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Edição 099 - AGO/2001

Desenvolvimento

Por quê tanta briga no porto?

Carlos Pimentel Mendes (*)

Privatização, regionalização... todos querem um porto deficitário!

Em 1892, o navio Nasmith inaugurava o primeiro trecho de cais do porto organizado de Santos, então construído por uma empresa privada, a Companhia Docas de Santos. Em 1980, terminada a concessão, o governo federal assumiu o controle, criando uma companhia de capital misto, a Codesp. Que, apesar do nome ser Companhia Docas do Estado de São Paulo e de prever na sua constituição a presença do capital privado, na prática era dirigida a partir de Brasília e o capital privado era apenas o mínimo necessário para caracterizar o status da empresa, ficando nas mãos de funcionários de alto escalão do próprio governo. A famosa iniciativa privada não tinha interesse em controlar o porto santista, então superavitário.

Nas últimas duas décadas, a empresa oscilou da euforia de grandes superávits à depressão dos grandes déficits, curiosamente passando de um estado a outro em períodos de menos de um ano – mais ou menos o mesmo tempo médio de gestão de seus presidentes. Numa fase de enxugamento, chegou a ser oferecida aos próprios funcionários (durante uma greve, a proposta da direção era entregar suas principais instalações de apoio, como oficinas de marcenaria, mecânica etc., a grupos de funcionários, que passariam à condição de empresários) – que recusaram!

Agora, quando se afasta das operações portuárias, as oficinas que podiam construir locomotivas e guindastes estão sem função, o quadro funcional foi reduzido praticamente ao pessoal administrativo, e a função da Codesp como autoridade portuária é dividida com o Conselho de Autoridade Portuária (CAP), os mesmos grupos que davam as costas aos portos – ao ponto de o ex-dirigente da Codesp, Sérgio da Costa Matte, dizer que o Brasil é um país de costas para o mar, apesar de seu imenso litoral -, agora se digladiam pelo controle da empresa. O lance mais recente é a decisão de regionalizar a administração portuária.

Mistério – Que mel atrai tantas abelhas? Na mesma semana em que se anuncia a regionalização do porto, uma revista noticiosa de circulação nacional - da mesma editora que trouxe o norte-americano Pato Donald e seu malandro amigo Zé Carioca (criado por Disney para estreitar as relações EUA/Brasil) – destaca a tenebrosa comparação entre a movimentação de cargas em Cingapura, Rotterdam e... adivinhem qual das dezenas de portos nacionais? Adivinharam.... Santos!

Para um padrão 100 em Cingapura, índice 60 em Rotterdam e “só” 40 no sucateado porto santista, que – pasmem –, num país de mão-de-obra barata e desempregada, tem a ousadia de não automatizar totalmente as operações, como nos dois outros portos. Nenhuma menção ao fato de que o valor por tonelada das cargas movimentadas nos dois outros portos citados é bem superior ao das movimentadas por Santos, justificando os investimentos. Nem que esses portos estrangeiros operam com navios de última geração, que em certos casos nem conseguiriam entrar no porto santista devido a problemas de calado (profundidade).

Explicação – Na verdade, há muito mais em jogo. Não me atrevo a relacionar a disputa com o fato de a movimentação de cargas por Santos ser de alto interesse para o crime organizado. Leia-se: contrabando e narcotráfico. Ninguém admite, mas há dados que, quando interrelacionados, levam a conclusões assustadoras. 

Por exemplo, quando se tentou montar um aparato de vigilância com sistemas de visão noturna infravermelha, e quando se denunciou ser Santos rota do narcotráfico, autoridades federais imediatamente mandaram calar a boca. Questões de Estado. Alguém foi afastado, um projeto foi abortado, ponto final. Aliás, há uma lenda que conta que a bebida estrangeira servida nas festas da capital tupiniquim passa por curiosos caminhos para lá chegar, em perfeita segurança. Bem, são lendas, e mesmo todas juntas não explicariam o grande interesse pelo porto. Descartemos o perigoso tema, portanto, e procuremos em outro lugar.

Dizem que a sabedoria está na simplicidade, então procuremos uma explicação mais simples. Será que o interesse pelo porto é porque ele pode ser a plataforma para uma série de oportunidades empresariais que poderiam ser criadas, como ocorre em New York, onde a autoridade portuária também administra aeroportos e outras instalações? Será que o poder de decisão sobre uma tarifa portuária significa também poder político para atrair generosas contribuições empresariais a fundos de campanha eleitoral?

Complicado? Então busquemos uma resposta mais simples ainda: talvez o objetivo seja fazer com que a Codesp pare de financiar a instalação de portos concorrentes em outros estados, e possa finalmente usar o capital arrecadado com seus recordes seguidos de movimentação para pagar suas dívidas e alavancar novas atividades na região metropolitana de Santos.

