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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Paideia
A educação para a virtude - um projeto urgente para o Brasil
Luiz Otávio de Oliveira Amaral (*)
A educação é uma função tão natural e universal da comunidade
humana e tão auto-evidente, que tem exigido, por isso mesmo, muito tempo para ser plenamente compreendida, tanto pelos que a
recebem, quanto pelos que a praticam. Daí, com efeito, a tardia literatura específica e hoje a profusão de teorias, doutrinas e
achismos acerca do tema. Já nos antigos gregos o conceito arete (cuja tradução para a atualidade não é fácil), a virtude
da têmpera heróica, ética e da nobreza que caracterizava a bravura guerreira dos cavaleiros, eis talvez o primeiro conceito de
educação, de formação do homem. O homem vulgar, assim, não tem arete. A arete é, então, um atributo da excelência
humana, a beleza de caráter que orienta a praxis (a ação cotidiana) humana para o Bem, é enfim a unidade suprema de todas as
excelências.
Em Homero (Ilíada e Odisséia) vamos encontrar este conceito helênico de
formação do homem grego de então: “Hipóloco me gerou, a ele devo a minha origem. Quando me enviou a Tróia, advertiu-me
insistentemente que lutasse sem cessar por alcançar o poder da mais alta virtude humana e sempre fosse, entre todos, o primeiro”.
Eis aí o mais belo sentimento pedagógico da arete - o mais perfeito equilíbrio entre altivez e magnanimidade cujo troféu é a
honra. Outra poética e emblemática passagem da Ilíada acerca dos fins da educação é quando o velho Fênix, educador do jovem
Aquiles, herói-protótipo dos gregos, recorda o fim para o qual foi educado: "Proferir palavras e realizar ações". Como se vê, com
razão Platão considerou Homero o educador de toda a Grécia.
A paideia - estruturação da vida individual, assente em princípios de virtude
absoluta, cultivo da perfeição humana - é o meio para se alcançar a arete. Com efeito, já houve tempo em que se considerava a
paideia (mais ainda a agoge espartana) o mais alto fim do Estado (polis). Tudo na vida dos helênicos girava em
torno do ideal da arete. As artes: a arete da tragédia, da comédia, da poesia, da música (Homero, Ésquilo, Sófocles,
Simônides, Tirteu...); a filosofia, ou arete do saber (Sócrates, Platão...); os esportes/ginástica (arete da força
física/ideal olímpico); a política (politeia=vida pública+vida privada, em Péricles, politeuma).
Conceito ampliado - É com os sofistas que o conceito restrito de educação se amplia e
se eleva até a mais alta arete humana, superando o simples conceito de “criação dos meninos” (em Sete contra Tebas, de
Ésquilo) primeira referência ao conceito educação que já agora abarca o conjunto de todas as exigências ideais, físicas e
espirituais que conduzem à formação humana mais ampla e consciente (humanitas, em Cícero; Bildung em alemão, algo como
cultura superior).
É bem expressivo, por outro lado, que Platão, Isócrates, Demóstenes, dentre outros,
considerem o defeito especifico da retórica - a arte maior dos sofistas - o falar para agradar aos homens e não para atender o
"bem eterno", é corrupção do discurso (crise da arete retórica, a pseudo-paideia).
Daí porque hoje, quando somos acometidos da síndrome moderna da avalanche teórica (de
opiniões, achismos, que em certos casos não vão além do mero rebatizar de denominações) que sufoca a todos, é curial o crivo
da condenação reiterada de Platão aos sofistas (inclusive Górgias de Leontini e Protágoras os maiores dentre os muitos sofistas da
antigüidade clássica): porque eles reduzem o conhecimento à opinião e o bem à utilidade, relativizando valores e princípios
absolutos para a vida humana, não ostentam mais que "sapiência aparente" (isto foi depois, também, confirmado por Aristóteles).
Assim, toda e qualquer retórica cientifica descomprometida com sua efetividade, livre da
necessidade probatória, nos leva a certo grau de desconfiança. A novidade superante é sempre uma necessidade da jornada humana, mas
a natureza não dá saltos, e a imposição absoluta do novo só pela novidade é tolo desafio à natureza dialética daquele evoluir
humano.
Nova educação - Da educação nas sociedades primitivas, que visava apenas manter a
imutabilidade sagrada das técnicas culturais, embora não se desconhecesse que nenhuma sociedade humana sobrevive sem que sua cultura
seja transmitida de geração para geração - esta entrega (do latim tradere) de cultura é a tradição - passou-se para a
nova educação, nas sociedades ditas (mais) civilizadas que incorporam, além daquela transmissão cultural, o dado novo do
aperfeiçoamento e correção da tradição.
