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Edição 093 - FEV/2001 

Habitação

Só o dilúvio resolve?

Nem Noé conseguiria reconstruir a Arca no Brasil atual

Carlos Pimentel Mendes (*)

Conta uma piada que circula pela Internet: se Deus ordenasse a Noé a reconstrução de sua famosa arca, ante um iminente segundo Dilúvio Universal, todos correriam o risco de se afogar. Noé não poderia cortar a madeira, pois as áreas de preservação ambiental não podem ser alteradas; não poderia embarcar os casais de animais devido à legislação que protege a fauna; nem poderia citar o dilúvio previsto, pois teria de apresentar um relatório de impacto ambiental sobre as intenções divinas de alagar o mundo. Mas, Deus compreendeu as razões de Noé e cancelou o novo dilúvio: não seria necessária uma nova calamidade, já bastava o cipoal de leis que impede a execução de qualquer coisa no Brasil.
Hoje, áreas de mangue são ocupadas por barracos, que continuam a proliferar sem qualquer infra-estrutura
Exageros à parte, afinal se trata de uma piada, o fato é que o “cinturão dos excluídos” cada vez mais ameaça as cidades: é a favelização que avança, indiferente à legislação ambiental, ao planejamento urbano, até mesmo aos riscos de desabamentos e incêndios que surgem pela ocupação desordenada das encostas dos morros, pela proximidade excessiva entre as casas de madeira. Nesse ponto da questão, nem vale mais mencionar os problemas de degradação humana e ambiental, doenças e marginalidade.

Terra da Caridade e da Liberdade, nem mesmo esse lema inscrito em latim tem impedido as pessoas menos favorecidas de compreender que, por pior que seja sua condição pessoal de vida, em Santos terão mais oportunidades de sobreviver. Conseqüência imediata: as correntes migratórias que deságuam na capital paulista logo tomam o rumo serra abaixo. Afinal, o povo santista é benemerente, o clima é bom, as praias sempre servem para um banho e como diversão... e, tão perto do maior pólo econômico brasileiro (a capital paulista), de parques industriais e portos, sempre há de aparecer algum trabalho...

Sem espaço – Começam por aí as dores de cabeça dos planejadores urbanos na Baixada Santista. Onde instalar essa população que chega? A maior parte das áreas não habitadas é constituída por mangues, preservados pela legislação ambiental. Que fique claro: nada contra a preservação ambiental, muito pelo contrário. Ela porém não pode ficar desacompanhada de outras medidas relacionadas à preservação humana e de suas condições de vida.  Bem, sem áreas livres nos limites dos municípios, restam as áreas urbanas, supervalorizadas pelo crescimento vertical das cidades, o que inviabiliza a construção de unidades habitacionais de baixo custo.

Sim, existem projetos excelentes sendo testados Brasil afora, em que o mutirão de operários reduz praticamente a zero o custo de mão-de-obra, o uso de materiais de construção inovadores permite construir as casas a custos mínimos. O problema é o custo da terra, por si só inviabilizadora dos projetos sociais. Ainda mais quando os sistemas financeiros oficiais, que deveriam apoiar a realização de projetos habitacionais para a população de baixa renda, acabam servindo apenas como fonte de dinheiro barato para pessoas de classe média-alta financiarem suas moradas de luxo.

Assim, sem solução na esfera municipal ou metropolitana, o problema da habitação precisaria ser tratado em níveis superiores do Executivo e do Legislativo. E de forma urgente, pois a cada ano se agrava, com o aumento das favelas, do número de casebres praticamente pendurados nas encostas dos morros, aumentando a preocupação das autoridades e da população com o risco de tragédias cada vez maior. Não será preciso um dilúvio universal, bastam as chuvas de verão para que tenhamos situações até mesmo de calamidade pública no chamado “cinturão dos excluídos” que cerca as cidades e já avança pelo meio delas.

(*) Carlos Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo Milênio.