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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
TRANSPORTE COLETIVO
Where is the bus? (Onde está o ônibus?)
Painéis em inglês nos terminais de ônibus da Rodoviária confundem a população. ‘‘Parece que tô
em outro país’’, diz despachante
Marcelo Abreu (*)
Fotos: Edson Gês
Da equipe do Correio
Tá tudo dominado. Dominadíssimo. Maria Zanilda que o diga. Ela
olhou. Piscou. Olhou de novo. Ajeitou o vestido. Tirou um pedaço de papel amassado do bolso e segurou a sacola que carregava com
firmeza. Não acreditou. Seria miragem? Pensou que ‘‘as vista’’ estivessem ‘‘biroladas’’. Não estavam. Aos 33 anos, seus olhos
enxergam muito bem. E viram coisas de fazer cabelo ficar de pé. No painel onde parte o ônibus para Brazlândia — não só nele, mas nos
outros 68 que existem naquele lugar — os avisos luminosos desafiam a compreensão. E a paciência humana. O que deveria orientar
passageiros, causa a maior reviravolta. Ninguém entende nada.
Milhares de usuários que
circulam diariamente pela rodoviária não estão entendendo nada
A Rodoviária do Plano Piloto, melhor tradução de Brasília, por onde circulam 750 mil pessoas diariamente,
virou — há cinco dias — terra do Tio Sam. Coisa chique. Coisa de primeiríssimo mundo... Pelo menos quando foi reinaugurada há dois
anos e consumiu cerca de R$ 25 milhões dos cofres públicos, a intenção era exatamente essa: transformá-la num lugar tão agradável e
bonito quanto um "aeroporto". Pretensão e água benta... Pena que nenhum ônibus nunca decolou dali.
Mas voltemos a Maria Zanilda, desolada, sentada no banco de mármore ao lado do ponto de
ônibus, ao meio-dia e meia. Do painel luminoso, coisas desconexas começaram a aparecer na frente dela. Numa velocidade típica
desses aparelhos, surge a palavra flash. Ela tenta pronunciar. Não consegue. Na verdade, nem tem tempo para ler direito. Logo
em seguida, para seu desespero, vem a expressão big word.
— Big? Big, sim, Zanilda, respondeu a colega, com ares de entendida no assunto.
— Big é o que? Curiosíssima, Maria Zanilda insistiu. A colega da Rodoviária engasgou. Também
não sabia. Mas não perdeu a pose:
— Aí, tu já quer saber demais...
QUASE AMERICANO - Ainda bem que o diálogo impossível, quase metafísico, parou no
big. A confusão só estava começando. Depois de big word, vem a sucessão de loucuras, com pontinhos de exclamação —
americanos adoram exclamações: open!, close!!!, flash run!!!!, left!!!, right!!, jump!,
scroll open!!, scroll down!!. E para desespero geral: this is a led sign, it can write.
Entendeu? Bobagem. Maria Zanilda também não. Ela não entendeu. E enlouqueceu. "Complicado?
Meu Deus do céu, essa escrita aí não dá pra entender nada", diz a mulher, que só estudou até a 4ª série e nunca se atreveu a
enveredar pela língua do Tio Sam. Envergonhada, confessa como conseguiu chegar ao ponto de Brazlândia: "É a segunda vez que venho
aqui. Decorei o lugar e o número." O ônibus 403.1 chegou. Maria Zanilda embarcou. Deixou pra trás aquele monte de palavra esquisita
que nunca viu na vida.
Francisco Carvalho, de 35 anos, ainda não enlouqueceu. Despachante da Rodoviária — aquele
que checa horário de partidas e chegadas dos ônibus — o baiano de Jussara há cinco dias se sente "quase americano". E suspira:
"Parece que tô em outro país. Só vejo nome estrangeiro..."
O povo é que fica perdido. "Se eu ajudo os passageiros? Ajudar em que, se eu também não entendo
nadinha?..." É. Loucuras do Tio Sam na Rodoviária de Brasília...
Tio Sam ainda fica
A dona de casa Maria Zanilda foi embora sem entender nada.
Como ela, milhares de usuários. A língua da terra de Bill Clinton continuou enlouquecendo os passageiros. Enquanto isso, o
administrador da Rodoviária, Valter Alfredo dos Santos, de 39 anos, tentava dar explicações para a confusão dos painéis eletrônicos.
"Estamos em testes desde quinta-feira. Essas palavras que aparecem nos painéis são informações técnicas, mensagens da programação
para os técnicos", justificou. E emendou: "Há oito meses, todos os painéis estavam desligados. Um raio atingiu a antena central, que
provocou a pane da placa da rede do computador."
