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Edição 096 - MAI/2001 

Energia

Governo sabe o que fazer?

Carlos Pimentel Mendes (*)

Quanto pior, melhor. Parece lema de certos grupos políticos da esquerda mais radical, mas não: é como nos encontramos em relação às crises de energia e água. Água? Sim, talvez você não saiba, mas é a próxima crise deste governo imprevidente, que teve anos de sobra para resolver os problemas do setor elétrico e nada fez, agora vem dizer ao mundo que foi surpreendido pela gravidade da crise. Se fosse diretor de empresa, estava demitido, mas... essa é outra estória, a população vai ter de esperar 2002. 

Hidrelétrica de Itaipu: falta d'água, imprevisão e incompetência
Quanto pior, melhor, no caso da energia elétrica. Vejamos a razão: se você economiza eletricidade, a distribuidora de energia deixa de lucrar, então corre ao governo e pede aumento nos preços, e o governo concede o aumento com base na planilha de custos que a empresa apresenta. Resultado: você paga mais caro por consumo menor, a rede distribuidora de energia continua com seu lucro sem precisar investir. Fato mais significativo: ante o plano atual de racionamento, quem já faz voluntariamente o máximo de economia vai ser punido por não ter mais o que cortar. Receberá multas, terá a energia cortada mesmo pagando a conta. Já o esbanjador, não.

Quanto pior, melhor, também no caso da água. Todos sabemos que está difícil captar água potável, para atender à demanda crescente. Compremos água em garrafões, por não podermos confiar na tal água potável que chega pelas torneiras (padrão mundial no reservatório, mas depois de passar por aqueles encanamentos, heim?) Economizemos água. Neste caso, o prejuízo da distribuidora é dobrado. Vejamos: a cobrança da taxa de esgoto é feita normalmente dobrando-se o valor da água consumida. Cada litro economizado, vale por dois litros cobrados a menos. Daí, voltemos ao exemplo da eletricidade citado acima.

A construção civil tem, pelo menos em Santos, mais um dilema. Uma das formas de economizar água, que deveria ser incentivada e não punida, é retirar água do solo (basta cavar um metro e já encontramos o líquido em abundância) e usá-la para os serviços de limpeza dos prédios e descargas sanitárias. 

Na verdade, consta que diversos prédios de hotelaria e escolas já possuem tais instalações, mesmo ao arrepio da lei. Com o detalhe: como a água do subsolo é ferrosa, passa por tratamento básico antes de ser levada aos encanamentos do prédio. Para evitar problemas com a concessionária de água e saneamento, o padrão adotado é usar 20% de água da concessionária (para o consumo humano) e 80% proveniente do subsolo. A conta cai bastante, no final do mês. Agora, a pergunta: por que a lei não é ajustada para incentivar, em vez de punir tal procedimento? A propósito, ainda não existe lei para disciplinar o uso da água, como nos casos abusivos em que máquinas de lavagem por jato pressurizado são usadas no lugar de vassouras. Com a palavra os Poderes Públicos...

Sempre o lema – O Brasil – do Amazonas a Foz do Iguaçu, passando por 8 mil km de litoral, diversos outros rios importantes, o Pantanal sempre alagado – é visto como o país das águas abundantes. Como pode faltar água e, por via de Energia eólica: alternativa viável no Nordeste do Brasilconseqüência, energia elétrica gerada hidraulicamente? Pois é, chama-se a isso imprevisão e incompetência. Único surpreso nessa história absurda, o governo só pensa em apagões, criando até o neologismo para isso. Existem muitas outras alternativas que não precisariam comprometer o próprio crescimento do País e alarmar a população.

Por exemplo: toda represa precisa ter vazão mínima de 12% da correnteza normal do rio, de forma permanente. Isso significa que durante a madrugada, mesmo com o consumo de eletricidade reduzido ao mínimo, a água tem de continuar correndo, perdendo-se o aproveitamento de seu potencial de geração de eletricidade. Bastaria que as indústrias fossem incentivadas a transferir suas atividades consumidoras de energia para o período noturno, para equilibrar oferta e demanda, aproveitando-se todo o potencial de geração elétrica das usinas, sem sacrificar a população, as indústrias ou o orçamento público.

