Arthur Virmond e Suplicy de Lacerda (*)
Instaurou-se no Brasil, de uns tempos para cá, o uso
corrente de termos e expressões da língua inglesa em meio ao português e mesmo com exclusão deste, como sinal de sofisticação
e requinte. Criou-se um valor cultural: o de que se ostentar um certo idioma estrangeiro importa em prestígio para quem assim
pratica.
É curioso. É patético que tal mentalidade se tenha constituído em um país em que há
analfabetismo e, de parte dos alfabetizados, um desapego acentuado à leitura e pois, ao convívio com as formas melhor
articuladas do idioma. Tornou-se valorizado ostentar-se o inglês embora não se tornasse proporcionalmente desprestigiante
saber-se mal o português, padecer-se de pobreza vocabular, incorrer-se em erros de sintaxe, de concordância, de regência de
tempo verbal.
Inverteram-se os valores, dispensando-se a qualidade do que é essencial, no que nos é
próprio e indispensável, em favor da ostentação artificial de um idioma estrangeiro.
Tal fenômeno deve-se em parte à globalização. Porém não iludamos os fatos: enquanto parece
natural, talvez mesmo inevitável, o uso do inglês no mundo comercial e técnico e a importação da tecnologia norte-americana
(sobretudo informática), razão nenhuma existe para introduzirmos o idioma inglês como se fora nosso ou indispensável.
Ao contrário, dotados que somos de idioma próprio, antigo, de séculos, rico de imenso
vocabulário, farto em recursos de expressão, cultivado no Brasil (e não só) por escritores admiráveis e belo de ouvir-se
quando bem falado, sobram-nos razões, estas e outras, para sermos ciosos dele como de um dos nossos melhores patrimônios, como
um aspecto de nossa identidade cultural, daquilo que somos enquanto povo caracterizado no mundo globalizado.
Encher o português de anglicismos por puro modismo ou por preguiça de traduzir ou de
inventar, além de nada honroso, é uma forma de colonialismo, e do pior tipo, daquele em que o colonizado toma a iniciativa
da subalternização.
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De importarmos a tecnologia ianque, não se segue que devamos fazê-lo em inglês: recebamos do
estrangeiro o que nos falta e usemo-lo com o que nos sobra, quero dizer, com vocabulário próprio. Não é muito mais natural
dizermos "programa" ao invés de software e ratinho ao invés de mouse, numa tradução simpática que agrada às
crianças?
De tanto insistir-se nos anglicismos, muitos bons brasileiros e, o que é mais preocupante,
muitos jovens, vão desaprendendo o vernáculo, ainda que inconscientemente, como se para certas situações houvesse apenas os
termos em inglês e nenhum equivalente em português, quando o normal seria pensar-se precisamente o inverso. Quem saberia o
equivalente de show, de hobby, de ranking? (Recordo-os: espetáculo ou concerto, passatempo, tabela ou
lista, tudo do bom e velho português).
Algumas pessoas aderiram à mania de inglês na convicção de que através dela tornar-nos-íamos
iguais aos EUA. Todavia imitando uma língua estranha, qualquer que seja, o máximo que conseguimos é poluir a nossa,
sabidamente das mais ricas e belas. Dos americanos devemos imitar, isso sim, o espírito público dos governantes, a eficiência
de suas instituições, a produção de suas universidades, seu patriotismo, seu apego à sua bandeira, a sua história, a sua
cultura, ao seu... idioma.
Seremos semelhantes aos EUA quando alguns de nossos valores assemelharem-se aos deles, quero
dizer, quando nos sentirmos convictamente brasileiros, assim como eles sentem-se convictamente norte-americanos, e quando
afirmamos nossa brasilidade assim como eles fazem-no quanto a sua condição nacional. Ombrearemos com os EUA e com o primeiro
mundo em geral quando um de nossos ciúmes e de nossos zelos for nosso idioma.
Nisto de mania de inglês, o pior são os nomes de lojas comerciais e dos edifícios, que uma
vez atribuídos dificilmente serão substituídos, permanecendo como testemunhos de uma fase em que adotamos a postura de
colonizados culturalmente.
Porque, afinal de contas, encher o português de anglicismos por puro modismo ou por preguiça
de traduzir ou de inventar, além de nada honroso, é uma forma de colonialismo, e do pior tipo, daquele em que o colonizado
toma a iniciativa da subalternização.
Contudo, assim como há maré enchente e maré vazante, começou o refluxo: os projetos de lei
em Brasília e em vários municípios para coibir a invasão idiomática, o fato de que ela já é tema recorrente entre as pessoas,
as várias intervenções de leitores neste mesmo diário, alguns adesivos pró-português em automóveis, o purismo em várias
empresas, tudo evidencia o gosto amargo da anglomania e sobretudo ser preciso um momento de reflexão para ponderarmos se
queremos ser brasileiros de fato ou se conseguimos ser apenas macaquinhos do Grande Irmão.
Quanto a mim, já me decidi pelo meu país, pela minha cultura e pelo meu idioma. E você?
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Arthur Virmond e Suplicy de Lacerda é professor de
Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC-PR) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Mestre em História do
Direito. Este artigo foi publicado no jornal Gazeta do Povo, de Curitiba (PR) em
18 de novembro de 2000, na Página de Opinião (1º Caderno). |