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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 02/24/01 00:55:26

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
TRANSPORTE COLETIVO
Where is the bus? (Onde está o ônibus?)

Painéis em inglês nos terminais de ônibus da Rodoviária confundem a população. ‘‘Parece que tô em outro país’’, diz despachante


Marcelo Abreu (*)
Fotos: Edson Gês
Da equipe do Correio

Tá tudo dominado. Dominadíssimo. Maria Zanilda que o diga. Ela olhou. Piscou. Olhou de novo. Ajeitou o vestido. Tirou um pedaço de papel amassado do bolso e segurou a sacola que carregava com firmeza. Não acreditou. Seria miragem? Pensou que ‘‘as vista’’ estivessem ‘‘biroladas’’. Não estavam. Aos 33 anos, seus olhos enxergam muito bem. E viram coisas de fazer cabelo ficar de pé. No painel onde parte o ônibus para Brazlândia — não só nele, mas nos outros 68 que existem naquele lugar — os avisos luminosos desafiam a compreensão. E a paciência humana. O que deveria orientar passageiros, causa a maior reviravolta. Ninguém entende nada.

Milhares de usuários que circulam diariamente pela rodoviária não estão entendendo nada

A Rodoviária do Plano Piloto, melhor tradução de Brasília, por onde circulam 750 mil pessoas diariamente, virou — há cinco dias — terra do Tio Sam. Coisa chique. Coisa de primeiríssimo mundo... Pelo menos quando foi reinaugurada há dois anos e consumiu cerca de R$ 25 milhões dos cofres públicos, a intenção era exatamente essa: transformá-la num lugar tão agradável e bonito quanto um "aeroporto". Pretensão e água benta... Pena que nenhum ônibus nunca decolou dali.

Mas voltemos a Maria Zanilda, desolada, sentada no banco de mármore ao lado do ponto de  ônibus, ao meio-dia e meia. Do painel luminoso, coisas desconexas começaram a aparecer na  frente dela. Numa velocidade típica desses aparelhos, surge a palavra flash. Ela tenta pronunciar. Não consegue. Na verdade, nem tem tempo para ler direito. Logo em seguida, para seu desespero, vem a expressão big word.

— Big? Big, sim, Zanilda, respondeu a colega, com ares de entendida no assunto.

— Big é o que? Curiosíssima, Maria Zanilda insistiu. A colega da Rodoviária engasgou. Também não sabia. Mas não perdeu a pose:

— Aí, tu já quer saber demais...

QUASE AMERICANO - Ainda bem que o diálogo impossível, quase metafísico, parou no big. A confusão só estava começando. Depois de big word, vem a sucessão de loucuras, com pontinhos de exclamação — americanos adoram exclamações: open!, close!!!, flash run!!!!, left!!!, right!!, jump!, scroll open!!, scroll down!!. E para desespero geral: this is a led sign, it can write

Entendeu? Bobagem. Maria Zanilda também não. Ela não entendeu. E enlouqueceu. "Complicado? Meu Deus do céu, essa escrita aí não dá pra entender nada", diz a mulher, que só estudou até a 4ª série e nunca se atreveu a enveredar pela língua do Tio Sam. Envergonhada, confessa como conseguiu chegar ao ponto de Brazlândia: "É a segunda vez que venho aqui. Decorei o lugar e o número." O ônibus 403.1 chegou. Maria Zanilda embarcou. Deixou pra trás aquele monte de palavra esquisita que nunca viu na vida.

Francisco Carvalho, de 35 anos, ainda não enlouqueceu. Despachante da Rodoviária — aquele que checa horário de partidas e chegadas dos ônibus — o baiano de Jussara há cinco dias se sente "quase americano". E suspira: "Parece que tô em outro país. Só vejo nome estrangeiro..."

O povo é que fica perdido. "Se eu ajudo os passageiros? Ajudar em que, se eu também não entendo nadinha?..."  É. Loucuras do Tio Sam na Rodoviária de Brasília...

Tio Sam ainda fica

A dona de casa Maria Zanilda foi embora sem entender nada. Como ela, milhares de usuários. A língua da terra de Bill Clinton continuou enlouquecendo os passageiros. Enquanto isso, o administrador da Rodoviária, Valter Alfredo dos Santos, de 39 anos, tentava dar explicações para a confusão dos painéis eletrônicos. "Estamos em testes desde quinta-feira. Essas palavras que aparecem nos painéis são informações técnicas, mensagens da programação para os técnicos", justificou. E emendou: "Há oito meses, todos os painéis estavam desligados. Um raio atingiu a antena central, que provocou a pane da placa da rede do computador."

