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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/16/01 18:16:36

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
A língua portuguesa em debate

Lucie Didio (*)

Um rápido sobrevôo pela história da evolução da língua portuguesa revela que esta é fruto das contribuições lexicais provenientes de um sem-número de línguas. De base predominantemente latina, porém com um substancial aporte de palavras de origem grega, a língua portuguesa ainda na Lusitânia recebeu influências tanto anteriores ao advento dos romanos na Península Ibérica (invasão dos celtas e dos iberos), quanto posteriores (invasões de inúmeros povos germânicos como os alanos, os vândalos, os suevos e os visigodos). Em 711 d.C., os mouros, ao invadirem a Península Ibérica, onde permaneceram por sete séculos, introduziram um sem-número de vocábulos na língua da região.

Com a construção do império português no Ultramar, nos séculos XIV a XVI, a língua portuguesa foi enriquecida de palavras pertencentes aos idiomas da África, da Ásia e da América. De 1580 a 1640, quando a Metrópole foi governada pelos reis de Espanha, incorporaram-se ao léxico da língua portuguesa inúmeras palavras castelhanas. Todas essas contribuições lexicais fizeram com que o português - ainda em Portugal - se diferenciasse bastante das demais línguas neolatinas.

Ao desembarcar no Brasil em 1500, enriqueceu-se inicialmente o português com vocábulos oriundos dos dialetos africanos e das línguas indígenas; e, mais tarde em sucessivas ondas, com vocábulos pertencentes ao francês, ao italiano, ao japonês, ao inglês e a uma infinidade de outras. Logo, apesar da colonização portuguesa, formou-se aqui não somente um idioma próprio, muito distinto do de Portugal, mas também uma cultura própria, inconfundível, marcada com traços diferenciadores de identidade nacional nos costumes e nas crenças e, principalmente, na língua.

A todos os povos colonizados, os conquistadores, por se "acharem superiores", "já que conseguiram dominar e subjugar outrem", procuram - ao impor costumes, crenças e valores "ditos superiores" - exterminar a identidade cultural dos colonizados, fazendo com que estes incorporem, por bem ou por mal, a cultura dita "superior" dos conquistadores.

Bem e fator - Ora, toda língua representa, além de um bem cultural, um importante fator de comunicação entre pessoas que moram num mesmo território. Tanto isso é verdadeiro, que todos os países do mundo têm, a despeito das diversidades e/ou das variações lingüísticas existentes em seus territórios, um idioma oficial, isto é, uma língua por meio da qual todos os cidadãos (de cada país) se comunicam. Mesmo os países bi ou trilíngües, territorialmente divididos, possuem também, para cada circunscrição, um idioma oficial.

Aqui também, poetas e romancistas produziram em nosso vernáculo obras literárias de peso pela genial verve de Carlos Drummond de Andrade, de João Cabral de Melo Neto, de Guimarães Rosa, de Machado de Assis (para citar apenas alguns dentre tantos), cujas obras, traduzidas para dezenas de línguas, constituem-se em objeto de estudos em universidades de países desenvolvidos, portanto, ditos "culturalmente adiantados".

Diante da vertiginosa e estonteante escalada de termos, ou de expressões, alheios à nossa Pátria e à nossa gente, surge uma voz no meio do deserto em torno da qual vão se juntar milhares de outras: o projeto de lei, de autoria do deputado Aldo Rebelo. Ao dispor sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa, esse projeto visa preservar um dos nossos maiores patrimônios imateriais: nosso idioma, símbolo da identidade e da cultura do povo brasileiro.

Em defesa desse projeto e, por extensão, da língua portuguesa, deve-se dizer que, se não houver, em português, termos correspondentes e/ou equivalentes, os estrangeirismos - contribuições lexicais de outras línguas - são muito bem-vindos, pois só tendem a enriquecer o nosso léxico e ampliar os horizontes de nossa mente. Acredita-se, no entanto, que seria de bom alvitre aportuguesar-lhes tanto a grafia quanto a pronúncia, para se acomodarem à nossa realidade lingüístico-cultural. Por exemplo, a palavra estresse, devidamente aportuguesada e dicionarizada (que alguns teimam em escrever sem os ee inicial e final), já gerou por derivação dois neologismos: estressar e estressado.

Em contrapartida, caso possuam correspondência ou equivalência na língua portuguesa, os estrangeirismos são não só lesivos ao patrimônio lingüístico-cultural brasileiro, como também empobrecedores do nosso léxico, porque vão paulatina e sub-repticiamente solapando-o e fazendo cair em desuso termos e expressões genuína e tipicamente nacionais. Para que usar sale, site, personal banking, fast food, entre um sem-número de outras, se existem no nosso vernáculo palavras correspondentes?

Correspondência entre os termos quer dizer equivalência sêmica, ou seja, a presença de absoluta correlação entre os semas - as menores unidades portadoras de significado - que compõem as palavras, no caso, estrangeiras e brasileiras. Assim, existe absoluta correspondência sêmica entre palavras, tais como: coffee e café, milk e leite, page e página, para citar apenas algumas.

Desrespeito - Utilizar estrangeirismos que possuem correspondência no vernáculo é, no mínimo, uma incivilidade e um desrespeito a milhões de analfabetos, de semi-analfabetos e analfabetos funcionais, isto é, a todos os cidadãos já excluídos do sistema, os quais assim permanecerão por gerações e gerações. É também um desrespeito aos decentemente alfabetizados, os quais, entretanto, não têm conhecimento de outros idiomas. Num país já saturado de tantas mazelas, defender o referido projeto é indubitavelmente um ato de cidadania.

Talvez o mais grave e lamentável resquício da colonização do Brasil seja a cultura do colonialismo que, infelizmente, tem nos acompanhado desde o Descobrimento há, portanto, 500 anos. Assim, nossa primeira pátria cultural foi Portugal; a segunda, a França; e a terceira, os Estados Unidos. Muitos brasileiros sofrem de um visceral complexo de inferioridade. Nada do que é aqui feito ou produzido é bom o bastante, o que vem de fora - principalmente do Primeiro Mundo - é bem melhor.

Essa cultura do colonialismo torna os indivíduos aculturados, portanto, culturalmente colonizados; pois quem aceita a dominação cultural predispõe-se a ser colonizado, incorporando - consciente ou inconscientemente - a cultura do colonizador. A isso Darcy Ribeiro chamou de "alienação cultural, que consiste na introjeção espontânea ou induzida em um povo da consciência e da ideologia de outrem, correspondente a uma realidade que lhe é estranha e a interesses opostos aos seus".

A despeito de suas variações regionais, sociais e/ou culturais, as quais é preciso respeitar, a língua portuguesa congrega e fraterniza - de Norte a Sul, de Leste a Oeste - os brasileiros ou os estrangeiros aqui radicados. Em suma, ela possibilita o entendimento e a comunicação entre os usuários lingüísticos deste imenso País.

Projeto - Diante do exposto, cumpre afirmar que - ao visar primordialmente proteger e preservar nossa língua da intensa descaracterização que tem sofrido com a enxurrada de estrangeirismos, alheios à nossa realidade sociocultural e, ainda, ao visar responsabilizar o Poder Público pela melhoria "das condições de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional" - , esse arrojado projeto deve ser defendido por todos os cidadãos brasileiros.

E, embora já tenha sido aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto precisa - no momento - ser também aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo Senhor Presidente da República. Em caso afirmativo, representará - sem a menor sombra de dúvida - um decisivo passo para dizer um sonoro NÃO ao aculturamento, ao neocolonialismo, à dominação cultural e, conseqüentemente, à alienação cultural. A sociedade brasileira sensibilizada só tende a agradecer.

(*) Lucie Didio, mestra em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é professora de Língua Portuguesa na Universidade de Brasília.