Oito meses sem painel, cinco dias de loucura. Cento e vinte horas em que a Rodoviária foi americanizada. "Pra mim, isso é efeito do mal da vaca louca", ironizou Eliseu
Vieira, de 40 anos. "Se eu entendo alguma coisa que tá escrito aí? Só sei o rumo da minha casa porque conheço o motorista."
Valter Alfredo, o administrador, tenta colocar ordem na confusão: "Estamos com dois
engenheiros eletrônicos, com especialização nos Estados Unidos, trabalhando nisso, para resolver o problema. Só a peça que será
reposta custou R$ 18 mil." Ele só não soube dizer quando os dois engenheiros — com especialização nos Estados Unidos — deixarão os
painéis "falando" português. Talvez um dia. Ou seria melhor, para combinar com o clima poliglota da Rodoviária: Maybe some day...
O repórter pergunta se ele entende o que está escrito nos painéis do lugar que administra.
Valter Alfredo foi elegante. Digamos chique: "I don’t speak english". Em tempo: o administrador quis dizer: "Eu não falo
inglês."
Mas há quem, mesmo diante do caos, ainda se divirta com a história: "Minha mãe me pediu
tanto pra eu aprender inglês. Se tivesse ouvido os conselhos dela", brinca o agente administrativo Luís Marco Peixoto, de 26 anos.
Há quem se diga expert no assunto. Pelo menos, tenta demonstrar familiaridade com a
língua da terra do x-burger. Na fila do ônibus para chegar à L2 Sul, a aposentada Sueli Nascimento, de 51 anos, arriscava a
pronúncia: "Right não é noite?" Não, Sueli, right não é noite. Ela se justifica: "Sou economista e parei de estudar faz 29
anos. Só vi inglês no colegial..."
Enquanto isso, Maria Zanilda, a mineirinha do início dessa história, chegou à distante
Brazlândia. Sem entender nadica de nada do que viu nos painéis da Rodoviária americanizada. (MA)
Como entender a rodoviária
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Flash: rápido
Close: fechar
Open: abrir
Big word: grande palavra
Left: esquerda
Right: direita
Scroll open: movimento de abertura
Scroll down: movimento de descer
This is a led sign: isto é um sinal luminoso |
Deputado quer punir excessos
Valéria Feitoza (*)
Da equipe do Correio
Globalização ou exclusão social? O uso de estrangeirismos na
língua portuguesa é um assunto polêmico. Para o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B-SP), o uso excessivo de palavras estrangeiras
no Brasil é a forma mais cruel de exclusão social. Desde 1999, tramita na Câmara um projeto do deputado que obriga o uso exclusivo
da língua portuguesa no ensino, no trabalho, nos meios de comunicação de massa e na publicidade. "Usar estrangeirismos é um
esnobismo desnecessário", ataca o deputado, que sugere como pena alternativa para os infratores recitar poemas de Castro Alves em
salas de aula.
Em Brasília, o deputado distrital Wilson Lima (PSD) também é contra a invasão do inglês na
língua portuguesa. Há cerca de seis meses, ele elaborou um projeto de lei que proíbe registrar qualquer edifício ou obra pública com
nomes estrangeiros. "Se a gente não zelar pela nossa cultura, quem vai?", questiona o deputado.
Alguns estudiosos, porém, não enxergam nas línguas
estrangeiras uma ameaça à cultura nacional. "Desde que existem os idiomas, existe o uso de estrangeirismos, e isso é muito
saudável", afirma Enilde Faulstich, professora de Língua Portuguesa e Lingüística na Universidade de Brasília (UnB). Ela defende que
criar leis para coibir o uso de palavras estrangeiras, além de desnecessário, não funciona. "A língua flui socialmente. É impossível
criar barreiras", diz.
RODOVIÁRIA
Painéis ainda não informam
Apagaram os painéis eletrônicos da Rodoviária. Pelo menos por
enquanto, nada mais de confusão com a língua do Tio Sam. Como os dois engenheiros — com especialização nos Estados Unidos — ainda
não conseguiram resolver o problema, o administrador Valter Alfredo dos Santos, de 39 anos, tirou todos os aparelhos luminosos do
ar. ‘‘Estava dando muita confusão. Os passageiros acharam esquisito e foi melhor assim’’, reconhece o administrador.
Desde a última quinta-feira, os 69 painéis passaram a exibir palavras e frases desconexas.
Eram mensagens de teste só conhecidas pelos técnicos. Resultado: passageiros em polvorosa, gente perdida e muitos transtornos,
principalmente para quem nunca tinha estado ali. Valter Alfredo não sabe informar quando os painéis voltarão a funcionar.
(*) Matérias publicadas no jornal
Correio Braziliense, do Distrito Federal, em 20 e 21 de fevereiro de 2001. Originais em: [20/2] e [21/2]. |