|
Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
|
NOSSO IDIOMA
Semente de Mel
Walter Bestane (*)
Tratava-se de um seminário realizado aqui em Santos para
discutir as agressões à língua portuguesa, com a invasão abusiva de termos estrangeiros. Um multidão de palavras lotou o auditório,
ficando muitas literalmente em pé, nesse caso colocando suas letras na vertical, para maior conforto e melhor identificação. As mais
novas, por educação, cediam o assento para as mais velhas. Não foi permitida a entrada de palavras de baixo calão e as que vinham
escritas com erro eram corrigidas numa sala especial antes de entrarem.
O encontro fora promovido pela Academia Santista de Letras e Elos Clube Internacional,
vice-diretoria para a América Latina, entidades que lutam em defesa do nosso idioma. A coordenação estava a cargo dos deputados
federal Aldo Rebelo e estadual de São Paulo, Mariângela Duarte, ambos autores de projetos de lei que impõem limites ao uso indevido
de palavras estrangeiras. Após a abertura do seminário, tendo todos cantado o Hino Nacional, MEL (sigla de mensagem eletrônica)
tomou a palavra:
"A maioria de vocês não me conhece. Todos já se acostumaram a usar e-mail, da língua
inglesa, de pronúncia desconfortável e deselegante. Sem falsa modéstia, MEL é muito mais fácil e suave. Além disso é símbolo do que
há de mais doce na natureza. Por que, então, essa injustiça?"
"Isso ocorre porque a própria população não ajuda e, às vezes até sem perceber, acaba
favorecendo e impondo a divulgação de palavras estrangeiras. Deveria haver leis limitadoras ou, ao menos, campanhas de
conscientização por entidades públicas ou não governamentais", interpelou ENDEL (sigla de endereço eletrônico).
Com isso concordaram Sítio e Ratinho, também da área da informática, que vieram de Portugal
para dizer que lá site e mouse não eram utilizados. Aproveitaram para chamar de verdadeiro absurdo o próprio Banco do
Brasil utilizar o termo Home Banking. Todos apoiaram essas observações entusiasticamente, causando um certo tumulto no
plenário. Muitas queriam falar ao mesmo tempo, cada qual para mostrar sua revolta e inconformismo.
"Uma de cada vez, por favor", interferiu o deputado Rebelo.
E puderam falar, então, pela ordem, várias palavras, citando seu nome correto, em português,
e a intrusa, que algumas mais exaltadas chamavam de impostora. Assim, usaram o microfone: liquidação para reclamar de sale;
centro comercial, de shopping center; desconto, de off; nova chamada, de recall; passe e pegue, de
drive-thru (nem os funcionários das lojas Mac Donald's sabem o que isto significa); intervalo para café de coffee-break,
e assim várias outras, cada qual fazendo algumas observações adicionais. As palavras cheio e vazio, juntas, também reclamaram que,
em carros de fabricação nacional, destinados ao mercado interno, o marcador de gasolina vem com as letras E de empty e F de
full, além do termômetro que marca H e C, de hot e cold, em vez de Q e F, de quente e frio.
Chegou a hora do intervalo para café. Não se viam produtos com nomes como juice,
cheese, sweet, milk e outros invasores. Só uma mesa servia cachorro quente com o nome de hot dog, mas o
garçom não foi molestado. Na segunda parte do seminário, democraticamente, a deputada Mariângela Duarte convocou algumas
estrangeiras para ocupar o microfone. Levantou-se uma palavra de aspecto sombrio, magra, pálida, que falou calmamente, com bastante
equilíbrio, fazendo as seguintes observações:
"Meu nome é AIDS, de procedência inglesa (nessa hora, algumas palavras, discretamente,
afastaram-se dela, revelando um preconceito e um cuidado completamente irracionais e desnecessários). Aqui no Brasil alguns querem
substituir por SIDA, mas não vejo necessidade desse excesso de preconceito contra estrangeiros, já que sou conhecida em todo o mundo
por essa sigla. Muitas outras palavras já foram consagradas pelo uso, e o que resta fazer é adaptá-las com pequenas modificações,
aportuguesando-as. O correto é coibir o exagero, que significa servilismo, submissão e falta de senso patriótico".
AIDS foi longamente aplaudida após suas palavras equilibradas e de bom senso. A nota
humorística do evento foi uma observação da palavra telemóvel (telefone celular), convidada de Portugal, comentando com ironia a
incoerência dos organizadores, por realizarem o seminário num centro de convenções denominado Mendes Convention Center. Um membro da
comissão organizadora, ocupando a tribuna, explicou à convidada portuguesa que, infelizmente, em Santos, não havia outro auditório
de porte adequado a tão grande número de participantes e que, para vergonha de seus patrícios, o empresário que construíra e dera o
nome àquele empreendimento era exatamente de origem portuguesa, declaração que provocou uma gargalhada geral e fez corar a pobre
telemóvel.
A palavra MEL, que encantou a todos por sua simplicidade e doçura, acabou inspirando o nome
do simpósio, que foi batizado de "Semente de Mel", na esperança de que um dia germinasse na consciência de todos os brasileiros.
(*) Walter Bestane é médico em Santos, membro da
Academia Santista de Letras e secretário do Elos Clube Internacional para a América Latina. Artigo publicado na seção
Tribuna Livre do jornal A Tribuna de Santos/SP em 26/1/2002, página 3. |