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Sylvia Bittencourt: "Essa linguagem
não oferece nenhum perigo"
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Elenice: problema é adotar internetês
como única alternativa
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Fotos: Irandy Ribas, publicadas com a matéria
LÍNGUA PORTUGUESA
Internetês, uma ameaça ao idioma?
Especialistas expõem suas posições sobre linguagem usada na
Internet
Valéria Malzone
Da Reportagem
Ela já é uma realidade que
ultrapassou as fronteiras da Internet. Agora, a preocupação é de como está sendo usada e até que ponto pode influenciar no
aprendizado e na comunicação entre as pessoas. Trata-se da linguagem conhecida como internetês, que surgiu entre os
usuários de chats de conversação, blogs (diários virtuais) e ICQ (programa de comunicação).
"Só o tempo irá dizer quais os riscos que o internetês pode
provocar na Língua Portuguesa padrão. Mas uma coisa é certa: do ponto de vista lingüístico, essa linguagem não oferece nenhum
perigo", assegura a professora Sylvia Bittencourt, de Língua Portuguesa e de Literatura.
Especialista na matéria, a professora questiona, na realidade, o
uso do internetês como única opção de linguagem. "Isso sim é preocupante. O perigo está no seu uso limitado e no próprio
usuário - adolescente ou não - que só se dedique a escrever e se comunicar desse modo, em tudo na sua vida".
Estenografia - Sylvia compara o internetês de hoje à
estenografia, ainda utilizada em situações especiais. "Ela também é uma escrita simplificada do original, que tem o mesmo
objetivo de aproveitar melhor o tempo e o espaço, assim como o internetês".
E, nem por isso, continua a professora, as pessoas passaram a
falar por aí de forma estenografada. "Portanto, as questões são o usuário e sua intenção de uso dessa linguagem". Como outro
exemplo, Sylvia comenta sobre pessoas que se limitam por conta de modismos e por pura preguiça.
"Sabe aquele adolescente que só se veste de preto, que só faz o
que os amiguinhos fazem e que só gosta de comer hambúrguer com batata frita? Essa limitação de atitudes é tão desastrosa quanto
se comunicar somente via internetês".
Ponderação |
"Como tudo na vida, é preciso ter bom senso
e sabar a hora de usar as coisas"
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Sylvia Bittencourt
Professora de Língua Portuguesa e Literatura
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Bom senso - A saída, ainda de acordo com a professora, é
saber impor limites. "Como tudo na vida, é preciso ter bom senso e saber a hora de usar as coisas". Ela mesma garante que, em
conversas informais pela Internet, usa recursos do internetês. "O beleza vira blz; o beijo se
transforma em bj e assim por diante", garante Sylvia.
Também para a professora Elenice Rodrigues Lorenz, de Língua
Portuguesa, Literatura e Produção Textual, o problema está na carência do domínio da língua materna.
"As pessoas não lêem, não procuram ampliar seu vocabulário, erram
na regência e na concordância das frases e das palavras; têm dificuldade de conectar idéias e de interpretar textos". Para
Elenice, portanto, a preocupação é "adotar" o internetês como único recurso escrito alternativo, exatamente por ser
simplificado e pobre de regras gramaticais e lingüísticas.
Criativa - "Já quanto ao aspecto oral da linguagem, o
internetês é uma realidade criativa e inofensiva", opina a especialista. Mesmo assim, Elenice e outras professoras do
colégio onde lecionam estão com algumas dificuldades para contornar a novidade.
"Não há condições de tolerar o desrespeito ao idioma,
principalmente dentro da sala de aula. Uma coisa é usar gírias e internetês na informalidade e com amigos. Outra é levar
esses vícios para toda a comunicação", argumenta Elenice.
Mas a professora tem a crença de que em no máximo 10 ou 15 anos
haverá muitos textos adaptados ao internetês, de forma controlada para um público específico.
"Esse é um caminho meio sem volta. Será inevitável a alteração
permanente. Acredito que haverá crônicas, contos e outras publicações com essa linguagem, por exemplo, assim como hoje existem
produtos adaptados para crianças recém alfabetizadas".
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Elisabete: "Investimento financeiro"
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Caroline: "Um modismo perigoso"
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Fotos: Irandy Ribas, publicadas com a matéria
Interesse econômico pode facilitar expansão
A expansão, limitada ou não, do internetês vai depender do
interesse econômico sobre esse novo produto. Pelo menos é a opinião da professora Elisabete Montero, de Prática de Ensino e de
Língua Portuguesa.
"Acredito que a invasão dessa linguagem em outros campos, além da
Internet (o que já ocorre), está diretamente relacionada com o investimento financeiro que o fenômeno pode garantir. Ou seja, o
quanto vai lucrar".
A especialista cita como exemplo o que já vem ocorrendo há algum
tempo com o canal de TV Telecine. "Em um determinado dia da semana (terça-feira), o canal exibe um filme destinado ao público
adolescente (cyber movie) com legendas em internetês. É claro que o objetivo é garantir maior audiência e,
conseqüentemente, maior mercado consumidor".
