas são
fruto da primeira reunião do grupo, ocorrida no dia 8/8/2001, em
Santos, que conta com informações de Sérgio da Costa
Matte, ex-presidente da Codesp e atual assessor da Associação
Comercial de Santos (ACS).
No dia 23/8/2001,
em São Paulo, os prefeitos de Santos, Guarujá e Cubatão
assinaram o protocolo de intenções, criando o grupo de trabalho
que viabilizará para a transferência do controle da administração
portuária da União para o Estado e Municípios da região.
Além
de 11 membros, representantes dos governos federal, estadual e dos três
municípios, a comissão contará com a participação
de dois trabalhadores indicados pela Intersindical Portuária: Vanderlei
José da Silva, pelos Avulsos, e Erandi Cirino pelos trabalhadores
vinculados à Codesp.
No dia 28/8/2001,
em Cubatão, técnicos das secretarias municipais de Finanças
se reuniram para iniciar estudos das Plantas Genéricas de Valores
das três cidades, para a elaboração de uma proposta
de equalização que não implique perda de receita,
o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. |
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