É que "todas as coisas mudam sempre sobre uma base que não muda nunca" (Ruy/1910). Assim,
por exemplo, os conceitos de Direito (sempre o reto, o justo), de democracia (evoca sempre povo), de pedagogia (paidagogia, evoca
sempre a idéia de condução, daí o escravo - o paidagogo - que conduzia pelas mãos a criança à escola, ao saber).
Mudam as palavras, mas as coisas em si (ou seus conceitos) são as mesmas: educar é alterar a
natureza humana, é tornar os homens melhores, enfim alcançar a arete é o propósito de nossa vida; a pedagogia sofista bem
divisou isto. Há a virtude cívica (arete política) que é o fundamento do Estado; há a verdade como virtude essencial da
ciência (episteme) e diria mais: de toda educação; há a virtude do indivíduo que é múltipla: a solidariedade, a eticidade, a
justiça, além do adestramento/instrução técnico-profissional (parte não essencial da paideia autêntica, que visa formar o
homem na arete total). A virtude em Platão se decompunha em: justiça, prudência, piedade e valentia.
Pedagogia - Antes de ser ciência autônoma, a pedagogia era parte integrante da ética
ou da política e elaborada unicamente em atenção aos fins propostos pela ética e pela política ao homem, isto enquanto pensar
filosófico especificamente pedagógico. Porém, enquanto natureza prática/empírica, a pedagogia se referia ao primeiro e mais
elementar adestramento da criança para a vida (privada e pública).
Eis aqui o ponto crucial desta especulação: este viés prático/pragmático (hoje mais
adestramento utilitarista) anulou a razão de ser (a arete total, a formação virtuosa do educando, adulto ou criança) da
pedagogia e conseqüentemente da educação. Daí, as deformações nos quadros dirigentes da sociedade brasileira em especial, porquanto
se a sociedade não mais devota dedicação absoluta aos valores/virtudes paradigmáticos (o bem por princípio e a vantagem por
decorrência/premial) seus indivíduos só podem mesmo tolerar e pior, aspirar, também, pilhar o interesse público.
Por que será que tantas “autoridades” têm sido ocasionalmente flagradas em desvirtudes,
falhas e crimes infamantes? A resposta até pode ser: por causa de arroubos de virtudes de algumas autoridades, cumulados com o
interesse jornalístico/comercial da imprensa. Mas a resposta plena de verdade é que: estes casos só representam a ponta do iceberg,
ou seja, há fora das vistas uma consciência permissiva cada vez maior no seio da sociedade. Já se vê mesmo um Estado marginal dentro
do Estado oficial.
O que se dirá das listas de homenageados, condecorados e premiados com os mais altos cargos
públicos, listas essas repletas de indignidades “politicamente corretas (?!)”. Pesquisem-se tais listas e comprovar-se-á o quanto há
de inversão moral. A propósito, é bem atual a advertência de Platão: importa mais infundir à polis um ethos (o
espírito ético) bom e não dotá-la dum amontoado de leis...
Direito/Educação - Com efeito, o Direito tem forte poder educativo. Por outro lado, a
educação tem forte sabor jurídico (é pobre, senão paupérrima a educação que só ensina o fazer, o ter e despreza o ser: o ser
justo, ser ético, o ser cidadão, o ser bom, enfim). Reconhecer isso passa longe de eventuais disputas ou hegemonias profissionais,
acadêmicas; eis que é imperativo de sobrevivência e progresso social de um povo. Ontem já era assim; hoje, no entanto, é cada vez
mais urgente tal compreensão estratégica.
Então, faz-se urgente conciliar o amor pelo eu subjetivo (antítese do eu comunitário) com a
totalidade do mundo circundante. O culto da alma individualizada com a consciência viva da comunidade, da cidade/estado, com a
virtude cívica genérica de cada eu.
Em suma, trata-se de harmonizar os interesses privados/individuais com os interesses
públicos/cívicos. Até porque são realidades de alta reciprocidade de interferência: um bom estado exige um bom cidadão e vice-versa,
ou seja, um cidadão que saiba mandar e obedecer orientado pelo fundamento da justiça. Tudo isto é função da educação autêntica,
instrumentalizada pelo ensino das virtudes (ou melhor da virtude que é única, mas que apresenta porções ideais).
