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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 08/16/01 18:00:48

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
O poder das palavras

Arlete Salvador (*)

Deve ter sido mera coincidência, mas não deixou de ser conveniente a publicação, no mesmo dia, pelo Correio Braziliense, de duas reportagens tratando de questões ligadas à linguagem. Aconteceu na edição de ontem. Uma delas discutia o projeto de lei do deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP), que proíbe o excesso do uso de palavras estrangeiras no Brasil. A outra contava o fim da pendenga entre China e Estados Unidos para a libertação dos 24 tripulantes de um avião americano detido em território chinês. O que uma coisa tem a ver com outra? Tudo.

Os Estados Unidos só conseguiram a liberdade para os tripulantes do avião depois de atenderem às exigências do governo chinês. E o que os chineses queriam? Um pedido de desculpas pelo incidente. Nada de milhões de dólares ou a redução das armas nucleares. "We are very sorry" (sentimos muito, desculpem-nos), capitulou o presidente dos Estados Unidos, George Bush. O governo chinês saiu do episódio com a fama de grande estrategista diplomático por fazer o governo norte-americano dizer aquela expressão numa carta oficial.

A lengalenga entre Estados Unidos e China durou onze dias e está sendo considerada a pior crise diplomática entre as duas potências nucleares desde o fim da Guerra Fria. Já se imaginava até a possibilidade do início de um conflito militar se os Estados Unidos não dissessem o tal we are very sorry — uma expressãozinha corriqueira, aliás, que os americanos usam a toda hora, quando roçam no cotovelo uns dos outros.

O episódio internacional tem ligação com o projeto do deputado Rebelo porque demonstra a força das palavras. É óbvio que, na disputa entre chineses e americanos, não estava em jogo o uso desta ou daquela expressão por questões gramaticais ou formalidades burocráticas. Estava em discussão o sentido amplo das palavras. Um pedido de desculpas, no caso, significou humildade, reconhecimento de um erro, arrependimento e respeito pela parte atingida. Não se tratou apenas de uma palavra, mas de uma atitude. Era isso o que os chineses queriam e os americanos relutavam em dar.

O projeto do deputado, portanto, tem razão de ser. Talvez, na prática, não consiga mesmo inibir o uso de palavras estrangeiras no cotidiano brasileiro, mas não se pode dizer que se trata de um projeto excêntrico ou engraçado — jurássico, diriam alguns. Palavras são sempre muito poderosas. Quem já disse eu te amo alguma vez na vida sabe disso.

(*) Arlete Salvador publicou este artigo na edição de 13/4/2001 do jornal Correio Braziliense, de Brasília/DF.