Rostand Paraíso (*)
Havia aqueles indivíduos cabulosos, maçantes, que
ultrapassavam os limites da chatice habitual, os chatos de galocha, expressão essa encontrada no Aurélio (chato de
galochas == indivíduo muito maçante, extremamente chato). Hoje, ninguém usa mais essa expressão, mesmo porque a galocha é
praticamente desaparecida. A expressão máxima dos chatosos em Pernambuco parece ter sido o Bodião-de-Escama, tipo popular que
vivia em torno das mesas do Café Lafayette, procurando fazer jus a alguma bicada, enchendo a todos com suas extravagâncias e
inconveniências. Seu nome ultrapassou as fronteiras do Estado e, ainda hoje, figura no Aurélio como "um tipo popularíssimo das
ruas do Recife da 2ª metade do século 19".
Das pessoas consideradas inacessíveis, de quem não se conseguia a obtenção de um favor ou de
uma atenção especial, dizia-se que eram mais difíceis do que G-20, que era uma tampinha da Coca-Cola extremamente
difícil de se achar no concurso-bingo promovido por aquela empresa. A ponto de se espalhar a notícia de que a G-20
simplesmente não existia, e, portanto, ninguém iria conseguir o prêmio oferecido.
Quando se queria dizer alguma coisa em segredo, confidenciando uma notícia, dizia-se
moita, tá?, que era o equivalente ao atual em off.
Outra expressão antiga, desaparecia, como tantas outras, com o passar do tempo e que os mais
jovens não conhecem: comendo um galo, no sentido de que a pessoa estava furiosa, espumando de raiva. Eu estou
comendo um galo era o mesmo que dizer saia da frente senão leva porrada.
Costumava-se, antigamente, responsabilizar o fígado pelos episódios de mau humor. A frase
"meu fígado hoje não está nada bom" queria dizer que a pessoa estava de mal com a vida. E era moda, então, hoje também em
desuso, a compra de extratos hepáticos para melhorar o funcionamento daquele órgão e restituir o humor costumeiro.
Tempos bons, aqueles da minha mocidade, em que se tirava uma linha com a garota, e,
ao fim de um longo trabalho (em que contávamos com as figuras dos corta-jacas, a nos elogiar junto aos familiares),
conseguíamos encostar. Tempos em que se paquerava, se flertava e se casava sem se separar com a
facilidade de hoje.
Tempos de expressões que marcaram época: Deu bode ("vamos embora que deu bode,
deu confusão"), "sossega, leão", "calma no Brasil", "comigo não, violão", "fica bobo que jacaré te abraça", "quer matar
papai, oitão?", "que é que há com seu peru?", "tudo azul com seu peru?" e tantas outras. Tempos em que as garotas bem
torneadas eram consideradas "um violão" ou, simplesmente, um fiu-fiu, num arremedo do assovio comumente emitido quando
da passagem de uma menina boa de corpo.
A língua se renova, as expressões, cansadas, desaparecem com o tempo.
Outras surgem, com significados que nós, os mais velhos, nem desconfiamos. Vejamos algumas: "Tá
ligado?", no sentido de "entendeu?", morgação ("isso aqui tá uma morgação danada"), quando o ambiente está sem
graça ou quando a pessoa desiste de ir a algum lugar, por estar sem vontade ("fulano morgou, desistiu", "A festa
morgou e todo mundo foi embora").
Tabacudo ou Mamão, para definir o abobalhado. Pipoco, "a festa foi o
pipoco, foi o máximo". Babou, "o jogo babou", no sentido de que foi cancelado. Melou, com significado
semelhante ao de babou. Sabotagem, com sinônimo de sacanagem (grande palavrão de antigamente!).
Fuleiragem, mais empregado como sinônimo de frescura, palavra essa, antigamente, impronunciável em ambiente
familiar. "Dar o ziguinau", "ele deu o ziguinau no meu livro", significado que alguém pegou o livro para si.
"Pegar o beco", "fulano pegou o beco", indicando que aquele fulano foi embora. E tantas outras mais.
E a avalanche de palavras inglesas, que, sem qualquer cerimônia, não sendo sequer
traduzidas, invadem as lojas dos nossos shoppings, principalmente no setor de informática? E que vão se incorporando ao
nosso linguajar, sendo, inclusive, citadas nos dicionários mais up-to-date?
A linguagem não tem nada de estática. Palavras caem em desuso, outras aparecem. Isso é mais
do que natural. O medo é que, com a crescente influência do inglês, com a invasão cada vez maior de termos técnicos, nós
caminhemos para uma anglicização exagerada e altamente prejudicial à nossa língua.
Citado por Nelly, Antônio Callado, observando esse crescimento exagerado da língua inglesa
dentro da sociedade brasileira, prevê que "o Português, entre nós, vai virar coisa de pobre, de favelado, e que as pessoas
bem, no futuro, só falarão o inglês". E a própria Nelly, com a autoridade que todos lhe reconhecemos, diz que, descontado o
exagero retórico, essa declaração merece reflexão, achando, até que Callado possa ter razão na sua preocupação.
(*) Rostand Paraíso é médico cardiologista e
membro da Academia Pernambucana de Letras. Publicado no Jornal do Commercio do
Recife em 4/7/2002. |