Êpa! Disse região metropolitana? Mas, onde está na prática essa metrópole, em que cada município age por conta própria, desvinculado de qualquer interesse metropolitano? Em que a questão do transporte metropolitano é tão ou mais postergada que a da destinação do lixo metropolitano? Em que apenas interesses políticos estão em jogo na escolha do aeroporto – friso mais uma vez – metropolitano? Em que o porto metropolitano é criticado por um integrante dessa metrópole – Praia Grande – que reclama de não participar da metropolização do porto?

Mesmo os empresários, que apesar do nome não aproveitaram a oportunidade em 1980, continuam em briga interna. Querem um exemplo? Mais de uma centena de empresas tem a condição de operador portuário. Meia dúzia delas controla 90% da movimentação de cargas, em números arredondados. Em qualquer votação, as pequenas ganham, o que desagrada às grandes. Daí... aguardem os próximos capítulos... 

E os trabalhadores, que também pressionam? Têm a oportunidade de formar um mega-sindicato e unir forças, mas continuam brigando entre si, preferem 100% de nada a 1% de tudo. Têm a faca e o queijo na mão, no momento em que o governo precisa de sustentação política e os empresários não se entendem, mas continuam pensando com a cabeça no milênio que terminou. Até Maquiavel já mandou seu recado uma vez, nas páginas de um jornal de alcance nacional, e os trabalhadores demoraram uma década para entender. Precisam de mais uma década ainda para finalmente entrarem no jogo do poder do terceiro milênio?...

Mas, afinal, o que muda com a regionalização? Embora sendo uma empresa, com obrigação de ser gerida de forma eficiente e apresentar lucros como qualquer outra, sua gestão continua sendo definida politicamente. Portanto, com metas políticas a serem alcançadas – que podem até colidir com as metas econômicas, como no passado recente em que o déficit de R$ 550 milhões foi gerado, segundo acusa a atual gestão. 

A propósito, só para encerrar, vale recordar trecho da declaração do secretário estadual dos transportes, Michael Zeitlin, em discurso durante a assinatura (em 23/8/2001) do protocolo de intenções para a criação da comissão mista que tratará da regionalização: “A regionalização do porto só será conseguida se as autoridades envolvidas se preocuparem mais com a comunidade do que com os seus próprios interesses”. Mais explícito, impossível.

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Encontro reuniu prefeitos, empresários e trabalhadores
Os passos da regionalização
Equalizar o ISS e o IPTU de  Santos, Guarujá e Cubatão com vistas às atividades portuárias; preservar o direito dos trabalhadores portuários; e encontrar uma solução para o passivo de R$ 510 milhões da Codesp (os ativos financeiros estão estimados em R$ 311 milhões, referentes a débitos em carteira contestados, débitos em carteira no Jurídico e débitos em cobrança). 

Estas são as principais propostas dos prefeitos dos municípios portuários, manifestadas na reunião realizada em 22/8/2001, em Cubatão. O encontro teve a presença dos prefeitos Clermont Silveira Castor, de Cubatão, e Maurici Mariano, de Guarujá, do representante do prefeito de Santos, José Manuel; dos presidentes das Câmaras de Cubatão, Guarujá e Santos, respectivamente vereadores Sebastião Carlos Henriques da Silva, Wanderley Maduro dos Reis e Jama. Os trabalhadores foram representados por membros da Intersindical e da Sindaport. E os empresários, por diretores das Associações Comerciais de Santos, Guarujá e Cubatão.

Elas são fruto da primeira reunião do grupo, ocorrida no dia 8/8/2001, em Santos, que conta com informações de Sérgio da Costa Matte, ex-presidente da Codesp e atual assessor da Associação Comercial de Santos (ACS).

No dia 23/8/2001, em São Paulo, os prefeitos de Santos, Guarujá e Cubatão assinaram o protocolo de intenções, criando o grupo de trabalho que viabilizará para a transferência do controle da administração portuária da União para o Estado e Municípios da região.

Além de 11 membros, representantes dos governos federal, estadual e dos três municípios, a comissão contará com a participação de dois trabalhadores indicados pela Intersindical Portuária: Vanderlei José da Silva, pelos Avulsos, e Erandi Cirino pelos trabalhadores vinculados à Codesp. 

No dia 28/8/2001, em Cubatão, técnicos das secretarias municipais de Finanças se reuniram para iniciar estudos das Plantas Genéricas de Valores das três cidades, para a elaboração de uma proposta de equalização que não implique perda de receita, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Encontro reuniu prefeitos, empresários e trabalhadores