Com efeito, foi a cultura ática a primeira a equilibrar as duas forças: o impulso criador do
indivíduo e a energia unificadora da comunidade política. Nem o benfazejo apogeu da alma individualizada, do ente individual/pessoa
humana que surge com o cristianismo, nem a radicalização individualista do liberalismo (e pior ainda do neoliberalismo) devem tolher
a vocação - conquanto essencial, hoje bastante minimizada - da educação enquanto ensino ético-político, verdadeiro eixo de
sustentação da formação integral do homem contemporâneo, máxime do brasileiro.
Essência - A formação ética e política é, assim, parte essencial da verdadeira
paideia, da educação autêntica. Daí porque Tucídides disse: “chamo à nossa cidade a alta escola da cultura da Hélade”. Como se
vê, o Estado é, ou deveria ser, a mais alta escola da cultura plena e a vida privada a propaideia (base/preparatória da
paideia) da vida pública (da paideia política).
A formação do caráter, na perspectiva da arete total, da perfeição humana, deve ser
levada a efeito desde cedo, como uma hodierna propaideia; educar a todos para serem dignos do trono real. Já que temos de
viver inexoravelmente em sociedade e organizada minimamente, é então indispensável, que desenvolvamos as virtudes públicas/cívicas (civita/polis=Estado),
o “estado dentro de nós”, como pregava Platão (República).
Todavia, a sementeira desta paideia contemporânea só pode frutificar em regime de
tempo integral e desde a primeira infância até o último suspiro, eis que a educação plena jamais se completa, senão a vida. A
perfeição humana, a educação total (arete total) é sempre, uma fórmula de eterna procura, tal como a justiça, a democracia,
objetos de desejo jamais alcançáveis enquanto resultado absolutamente conclusivo ou terminativo.
Pressuposto - Ensinar pressupõe a crença de que mudanças são possíveis, de que o
discurso da acomodação não melhora as dores do mundo; daí porque o ato de ensinar é constante exercício da faculdade humana de
criticar.
É preciso criticar, discutir, mudar, enfim não parar de buscar a razão de ser de nossa ação
educativa, este é o problema fundamental de toda educação: o educando na perspectiva do estadista e este na perspectiva do pedagogo;
vale dizer: a meta-exemplo e o projeto consciente de seu melhor fim.
É educação em sentido mais alto, mais que mero adestramento para o fazer, ou para o ter. É,
pois, educação no sentido ético, como supremo bem e suma felicidade humana, o bom e o belo a serviço da formação do homem.
Segue-se que uma escola, sobretudo a universitária, muda e passiva, já não merece tal
denominação, senão a de túmulo do progresso humano. Como nossa atual educação (em todos os níveis da sedimentação educativa) tem
reagido ao patético quadro social (interferente no individual, é claro) que nos envolve? Ou na base do "salve-se quem puder" (bem ou
mal dissimulado: por exemplo, "não nos envolvemos em política/cuidamos apenas de formar profissionais"); ou "fazemos o que é
possível" (por exemplo: "trouxemos um político/um filme para discussão, temos uma disciplina específica...").
Ora, o Brasil dos excluídos, da violência e corrupção generalizada, da dissolução
cultural..., mais do que episódicas preocupações ou campanhas pontuais, está a exigir de nossa educação em geral um constante
exercício da reflexão ético-social perpassando todos os momentos da vida e na perspectiva da educação total e permanente, cuja
iniciação se dá na escola que é, nada mais nada menos, o espaço inicialmente mais propício nesta paideia total. O grande
educador Paulo Freire educa-nos ao proclamar: "Estou convencido da natureza ética da prática educativa"; mas, por certo, da ética
universal, não da "ética do mercado". (Out.1999).
(*) Luiz Otávio de Oliveira Amaral é advogado militante,
ex-professor de Direito na UnB e UDF, ex-diretor de Faculdade de Direito em Brasília. Atualmente leciona e é coordenador pedagógico
da Faculdade de Direito da Universidade Católica de Brasília (UCB). Foi assessor de ministros da Justiça e da Desburocratizarão/Presidência
da República. Autor de "Relações de Consumo" (4 volumes); "O Cidadão e Consumidor" (co-autor); "Comentários ao Código Defesa do
Consumidor", coord. Prof. Cretela
Júnior (Ed.Forense) e "Legislação do Advogado", MJ, 1985. Possui outras obras e vários
artigos publicados sobre Direito, Educação e Ética. |