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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
O poder das palavras
Arlete Salvador (*)
Deve ter sido mera coincidência, mas não deixou de ser
conveniente a publicação, no mesmo dia, pelo Correio Braziliense, de duas reportagens tratando de questões ligadas à
linguagem. Aconteceu na edição de ontem. Uma delas discutia o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que proíbe o
excesso do uso de palavras estrangeiras no Brasil. A outra contava o fim da pendenga entre China e Estados Unidos para a libertação
dos 24 tripulantes de um avião americano detido em território chinês. O que uma coisa tem a ver com outra? Tudo.
Os Estados Unidos só conseguiram a liberdade para os tripulantes do avião depois de
atenderem às exigências do governo chinês. E o que os chineses queriam? Um pedido de desculpas pelo incidente. Nada de milhões de
dólares ou a redução das armas nucleares. "We are very sorry" (sentimos muito, desculpem-nos), capitulou o presidente dos
Estados Unidos, George Bush. O governo chinês saiu do episódio com a fama de grande estrategista diplomático por fazer o governo
norte-americano dizer aquela expressão numa carta oficial.
A lengalenga entre Estados Unidos e China durou onze dias e está sendo considerada a pior
crise diplomática entre as duas potências nucleares desde o fim da Guerra Fria. Já se imaginava até a possibilidade do início de um
conflito militar se os Estados Unidos não dissessem o tal we are very sorry — uma expressãozinha corriqueira, aliás, que os
americanos usam a toda hora, quando roçam no cotovelo uns dos outros.
O episódio internacional tem ligação com o projeto do deputado Rebelo porque demonstra a
força das palavras. É óbvio que, na disputa entre chineses e americanos, não estava em jogo o uso desta ou daquela expressão por
questões gramaticais ou formalidades burocráticas. Estava em discussão o sentido amplo das palavras. Um pedido de desculpas, no
caso, significou humildade, reconhecimento de um erro, arrependimento e respeito pela parte atingida. Não se tratou apenas de uma
palavra, mas de uma atitude. Era isso o que os chineses queriam e os americanos relutavam em dar.
O projeto do deputado, portanto, tem razão de ser. Talvez, na prática, não consiga mesmo
inibir o uso de palavras estrangeiras no cotidiano brasileiro, mas não se pode dizer que se trata de um projeto excêntrico ou
engraçado — jurássico, diriam alguns. Palavras são sempre muito poderosas. Quem já disse eu te amo alguma vez na vida sabe
disso.
(*) Arlete Salvador publicou este artigo na edição de
13/4/2001 do jornal Correio Braziliense, de Brasília/DF. |