Elisabete afirma ainda que essa expansão já está muito bem
amparada pelo marketing e por campanhas publicitárias. "É como funciona atualmente a Parada Gay de São Paulo: tornou-se
um excelente produto, para um público específico com bom poder de compra".
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Velocidade é tida como o grande trunfo do internetês
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Adaptação - A professora argumenta também que, no campo da
Educação, haverá uma necessidade de adaptação dos professores.
"As escolas precisam aprender a conviver com essa realidade. É
óbvio que, nas provas e nas aulas, sempre haverá a exigência do aprendizado da língua padrão, principalmente na forma escrita.
Mas já há muito tempo, a forma oral é expressa com algumas diferenças".
Para Elizabete, o grande trunfo do internetês é a
velocidade. "Um bom caminho é estudar essa linguagem, porque sempre é importante entender e ser entendido. Esse é o desafio,
conseguir se comunicar na mesma língua do seu interlocutor".
Quanto ao meio de o internetês prejudicar a Língua
Portuguesa, a professora é enfática: "Essa linguagem não vai matar a língua padrão. Uma coisa é você aceitar uma nova
tendência, a outra é você dar crédito para ela e incorporá-la".
Modismo - Para a estudante Caroline Brandoleza Assunção, de
21 anos, aluna do 7º semestre de Letras da UniSantos, que está preparando Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre a Linguagem
do Blog (diário virtual), o internetês é mais um modismo do que outra coisa.
"Mas um modismo perigoso que pode, sim, atrapalhar o aprendizado
da língua padrão, já que muitos estudantes usam palavras cifradas do internetês até em textos e redações nas escolas",
confirma Caroline. Segundo ela, a maioria dos usuários da linguagem eletrônica é constituída por meninas.
"Penso que tudo isso começou com algumas animações de programas
(como o próprio MSN), mensagens animadas e também por influência dos teclados, no caso das acentuações principalmente".
Ela concorda que o internetês poderá ser mais padronizado
algum dia, mas hoje ainda sofre muitas alterações gráficas. "Em algumas palavras há somente a supressão de vogais. Em outras, há
uma transformação onomatopéica (imitando o som ou a pronúncia do objeto)".
A estudante comenta também sobre aquelas que procuram retratar até
a intensidade dos sentimentos, como a palavra amigo, que pode ser grafada no internetês como migoxxxxx,
sendo que cada "x" a mais representa o tamanho da amizade (se é muita ou pouca).
Para Flávio Hessmauer, de 21, linguagem está evoluindo
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
Utilização não se restringe a adolescentes
Não são somente os adolescentes e estudantes que recorrem à
linguagem do internetês. Rafael Mariano Alves Costa, de 28 anos, que já é formado em Turismo, afirma que freqüentemente
está em contato, via computador, com o internetês.
"Ela já se tornou uma linguagem universal e eu mesmo, quando estou
com pressa, a utilizo", garante Costa, que passa de quatro a cinco horas por dia na Internet. "Navego há mais de 10 anos, mas
essa linguagem começou a aparecer mais de dois anos para cá, principalmente em programas de conversação como o MSN e o Mirc".
Assim como ele, seu colega de Internet, Flávio Hessmauer Filho, de
21 anos, acredita que a linguagem do internetês tem evoluído e se modificado periodicamente. "A palavra risada, por
exemplo, era grafada como rsrsrs. Agora, passou para hauihauih, comenta Hessmauer Filho.
Precaução |
"Se você entra em uma sala de bate-papo colocando acentos corretos, você acaba
denunciando que não está acostumado com a Internet"
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Rafael Mariano Alves Costa
Bacharel em Turismo
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Torpedos - Ambos acreditam que a linguagem começou para
economizar tempo e espaço. "Já vi internetês em torpedos de celulares e em pequenos recados (via papel mesmo). Mas foi
só", assegura Costa.
Nenhum dos dois acredita que o internetês possa prejudicar
o uso da Língua Portuguesa de modo geral e, principalmente, fora da Internet.
"Isso porque não é todo mundo que tem acesso à Internet. Quem
nunca conversou por meio do computador, nem sabe o que é isso", garante Hessmauer Filho, que participa de chats de
conversação por cerca de uma hora, uma hora e meia por dia.
Informalidade - A conveniência do uso do internetês,
para ambos, é a informalidade da conversa. "O contrato fica mais natural". Se você entra em uma sala de bate-papo colocando
todos os acentos corretos nas palavras, você acaba se denunciando que não é do meio e que não está acostumado com a Internet",
acredita Costa.
Hessmauer Filho disse que entrou em contato pela primeira vez com
o internetês por intermédio de um jogo, onde os participantes tinham que utilizar palavras.
"Acho que as pessoas usam mais o internetês para se comunicar com
amigos. Já nos chats de paquera, por exemplo, não dá para ficar só escrevendo daquele jeito. Eles são mais fechados e é
sempre melhor escrever corretamente para impressionar", brinca o internauta.
Rafael Mariano, de 28 anos, diz que, com pressa, usa o
internetês
Foto: Irandy Ribas, publicada com a matéria
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