Marcus Garrett (*)
É de embevecer: há alguns anos surgiu em nosso país um
novo dialeto muito peculiar. Ao contrário dos sotaques dialéticos dos Nortistas ou dos Sulistas, o novo "diálektos" se
encontra imiscuído num habitat não condizente com os estereótipos inerentes ao substantivo.
Definamos dialeto, conforme um dicionário Ibérico: "linguagem peculiar a uma região, não
diferindo essencialmente da linguagem das regiões vizinhas; cada uma das línguas que se consideram variedades do mesmo tipo
fundamental; provincianismo".
Continuemos! O matuto do interior, quem diria, não logrará os louros da descoberta. Tampouco os
lestos jovens da periferia de nossas cidades os terão. Não! Os grandes inventores, a eles o devido reconhecimento, são
notórios por mangarem com os primeiros. Amiúde perambulam pelas grandes empresas ornados de paletós e de gravatas Louis
Vuitton e dirigem seus Mercedes em avenidas supostamente majoradas das respectivas presenças. Eles, ditos Gerentes e Diretores
do mundo pós-moderno e “corporativista”, são os Gepetos do novo dialeto: o Gerentês.
Do Gerentês, novos verbos são partícipes; alguns trazidos de outros idiomas e criados com vista
à utilização no dia-a-dia de seus mentores. Pudera, a Língua Portuguesa é tão parca de verbos!
Exemplifiquemos alguns dos novos verbos:
- Estartar. Verbo oriundo da palavra inglesa "Start". Tem por função demonstrar o início
de determinada atividade ou processo. Algumas das utilizações conhecidas são: "Vamos estartar a reunião"; "O processo
foi estartado?".
- Estopar. Verbo também oriundo de uma palavra inglesa: "Stop". Tem por função
demonstrar o encerramento de determinada atividade ou processo. A utilização traz semelhança à do verbo estartar, porém com
inversão do sentido original.
- Consensar. Verbo oriundo duma variação do substantivo Consenso. Tem por função
demonstrar conformidade de sentimentos e anuência. Algumas das formas conhecidas são: "- Através dessa reunião está consensado
nosso plano de ação"; "- Vamos consensar a logomarca da empresa?"
- Draivar. Oriundo do verbo inglês Drive. Tem por função demonstrar o direcionamento de
uma ação ou atitude. Utilizações conhecidas: "- As vendas estão sendo draivadas pelas tendências de mercado".
Verbos, tão somente, são apenas partes das novidades do dialeto Gerentês. Introduziu-se por
meio da novidade, figuras de linguagem diferenciadas das do Português. Esqueça do Polissíndeto, da Hipérbole ou da Alegoria.
Exemplifiquemos partes das novas figuras de linguagem por meio das expressões vigentes:
- Catacredo. Figura similar à Catacrese da Língua Portuguesa. Utilizações correntes: “-
Nosso novo produto é excelente e tem uma enorme aderência ao mercado”. Dentre as novas figuras de linguagem, é a mais
utilizada. Nesse caso o Gerentês inovou numa forma alternativa ao Português clássico, através do qual poder-se-ia mencionar
quão satisfeitos os clientes estão com a empresa, ou simplesmente realçar a boa vendagem do produto. O uso da palavra
Aderência, entretanto, impinge uma conotação surrealista à frase.
- Pleo-Asno. Figura também similar à outra do Português: o Pleonasmo. Utilizações
freqüentes: "Nossa empresa pode agregar valor ao negócio do cliente". Forma alternativa à menção de que a empresa propõe lucro
ao protegido. A forma Latina da palavra, aggregare, atua no inconsciente do cliente, levando-o à completa mancebia para
com o empresário.
- Ger-nudismo. Nova figura por meio da qual diversos verbos são utilizados –
recém-criados ou não – a fim de embelezar determinada oração ou de enfatizá-la, valendo-se de verbos "normais" do Português,
mas conjugados no Gerúndio. Utilizações freqüentes: "Fique tranqüilo, pois eu vou estar enviando o documento pelo correio. O
senhor vai estar recebendo o pacote amanhã". Nota-se realmente o soberbo destaque impingido à frase pela quantidade de verbos
presentes. No geral, são utilizados três verbos ao invés de apenas um. Exemplo: "vai estar recebendo" é a nova forma do
Gerentês para o simplório "receberá" do Português clássico. Por que utilizar um, se possível é a utilização de três?
Outra faceta do Gerentês é a nova regência nominal criada, através da qual ocorrem inversões de
artigos. A inversão dos artigos é característica do idioma Alemão e, de fato, o novo dialeto valeu-se de excertos das regras
daquela língua, outrora bárbara. Exemplifiquemos a nova regra por meio de uma expressão amiúde utilizada: "Nosso cliente vai
estar precisando de ajuda a nível de consultoria".
Diferentemente do Português, o Gerentês adota o artigo A como partícula neutra, assim como a
partícula "Das" é aplicada no Alemão. Expliquemos: embora a palavra nível seja substantivo masculino e, por conseguinte,
requeira um artigo masculino, no Gerentês se usa a partícula neutra "A" a fim de que haja concordância com todo e qualquer
tipo de substantivo, masculino ou feminino. É uma sábia constatação: a rapidez com a qual as frases são construídas são
diretamente proporcionais à rapidez do mundo "corporativo" atual. Não se perde tempo com detalhes frívolos do velho Português.
Gerentês: a dura realidade - O Gerentês, apenas uma alegoria por meio da qual criei esse
texto, é amplamente utilizado nas empresas brasileiras e nas multinacionais. Gerentes, Diretores e até Presidentes são
versados no novo dialeto.
Fico estarrecido ante o fato dessas pessoas, supostamente os Davis da criatividade e da
competência, valerem-se de tão chulas expressões as quais, repletas de insultos à nossa Língua, nos remetem a um paradoxo
através do qual imbecilidade e burrice fazem contraste aos novos renascentistas.
O Gerentês é prova da verborragia daqueles indivíduos, que com seus blás-blás-blás corporativos
e arrogantes dizem coisa alguma, ainda que posados da imodesta sensação inversa. O vômito lingüístico impelido por eles se
“justifica”, outrossim, para a escassez de criatividade e para a falsa sensação de competência - e de valor; como se
demonstrados fossem com palavras e verbos esdrúxulos, sem sentido. Léxicos inventados por uns e sumariamente copiados por
muitos da mesma espécie.
Eu viso a findar este libelo contra tão importantes seres, e, por conseguinte, só posso
questionar com os leitores: se nem o Português é sabido, como se esperar dessas pessoas a gestão de empresas?
(*)
Marcus Garrett edita a publicação eletrônica
Vozes de Cybertron. |