Engenharia
Construções modernas
ignoram
técnicas milenares de climatização
Humanos sobrevivem em climas
extremos, mas precisam de aparelhos para viver em Santos...
Carlos Pimentel Mendes (*)
Logo depois
de nosso (des)governo anunciar, com uma década de atraso, que enfrentamos
grave crise de energia elétrica, passava pelas avenidas da orla
marítima santista, quando, entre um prédio inclinado e outro,
notei algo que me chamou a atenção: os modernos prédios
são todos construídos com um buraco semi-tapado na parede
de cada dependência, destinado à instalação
de um aparelho condicionador de ar.
Comecei a lembrar, pelas descrições
dos avós, pelo que aprendi em livros e filmes, de como povos mais
antigos se viravam para não morrerem assados em suas casas, em épocas
em que não havia eletricidade, muito menos geladeiras, ventiladores
e os tais aparelhos de ar condicionado.
Lembrei dos árabes, com suas
casas no meio do deserto, sem janelas externas para evitar a entrada de
poeira e areia, mas com um belo jardim interno, capaz de amenizar o ambiente.
A propósito, para o árabe a roupa é uma segunda casa.
Com um
frio de 50 graus centígrados (a temperatura média é
55 a 60 graus), eles usam um traje que cobre o corpo inteiro. Insensatez?
Não, é que tal roupa, além de proteger da poeira,
evita que o corpo se desidrate, reduzindo além disso a temperatura
corporal – mais do que se a pessoa usasse trajes sumários.
Não por acaso, as roupas árabes
são claras. Como as casas encontradas em toda a Grécia, que
refletem a luminosidade e o calor. Nos dois lados do estreito do Bósforo,
as diversas civilizações não precisaram aprender Física
para saber que cores claras absorvem menos o calor do que as tonalidades
escuras. Na outra ponta da Europa, em Portugal, são célebres
também as casas caiadas de branco.
Lembrei das casas da hispânica
Andaluzia, que aproveitaram a influência moura e mantiveram a idéia
do jardim interno, acrescentando as famosas varandas internas e externas,
já que nessa terra não havia o risco de uma daquelas tempestades
de areia.
Lembrei duplamente dos filmes de
faroeste: pelas haciendas do interior mexicano, em que o amplo telhado,
indo bem além das paredes da casa, garantia uma confortável
sombra em seu interior; e pelas cidades em que o caubói, antes do
próximo tiroteio, seguia do salão do bar com sua meia-porta
dupla até a delegacia por amplo corredor coberto que ligava as casas
(embora, se a cidade pegasse fogo, não sobraria uma parede do cenário
para contar a história, com todo aquele madeirame ligando as casas...
Índio por índio, lembrei
que os índios brasileiros compartilham com a civilização
japonesa o segredo de construir casas confortáveis com materiais
leves, como o bambu. Com ou sem tatame, pelo menos mais confortáveis
que certas habitações santistas em dias de calor e apagão...
Lembrei mais, de cidades que visitei,
como Cartagena de las Índias, La Paz, Iquique, a argentina Córdoba,
com suas casas em estilo colonial, também ligadas por corredores,
mas agora feitas em pedra e tijolos. E, completando o passeio mental, recordei
as casas senhoriais que vi, em fazendas no interior paulista, com a chamada
“bandeira” sobre as portas – uma pequena janela que poderia ser aberta
para melhorar a ventilação.
E pensei: com toda a evolução
humana, desaprendemos a arte de construir habitações? Por
quê se torna condição sine qua non que um prédio
com dez andares, oito apartamentos por andar, tenha de contar com local
para a instalação de pelo menos 240 condicionadores de ar,
à média de três por apartamento? Isso é tecnologia
construtiva?
Opções – Em tempos
de apagão, ou mesmo que a energia disponível fosse
ilimitada – ao ponto de o governo estimular a substituição
por eletricidade de equipamentos que
usavam fontes alternativas de energia - vale a pena repensar questões
como essa. Na posição de leigo, mesmo, identifico várias
ações que os construtores poderiam adotar, usando apenas
o que já se conhece. Se o grande problema é o calor, por
quê fazer construções abafadas, com as aberturas vedadas
por vidros, fazendo com que os habitantes se sintam como plantas numa estufa?
Algumas construções
escolares, aqui mesmo na Baixada Santista, usam um truque simples de refrigeração:
uma abertura ao longo de toda a parede, junto ao teto, e outra próxima
ao chão, permitindo a formação de uma correnteza de
ar que refresca o
ambiente. Outra possibilidade é o emprego de materiais que formem
um colchão de ar no interior das paredes, complementado por truques
de espelhamento que reflitam o calor, impedindo assim que o calor externo
se transmita totalmente ao lado interno da parede – a inversão do
princípio da garrafa térmica.
Quem já estudou o funcionamento
de uma chaminé poderia aplicar outro princípio de ventilação.
Quando o vento sopra no topo de um tubo vertical, cria um vácuo
no tubo que atrai o ar nele contido. É assim que a fumaça
da chaminé é aspirada para o alto, em vez de se espalhar
pela sala. Agora, tiremos o fogo, pensemos apenas no tubo em si. Não
é a base de um poderoso sistema de ventilação? Pois
é, a tecnologia é conhecida desde os tempos medievais. Com
um refinamento, em alguns lugares: como num narguilé turco, o ar
pode ser levado a passar por dentro de um poço com água do
subsolo, gelada por estar protegida do sol, e assim resfriar e manter o
teor ideal de umidade na habitação. Os palestinos não
cobram direitos autorais pelo uso de tal idéia.
Cá e lá – Nos
chamados países frios, em que o combustível para aquecimento
das casas nos rigorosos invernos é caro e, mesmo assim, pode faltar
ao sabor de uma crise internacional de petróleo, as construções
são pensadas de forma a aproveitar ao máximo o calor. Do
tijolo da parede ao vidro da janela, os materiais construtivos são
escolhidos com base em seu coeficiente térmico – algo parecido com
o que os brasileiros estão começando a considerar, na compra
de uma geladeira ou de um chuveiro elétrico.
Em recente matéria na revista
Veja,
o articulista Cláudio de Moura Castro segue a mesma linha de raciocínio,
para lembrar: “E os telhados? Pergunte a um engenheiro civil qual o coeficiente
térmico do último telhado que construiu. Poderá responder?
Quantos construtores alternam superfícies de alta absortância
com superfícies de alta refletância? Luis Schmutzler, da Unicamp,
mostrou que, adicionando uma camada feita com embalagens descartadas de
leite longa vida, há redução de 9 graus na temperatura
do ambiente interno”.
Sem apelar para tecnicismos, um esquimó
recorta blocos de gelo para construir sua casa, o iglu, que apesar do material
utilizado é um excelente abrigo para o frio das quase eternas noites
boreais. Esse exemplo extremo e oposto deveria fazer nossos construtores
refletirem um pouco: se o ser humano consegue se adaptar e até viver
com grande conforto nos mais diversos ambientes do mundo, por quê
num ambiente médio como o nosso precisa de centenas de condicionadores
de ar para sobreviver e corre o risco de ter de manter essa montanha de
equipamentos desligada, a cada vez que nossos governantes desligarem o
interruptor de nossas hidrelétricas?
(*) Carlos
Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico
Novo
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