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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Lectoescrita, informática e os lingüistas do século XXI
Vicente Martins (*)
Cumpre-nos, no presente texto, provocar algumas reflexões
pertinentes a este momento muito especial de início de século. Surge, agora, no meio universitário, uma atmosfera acadêmica de
especulações sobre a atuação dos de magistério no novo milênio. Assim, gostaria de, nesse clima, especular um pouco sobre a atuação
dos profissionais de Letras na sociedade pós-industrial.
De logo, levanto algumas questões fundamentos para nossa reflexão: teremos nós, letrados,
espaço profissional na sociedade informática? O ensino de línguas sobreviverá ao desenvolvimento tecnológico, persistindo o modelo
trabalhado hoje em nossas salas de aula? E como fica a situação dos professores da rede pública de ensino, enquanto servidores
estaduais, portanto, participantes da estrutura do poder público, na nova organização do capitalismo pós-industrial?
Para responder a estas questões, permitam-me que me aproprie de três referências teóricas
para esta reflexão, a saber: Capitalismo desorganizado, de Claus Offe (Brasiliense), A sociedade de informática, de
Adam Schaff (Brasiliense) e O Culto da Informação, de Theodore Roszak (Brasiliense).
Com certeza, na sociedade informática, nós, profissionais de Letras, não vamos desaparecer
enquanto especialistas do ensino de línguas materna e estrangeira. Perderemos, sim, a natureza do nosso trabalho que vai transcender
os limites escolares e chegará ao novo mercado de trabalho, isto é, o mercado de serviços. Claus Offe diz que nesse processo
passaremos a participar de uma espécie de "classe de serviços".
É possível, porém, que haja uma perda de identidade histórica de “professor” e com ela todas
as prerrogativas inerentes à tradição do magistério (aposentadoria especial, por exemplo) e passaremos a ser instrutores de
português, inglês etc. atendendo a uma clientela muito variada que vai da formação de um profissional de instrução de escolar
ao guia de turismo.
O mercado de trabalho para os letrados - No que toca ao mercado de trabalho, o que
equivale a dizer espaço de atuação profissional de Letras, no século XXI, as expectativas são otimistas, melhor dizendo, são
predominantemente otimistas, pelas seguintes razões:
a) a sociedade informática carecerá cada vez mais de instrutores (ou professores) de
símbolos e signos lingüísticos e que lidem com pessoas na perspectiva de atenuar o trabalho individual, pesado, da produção de
material;
b) será intensificado o treinamento das habilidades associadas à Escrita e à Leitura
(lamentavelmente, em detrimento da Fala e da Escuta, duas habilidades fundamentais na comunicação social) e
c) os profissionais de Letras atuarão na formação de trabalho (na área de turismo, em
particular, uma vez que na sociedade informática as pessoas terão mais tempo para o lazer) resultante da política social provocada
pelo Estado de Bem-Estar Social que vai procurar evitar a crise do desempenho estrutural. Em resumo, ganharemos muito com a chamada
expansão do setor de serviços.
A demanda por serviços na área de Letras continuará a crescer como, por exemplo, o de
retreinamento ocupacional através de cursos por correspondência de leitura e escrita e cursos de línguas. É uma realidade que, nós,
professores e alunos, já no início deste século, já nos comuniquemos mais intensamente em nossas próprias casas através de nossas
webmails.
É possível imaginarmos ainda a seguinte situação virtual para o futuro dos letrados, já com
indícios de práxis bastante reais nos nossos dias: o professor de Português, em particular de Redação escrita, não só dando notas
aos alunos eletronicamente mas também se comunicando com eles a qualquer hora do dia ou da noite e, talvez, observando, via
on-line, se um texto está sendo bem estruturado, obedecendo uma planilha previamente negociada entre professor e aluno e
processado tudo na tela do vídeo, fazendo sugestões que possam auxiliar à distância.
A escrita, na perspectiva de um Theodore Roszak, exigirá a intervenção docente uma vez que
qualquer tentativa randômica, isto é, de produção textual aleatória, comunicará palavras, informações, menos idéias e significados
que levem em conta as intenções do emissor. E nós sabemos que, por trás de um texto bem escrito, exige muito suor, muito ziguezague,
ida e volta - e um olhar, uma leitura preliminar do professor e seu jeito de acompanhar o sucesso ou o insucesso do aluno tem muito
a ver com a aprendizagem.
O ensino de línguas, da escrita, em particular, exige da escola do futuro o professor nos
moldes modernos de hoje: observador, leitor das intenções dos alunos e seu maior interlocutor. Enfim: a escrita e a leitura são duas
habilidades escolares que trazem consigo uma espontaneidade biológica, dependem de um fluxo natural, numa palavra: dependem do
diálogo humano livre.
A lectoescrita na sociedade informática - Se analisarmos o contexto da sociedade
informática sob a ótica capitalista, ou melhor, dos fabricantes dos computadores, a situação do ensino da Escrita e da Leitura, no
século XXI, será avassaladora: os computadores farão tudo, inclusive ajudar na produção significativa de um texto escolar. No
entanto, há nessa especulação mais folclore do que verdade.
De qualquer maneira, sua propaganda no meio escolar poderá trazer conseqüências funestas,
entre as quais a de fazer que um profissional, por exemplo, letrado, creia que a escrita pode ser realmente, uma questão de
processamento de informação e não de idéias - e mais uma vez reafirmo: um texto vai além de informações.
A sintaxe de um texto não é apenas uma relação sintagmática de substantivos e adjetivos,
verbos e sujeitos, mecânica; daí, dificilmente os computadores esgotarem, no futuro, todas as possibilidades de relações de
interdependência da frase (concordância, regência e colocação) porque - mais do que coerência de regras ou de imposição de normas ou
coerções gramaticais - há intenção, estilo, de natureza imaginativa, criativa, subjetiva e que surpreende todas as determinações da
realidade objetiva ou descritiva.
Para não demorar mais sobre essas especulações, diria que está claro que, no século XXI,
profissionais que hoje estão se formando em Filosofia, História e Letras terão grande espaço no mercado de trabalho.
Seremos nós, que dentro ou fora da escola, auxiliaremos as pessoas a perguntarem sobre as
suas perspectivas de vida e nós, de Letras, seremos ainda mais significativos, porque todas as profissões do futuro são baseadas na
literacy (capacidade de ler e escrever).
Por fim, diria que somente com a lectoescrita, isto é, com as habilidades de leitura e
escrita, as pessoas serão capazes de acessar os livros, as idéias dos livros contidas ou não nos computadores, insights
éticos e visão social do mundo que a lógica da inteligência artificial não conseguirá decifrar a partir de um rubor, de uma
piscadela ou de um gaguejar que revelem a natureza do problema do estudante e sejam ponto de partida para o magistério do
professor-aluno.
(*)
Vicente Martins é graduado e
pós-graduado em Letras pela Universidade Estadual do Ceará (UECE) com mestrado em Educação Brasileira pela Universidade Federal do
Ceará (UFC). É professor do Centro de Letras e Artes da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), em Sobral, estado do Ceará.
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