Além disso, a indústria – que chega a ameaçar o governo de fechar as fábricas nacionais e se instalar em outros países – poderia ser incentivada (mediante multas, pois subsídios já tem e não são poucos) a instalar sistemas que recuperem energia reativa e motores síncronos, por exemplo. Afinal, mais de 43% da energia elétrica nacional é consumida por esse setor de atividades. De acordo com Eduardo Moreno, da Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia (Abesco), “se as indústrias poupassem 10% da energia que consomem, equivaleria a investimentos de R$ 140 milhões anualmente em geração e transmissão. É como se criasse uma usina virtual a cada ano”. Detalhe: a indústria aumentou o consumo de energia elétrica (fortemente subsidiada), até em função do crescimento econômico, enquanto a população, com o arrocho salarial, reduziu esse consumo (menos 4 kWh/pessoa de janeiro a setembro de 1999), segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O mesmo dono de padaria que corre a aumentar o preço do pão pensando nas multas sobre seus fornos elétricos pode melhorar o balanceamento de cargas no uso de rede trifásica. Só isso daria uma economia de uns 6% na conta de eletricidade, o que lhe permitiria visitar Portugal todo semestre... Donos de hotéis, idem...

Estranhamente, ao privatizar a distribuição de energia elétrica, o governo “esqueceu” de incluir cláusulas que obrigassem as empresas a investir no negócio a parcela da conta que pagamos todo mês destinada a tais investimentos. Por contrato, os ganhos de produtividade das empresas privatizadas não podem ser repassados ao consumidor, denunciam os técnicos em eletricidade. Uma investigação simples sobre o destino desse dinheiro permitiria a rápida instalação de sistemas de transmissão, pois o problema nacional não é falta de eletricidade, mas formas de transportá-la aos centros urbanos e industriais. Eletricidade sobra ao Norte e ao Sul, o problema é a região Sudeste.

Países norte-americanos, europeus e asiáticos usam outra solução: as pump storage plants, instalações de rebombeamento de água para as represas. Funciona assim: a água que venceu o desnível do rio e gerou energia fica em uma segunda represa, abaixo da hidrelétrica. Durante a noite, quando o consumo elétrico é menor, o excedente elétrico é usado para rebombear a água para a represa superior, restabelecendo a cota ideal de água. Além disso, a represa inferior permite manter a vazão mínima sem que seja preciso abrir as comportas da represa superior. As viajadas autoridades nacionais nunca viram algo semelhante...

Coletor de energia solar: em exposição no hall do Palácio do Planalto. Foto: Victor Soares/ABr
Sem alternativa – Poderíamos desenvolver amplo leque de captação de energias alternativas; novamente, porém, caímos na questão do quanto pior, melhor. Técnicos do setor elétrico denunciam: o dinheiro investido na hidrelétrica de Porto Primavera daria para instalar um parque de captação de energia eólica de grande capacidade. Uma das razões de isso não acontecer é que as concessionárias de energia elétrica perderiam grande número de consumidores para o sistema alternativo. Quanto pior, melhor... 

A Universidade Federal de Pernambuco é um dos lugares do Brasil que estuda o aperfeiçoamento dos coletores de energia solar, com significativo aumento de eficiência e redução no custo. Algum investimento governamental no setor, bem como um plano de produção desses equipamentos em larga escala, não só agregaria postos de trabalho e fomentaria os negócios no mercado interno, como reduziria nossas necessidades energéticas. Cabe perguntar por quê realmente isso não é feito.

Tivemos uma elogiada técnica de obtenção de combustível da cana-de-açúcar. O ProÁlcool, desacreditado pelas pressões contrárias e pela falta de firmeza do governo na condução do projeto, é agora estudado nos Estados Unidos. O plano foi criado na mesma época em que se incentivava as indústrias a transformar equipamentos consumidores de diesel em aparelhagens elétricas. Hoje, quem estuda o ProÁlcool é o governo dos Estados Unidos. Detalhe: além da economia de petróleo e divisas que ele proporcionaria, existem cálculos de que cerca de 10% da energia necessária hoje no Brasil poderia resultar da queima do bagaço de cana...

O problema do lixo aumenta a cada dia nas grandes metrópoles. Porém, é possível extrair energia de biomassa, como já ocorre em outros países. Alguns também contam com usinas de eletricidade obtida pelo movimento das marés (o Brasil tem mais de 8 mil km de litoral). 

Não é preciso sequer recorrer à energia nuclear ou, como o Japão, projetar sistemas que recolham no espaço a energia proveniente do Sol. Existem muitas outras alternativas. Mesmo algumas bem mais simples, como exigir dos fabricantes o aperfeiçoamento dos aparelhos elétricos, para que sejam mais eficientes e não desperdicem eletricidade, já reduziriam consideravelmente o problema energético nacional. Ou um manual de instruções para os consumidores, lembrando por exemplo que o subdimensionamento da fiação elétrica eleva o consumo de energia, além de trazer riscos de incêndio... 

Parece que só o governo não sabe o que fazer. Ou não quer.

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio.

Veja mais:
Relatório NM sobre água e energia