Oito meses sem painel, cinco dias de loucura. Cento e vinte horas em que a Vieira ironiza a confusão: 'Pra mim, isso é efeito da vaca louca'Rodoviária foi americanizada. "Pra mim, isso é efeito do mal da vaca louca", ironizou Eliseu Vieira, de 40 anos. "Se eu entendo alguma coisa que tá escrito aí? Só sei o rumo da minha casa porque conheço o motorista."

Valter Alfredo, o administrador, tenta colocar ordem na confusão: "Estamos com dois engenheiros eletrônicos, com especialização nos Estados Unidos, trabalhando nisso, para resolver o problema. Só a peça que será reposta custou R$ 18 mil." Ele só não soube dizer quando os dois engenheiros — com especialização nos Estados Unidos — deixarão os painéis "falando" português. Talvez um dia. Ou seria melhor, para combinar com o clima poliglota da Rodoviária: Maybe some day...

O repórter pergunta se ele entende o que está escrito nos painéis do lugar que administra. Valter Alfredo foi elegante. Digamos chique: "I don’t speak english". Em tempo: o administrador quis dizer: "Eu não falo inglês." 

Mas há quem, mesmo diante do caos, ainda se divirta com a história: "Minha mãe me pediu tanto pra eu aprender inglês. Se tivesse ouvido os conselhos dela", brinca o agente administrativo Luís Marco Peixoto, de 26 anos. 

Há quem se diga expert no assunto. Pelo menos, tenta demonstrar familiaridade com a língua da terra do x-burger. Na fila do ônibus para chegar à L2 Sul, a aposentada Sueli Nascimento, de 51 anos, arriscava a pronúncia: "Right não é noite?" Não, Sueli, right não é noite. Ela se justifica: "Sou economista e parei de estudar faz 29 anos. Só vi inglês no colegial..."

Enquanto isso, Maria Zanilda, a mineirinha do início dessa história, chegou à distante Brazlândia. Sem entender nadica de nada do que viu nos painéis da Rodoviária americanizada. (MA)

Como entender a rodoviária

Flash: rápido
Close: fechar
Open: abrir
Big word: grande palavra
Left: esquerda
Right: direita
Scroll open: movimento de abertura
Scroll down: movimento de descer
This is a led sign: isto é um sinal luminoso

Deputado quer punir excessos

Valéria Feitoza (*)
Da equipe do Correio

Globalização ou exclusão social? O uso de estrangeirismos na língua portuguesa é um assunto polêmico. Para o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), o uso excessivo de palavras estrangeiras no Brasil é a forma mais cruel de exclusão social. Desde 1999, tramita na Câmara um projeto do deputado que obriga o uso exclusivo da língua portuguesa no ensino, no trabalho, nos meios de comunicação de massa e na publicidade. "Usar estrangeirismos é um esnobismo desnecessário", ataca o deputado, que sugere como pena alternativa para os infratores recitar poemas de Castro Alves em salas de aula.

Em Brasília, o deputado distrital Wilson Lima (PSD) também é contra a invasão do inglês na língua portuguesa. Há cerca de seis meses, ele elaborou um projeto de lei que proíbe registrar qualquer edifício ou obra pública com nomes estrangeiros. "Se a gente não zelar pela nossa cultura, quem vai?", questiona o deputado.

Alguns estudiosos, porém, não enxergam nas línguas estrangeiras uma ameaça à cultura nacional. "Desde que existem os idiomas, existe o uso de estrangeirismos, e isso é muito saudável", afirma Enilde Faulstich, professora de Língua Portuguesa e Lingüística na Universidade de Brasília (UnB). Ela defende que criar leis para coibir o uso de palavras estrangeiras, além de desnecessário, não funciona. "A língua flui socialmente. É impossível criar barreiras", diz.


RODOVIÁRIA
Painéis ainda não informam

Apagaram os painéis eletrônicos da Rodoviária. Pelo menos por enquanto, nada mais de confusão com a língua do Tio Sam. Como os dois engenheiros — com especialização nos Estados Unidos — ainda não conseguiram resolver o problema, o administrador Valter Alfredo dos Santos, de 39 anos, tirou todos os aparelhos luminosos do ar. ‘‘Estava dando muita confusão. Os passageiros acharam esquisito e foi melhor assim’’, reconhece o administrador.

Desde a última quinta-feira, os 69 painéis passaram a exibir palavras e frases desconexas. Eram mensagens de teste só conhecidas pelos técnicos. Resultado: passageiros em polvorosa, gente perdida e muitos transtornos, principalmente para quem nunca tinha estado ali. Valter Alfredo não sabe informar quando os painéis voltarão a funcionar.

(*) Matérias publicadas no jornal Correio Braziliense, do Distrito Federal, em 20 e 21 de fevereiro de 2001. Originais em: [20/2]  e  [21/2].