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Edição 097 - JUN/2001 

Engenharia

Construções modernas ignoram 
técnicas milenares de climatização 

Humanos sobrevivem em climas extremos, mas precisam de aparelhos para viver em Santos...

Carlos Pimentel Mendes (*)

Logo depois de nosso (des)governo anunciar, com uma década de atraso, que enfrentamos grave crise de energia elétrica, passava pelas avenidas da orla marítima santista, quando, entre um prédio inclinado e outro, notei algo que me chamou a atenção: os modernos prédios são todos construídos com um buraco semi-tapado na parede de cada dependência, destinado à instalação de um aparelho condicionador de ar.

Comecei a lembrar, pelas descrições dos avós, pelo que aprendi em livros e filmes, de como povos mais antigos se viravam para não morrerem assados em suas casas, em épocas em que não havia eletricidade, muito menos geladeiras, ventiladores e os tais aparelhos de ar condicionado.
 

Casa grega, geralmente caiada de branco, no Monte Pélion Interior de uma casa grega: à venda por US$ 260 mil, no Monte Pélion

Lembrei dos árabes, com suas casas no meio do deserto, sem janelas externas para evitar a entrada de poeira e areia, mas com um belo jardim interno, capaz de amenizar o ambiente. A propósito, para o árabe a roupa é uma segunda casa. Com Casa grega no MOnte Pélionum frio de 50 graus centígrados (a temperatura média é 55 a 60 graus), eles usam um traje que cobre o corpo inteiro. Insensatez? Não, é que tal roupa, além de proteger da poeira, evita que o corpo se desidrate, reduzindo além disso a temperatura corporal – mais do que se a pessoa usasse trajes sumários.

Não por acaso, as roupas árabes são claras. Como as casas encontradas em toda a Grécia, que refletem a luminosidade e o calor. Nos dois lados do estreito do Bósforo, as diversas civilizações não precisaram aprender Física para saber que cores claras absorvem menos o calor do que as tonalidades escuras. Na outra ponta da Europa, em Portugal, são célebres também as casas caiadas de branco.

Lembrei das casas da hispânica Andaluzia, que aproveitaram a influência moura e mantiveram a idéia do jardim interno, acrescentando as famosas varandas internas e Casa na região de Andaluzia, na Espanhaexternas, já que nessa terra não havia o risco de uma daquelas tempestades de areia.

Lembrei duplamente dos filmes de faroeste: pelas haciendas do interior mexicano, em que o amplo telhado, indo bem além das paredes da casa, garantia uma confortável sombra em seu interior; e pelas cidades em que o caubói, antes do próximo tiroteio, seguia do salão do bar com sua meia-porta dupla até a delegacia por amplo corredor coberto que ligava as casas (embora, se a cidade pegasse fogo, não sobraria uma parede do cenário para contar a história, com todo aquele madeirame ligando as casas...

Índio por índio, lembrei que os índios brasileiros compartilham com a civilização japonesa o segredo de construir casas confortáveis com materiais leves, como o bambu. Com ou sem tatame, pelo menos mais confortáveis que certas habitações santistas em dias de calor e apagão...

Lembrei mais, de cidades que visitei, como Cartagena de las Índias, La Paz, Iquique, a argentina Córdoba, com suas casas em estilo colonial, também ligadas por corredores, mas agora feitas em pedra e tijolos. E, completando o passeio mental, recordei as casas senhoriais que vi, em fazendas no interior paulista, com a chamada “bandeira” sobre as portas – uma pequena janela que poderia ser aberta para melhorar a ventilação. 

Casa em Andaluzia, na Espanha
E pensei: com toda a evolução humana, desaprendemos a arte de construir habitações? Por quê se torna condição sine qua non que um prédio com dez andares, oito apartamentos por andar, tenha de contar com local para a instalação de pelo menos 240 condicionadores de ar, à média de três por apartamento? Isso é tecnologia construtiva?
Casario árabe restaurado na Espanha
Opções – Em tempos de apagão, ou mesmo que a energia disponível fosse ilimitada – ao ponto de o governo estimular a substituição por eletricidade de equipamentos Hacienda, no Texasque usavam fontes alternativas de energia - vale a pena repensar questões como essa. Na posição de leigo, mesmo, identifico várias ações que os construtores poderiam adotar, usando apenas o que já se conhece. Se o grande problema é o calor, por quê fazer construções abafadas, com as aberturas vedadas por vidros, fazendo com que os habitantes se sintam como plantas numa estufa?

Algumas construções escolares, aqui mesmo na Baixada Santista, usam um truque simples de refrigeração: uma abertura ao longo de toda a parede, junto ao teto, e outra próxima ao chão, permitindo a formação de uma correnteza de ar que refresca Lareira em casa grega: o mesmo princípio do escoamento da fumaça pode ser usado para a ventilação da casao ambiente. Outra possibilidade é o emprego de materiais que formem um colchão de ar no interior das paredes, complementado por truques de espelhamento que reflitam o calor, impedindo assim que o calor externo se transmita totalmente ao lado interno da parede – a inversão do princípio da garrafa térmica.

Quem já estudou o funcionamento de uma chaminé poderia aplicar outro princípio de ventilação. Quando o vento sopra no topo de um tubo vertical, cria um vácuo no tubo que atrai o ar nele contido. É assim que a fumaça da chaminé é aspirada para o alto, em vez de se espalhar pela sala. Agora, tiremos o fogo, pensemos apenas no tubo em si. Não é a base de um poderoso sistema de ventilação? Pois é, a tecnologia é conhecida desde os tempos medievais. Com um refinamento, em alguns lugares: como num narguilé turco, o ar pode ser levado a passar por dentro de um poço com água do subsolo, gelada por estar protegida do sol, e assim resfriar e manter o teor ideal de umidade na habitação. Os palestinos não cobram direitos autorais pelo uso de tal idéia. 
 

Maquete de uma 'hacienda' texana Maquete de uma 'hacienda' texana

Cá e lá – Nos chamados países frios, em que o combustível para aquecimento das casas nos rigorosos invernos é caro e, mesmo assim, pode faltar ao sabor de uma crise internacional de petróleo, as construções são pensadas de forma a aproveitar ao máximo o calor. Do tijolo da parede ao vidro da janela, os materiais construtivos são escolhidos com base em seu coeficiente térmico – algo parecido com o que os brasileiros estão começando a considerar, na compra de uma geladeira ou de um chuveiro elétrico.

Em recente matéria na revista Veja, o articulista Cláudio de Moura Castro segue a mesma linha de raciocínio, para lembrar: “E os telhados? Pergunte a um engenheiro civil qual o coeficiente térmico do último telhado que construiu. Poderá responder? Quantos construtores alternam superfícies de alta absortância com superfícies de alta refletância? Luis Schmutzler, da Unicamp, mostrou que, adicionando uma camada feita com embalagens descartadas de leite longa vida, há redução de 9 graus na temperatura do ambiente interno”.

Hacienda, no Texas (EUA)
Sem apelar para tecnicismos, um esquimó recorta blocos de gelo para construir sua casa, o iglu, que apesar do material utilizado é um excelente abrigo para o frio das quase eternas noites boreais. Esse exemplo extremo e oposto deveria fazer nossos construtores refletirem um pouco: se o ser humano consegue se adaptar e até viver com grande conforto nos mais diversos ambientes do mundo, por quê num ambiente médio como o nosso precisa de centenas de condicionadores de ar para sobreviver e corre o risco de ter de manter essa montanha de equipamentos desligada, a cada vez que nossos governantes desligarem o interruptor de nossas hidrelétricas?

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio.