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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
A língua portuguesa em debate
Lucie Didio (*)
Um rápido sobrevôo pela história da evolução da língua
portuguesa revela que esta é fruto das contribuições lexicais provenientes de um sem-número de línguas. De base predominantemente
latina, porém com um substancial aporte de palavras de origem grega, a língua portuguesa ainda na Lusitânia recebeu influências
tanto anteriores ao advento dos romanos na Península Ibérica (invasão dos celtas e dos iberos), quanto posteriores (invasões de
inúmeros povos germânicos como os alanos, os vândalos, os suevos e os visigodos). Em 711 d.C., os mouros, ao invadirem a Península
Ibérica, onde permaneceram por sete séculos, introduziram um sem-número de vocábulos na língua da região.
Com a construção do império português no Ultramar, nos séculos XIV a XVI, a língua
portuguesa foi enriquecida de palavras pertencentes aos idiomas da África, da Ásia e da América. De 1580 a 1640, quando a Metrópole
foi governada pelos reis de Espanha, incorporaram-se ao léxico da língua portuguesa inúmeras palavras castelhanas. Todas essas
contribuições lexicais fizeram com que o português - ainda em Portugal - se diferenciasse bastante das demais línguas neolatinas.
Ao desembarcar no Brasil em 1500, enriqueceu-se inicialmente o português com vocábulos
oriundos dos dialetos africanos e das línguas indígenas; e, mais tarde em sucessivas ondas, com vocábulos pertencentes ao francês,
ao italiano, ao japonês, ao inglês e a uma infinidade de outras. Logo, apesar da colonização portuguesa, formou-se aqui não somente
um idioma próprio, muito distinto do de Portugal, mas também uma cultura própria, inconfundível, marcada com traços diferenciadores
de identidade nacional nos costumes e nas crenças e, principalmente, na língua.
A todos os povos colonizados, os conquistadores, por se "acharem superiores", "já que
conseguiram dominar e subjugar outrem", procuram - ao impor costumes, crenças e valores "ditos superiores" - exterminar a identidade
cultural dos colonizados, fazendo com que estes incorporem, por bem ou por mal, a cultura dita "superior" dos conquistadores.
Bem e fator - Ora, toda língua representa, além de um bem cultural, um importante
fator de comunicação entre pessoas que moram num mesmo território. Tanto isso é verdadeiro, que todos os países do mundo têm, a
despeito das diversidades e/ou das variações lingüísticas existentes em seus territórios, um idioma oficial, isto é, uma língua por
meio da qual todos os cidadãos (de cada país) se comunicam. Mesmo os países bi ou trilíngües, territorialmente divididos, possuem
também, para cada circunscrição, um idioma oficial.
Aqui também, poetas e romancistas produziram em nosso vernáculo obras literárias de peso
pela genial verve de Carlos Drummond de Andrade, de João Cabral de Melo Neto, de Guimarães Rosa, de Machado de Assis (para citar
apenas alguns dentre tantos), cujas obras, traduzidas para dezenas de línguas, constituem-se em objeto de estudos em universidades
de países desenvolvidos, portanto, ditos "culturalmente adiantados".
Diante da vertiginosa e estonteante escalada de termos, ou de expressões, alheios à nossa
Pátria e à nossa gente, surge uma voz no meio do deserto em torno da qual vão se juntar milhares de outras: o projeto de lei, de
autoria do deputado Aldo Rebelo. Ao dispor sobre a promoção, a proteção, a defesa e o uso da língua portuguesa, esse projeto visa
preservar um dos nossos maiores patrimônios imateriais: nosso idioma, símbolo da identidade e da cultura do povo brasileiro.
Em defesa desse projeto e, por extensão, da língua portuguesa, deve-se dizer que, se não
houver, em português, termos correspondentes e/ou equivalentes, os estrangeirismos - contribuições lexicais de outras línguas - são
muito bem-vindos, pois só tendem a enriquecer o nosso léxico e ampliar os horizontes de nossa mente. Acredita-se, no entanto, que
seria de bom alvitre aportuguesar-lhes tanto a grafia quanto a pronúncia, para se acomodarem à nossa realidade lingüístico-cultural.
Por exemplo, a palavra estresse, devidamente aportuguesada e dicionarizada (que alguns teimam em escrever sem os ee inicial e
final), já gerou por derivação dois neologismos: estressar e estressado.
Em contrapartida, caso possuam correspondência ou equivalência na língua portuguesa, os
estrangeirismos são não só lesivos ao patrimônio lingüístico-cultural brasileiro, como também empobrecedores do nosso léxico, porque
vão paulatina e sub-repticiamente solapando-o e fazendo cair em desuso termos e expressões genuína e tipicamente nacionais. Para que
usar sale, site, personal banking, fast food, entre um sem-número de outras, se existem no nosso
vernáculo palavras correspondentes?
Correspondência entre os termos quer dizer equivalência sêmica, ou seja, a presença de
absoluta correlação entre os semas - as menores unidades portadoras de significado - que compõem as palavras, no caso, estrangeiras
e brasileiras. Assim, existe absoluta correspondência sêmica entre palavras, tais como: coffee e café, milk e leite,
page e página, para citar apenas algumas.
Desrespeito - Utilizar estrangeirismos que possuem correspondência no vernáculo é, no
mínimo, uma incivilidade e um desrespeito a milhões de analfabetos, de semi-analfabetos e analfabetos funcionais, isto é, a todos os
cidadãos já excluídos do sistema, os quais assim permanecerão por gerações e gerações. É também um desrespeito aos decentemente
alfabetizados, os quais, entretanto, não têm conhecimento de outros idiomas. Num país já saturado de tantas mazelas, defender o
referido projeto é indubitavelmente um ato de cidadania.
Talvez o mais grave e lamentável resquício da colonização do Brasil seja a cultura do
colonialismo que, infelizmente, tem nos acompanhado desde o Descobrimento há, portanto, 500 anos. Assim, nossa primeira pátria
cultural foi Portugal; a segunda, a França; e a terceira, os Estados Unidos. Muitos brasileiros sofrem de um visceral complexo de
inferioridade. Nada do que é aqui feito ou produzido é bom o bastante, o que vem de fora - principalmente do Primeiro Mundo - é bem
melhor.
Essa cultura do colonialismo torna os indivíduos aculturados, portanto, culturalmente
colonizados; pois quem aceita a dominação cultural predispõe-se a ser colonizado, incorporando - consciente ou inconscientemente - a
cultura do colonizador. A isso Darcy Ribeiro chamou de "alienação cultural, que consiste na introjeção espontânea ou induzida em um
povo da consciência e da ideologia de outrem, correspondente a uma realidade que lhe é estranha e a interesses opostos aos seus".
A despeito de suas variações regionais, sociais e/ou culturais, as quais é preciso
respeitar, a língua portuguesa congrega e fraterniza - de Norte a Sul, de Leste a Oeste - os brasileiros ou os estrangeiros aqui
radicados. Em suma, ela possibilita o entendimento e a comunicação entre os usuários lingüísticos deste imenso País.
Projeto - Diante do exposto, cumpre afirmar que - ao visar primordialmente proteger e
preservar nossa língua da intensa descaracterização que tem sofrido com a enxurrada de estrangeirismos, alheios à nossa realidade
sociocultural e, ainda, ao visar responsabilizar o Poder Público pela melhoria "das condições de ensino e de aprendizagem da língua
portuguesa em todos os graus, níveis e modalidades da educação nacional" - , esse arrojado projeto deve ser defendido por todos os
cidadãos brasileiros.
E, embora já tenha sido aprovado pela Câmara dos Deputados, o projeto precisa - no momento -
ser também aprovado pelo Senado Federal e sancionado pelo Senhor Presidente da República. Em caso afirmativo, representará - sem a
menor sombra de dúvida - um decisivo passo para dizer um sonoro NÃO ao aculturamento, ao neocolonialismo, à dominação cultural e,
conseqüentemente, à alienação cultural. A sociedade brasileira sensibilizada só tende a agradecer.
(*) Lucie Didio, mestra em Letras pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, é professora de Língua Portuguesa na Universidade de Brasília. |