Nossa pobre língua em discussão
Projeto visa proteger e incentivar o ensino da língua portuguesa, considerada soberana
na cultura brasileira
Fernando Comitre (*)
A história nos ensina que uma das formas de um povo (N.E.:...se
impor...?) sobre o outro se dá pela imposição da língua. Por quê? Porque é o modo mais eficiente, apesar de lento, para
impor toda uma cultura, seus valores, tradições e costumes. E hoje, com a marcha acelerada da globalização, o fenômeno parece
se repetir, claro que de modo não violento, mas não menos preocupante, sobretudo quando se manifesta de maneira abusiva,
muitas vezes enganosa, e até mesmo lesiva à língua como patrimônio cultural.
É com esse objetivo que o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B - SP) elaborou o projeto
que, segundo ele, vem para proteger e preservar, bem como definir o uso de certas palavras de línguas estrangeiras,
enaltecendo um dos maiores símbolos da cultura nacional: a língua portuguesa.
Segundo o deputado, nenhum cidadão brasileiro tem a obrigação de entender que uma mercadoria
on sale significa que esteja em liquidação, ou que 50% off quer dizer 50% a menos no preço. Ele afirma que isto
não é abusivo, mas tende a ser enganoso, pois tais práticas, de uso freqüente em estabelecimentos comerciais, tornam-se
danosas ao patrimônio cultural representado pela língua.
Aldo explica que atualmente se assiste uma descaracterização da língua portuguesa, tal a
"invasão do estrangeirismo", classificada por ele de desnecessária e indiscriminada. "Para que usarmos palavras como recall,
franchise, coffee-break, ou aportuguesarmos outras como database, starta e atachar, isto
tudo é de gosto duvidoso e em geral despropositado".
Ele aponta que o mais grave é que muitas das palavras expressas em língua estrangeira, na
maioria das vezes pelo inglês norte-americano, têm sinônimos na língua portuguesa, mas não são utilizadas. "O agravante é que
muitos termos nos chegam importados e são incorporados à língua falada e escrita sem nenhum critério lingüístico", ressalta.
Para coibir isto, o projeto prevê sanções administrativas (multas) de 13 mil UFIRs (R$
12.610,00) sem prejuízo de sanções de natureza civil e penal pelo crime de corromper o idioma.
Improvável - Para a professora doutora em lingüística, Vera Lúcia Grando, todas as
nações estão sujeitas à influência cultural das outras, ainda mais pelo idioma. "A língua está sujeita a mudanças, pois é
dinâmica. Nós vivemos em uma nação aberta, então recebemos diversas interferências", declarou.
Mas, segundo a professora, o fato de utilizarmos alguns vocábulos de outros idiomas não
significa que estamos sendo dominados. "Falar algumas palavras em inglês não quer dizer que fomos dominados. Isso apenas
acontecerá quando todos, de uma forma geral, tornarem-se bilíngües", afirmou.
Para ela, o máximo que pode acorrer é a introdução de algumas palavras, mas nunca de um
idioma inteiro. "Apesar a língua ser um sistema aberto, essa total influência é improvável".
No Brasil, Vera Lúcia vê como pouco provável o progresso desse processo, pois poucos têm
acesso à cultura. "Em nosso país, o número de analfabetos é muito grande. Podem ocorrer algumas mudanças, mas são
normais pois a língua é dinâmica e está em constante evolução. Quando se anula uma palavra nasce outra em seu lugar". Sobre o
projeto do deputado Aldo Rebelo, crê não ser necessária a criação de uma lei para a defesa da língua portuguesa, pois o
consenso do uso são dos falantes.
"Independente se haja uma lei ou não, ficará para o falante o poder de decidir até que ponto
será essa miscigenação das línguas", completou.
Locadora de veículos é exemplo do uso do inglês
nos estabelecimentos comerciais
Foto: Alcione Herzog.
Conscientização: a melhor defesa da língua
Alcione Herzog (*)
"Por causa da hora do rush atrasei-me no trânsito e não consegui terminar aquele
job. Por esse motivo, amanhã vou bancar o workhaolic e não vou no snooker bar com meus amigos". Estas frases
poderiam ser construídas inteiramente com palavras da língua portuguesa sem causar o mínimo prejuízo ao seu entendimento, já
que somos brasileiros e nosso idioma é o português. Porém, cada vez mais nos defrontamos com a popularização de termos
estrangeiros, especialmente o inglês, embora quase sempre tenhamos similares em nosso idioma. Atento a esse fenômeno, foi
criado o Grupo de Defesa da Língua Portuguesa.
O grupo que hoje tem nível nacional, nasceu em Santos a partir da preocupação com o futuro
do idioma nacional e de nossa cultura em função da penetração de palavras e expressões americanas nas mais variadas situações.
O objetivo do movimento é esclarecer e mobilizar as pessoas para a importância de preservar esse patrimônio nacional que é a
língua portuguesa. O alvo principal da campanha são os formadores de opinião pois são eles os facilitadores da massificação da
língua inglesa no país. Segundo Albano Fonseca, um dos fundadores do movimento, o homem simples ainda tem barreiras naturais
contra expressões a que não está acostumado e nem entende direito. Porém, quando são intensamente veiculadas pela mídia acabam
incorporando-as em seu linguajar.
A principal atividade do movimento é o esclarecimento, inclusive dos empresários. Quando
identificam anúncios publicitários com grande quantidade de palavras em inglês encaminham um ofício para sensibilizar a
empresa a substituí-los. Foi o que aconteceu com a West Coast que anunciou, em dois painéis da cidade, uma mensagem
publicitária em inglês.
Ele explica que a preocupação em ajudar a manter viva a língua portuguesa se justifica em
três pontos: em função de sua beleza e riqueza, raras em outros idiomas; por ser a língua um dos fatores que reforçam a
identidade cultural, um elo que mantém unido um país tão grande e complexo como Brasil; e pela necessidade de resistir à
intenção política e econômica que há por trás da difusão de idiomas estrangeiros. Neste último ponto, salienta que as
expressões em inglês preparam as pessoas para a assimilação de costumes americanos. Da mesma forma, os hábitos e costumes
preparam o inconsciente coletivo para o desejo de consumo. "Quanto mais se permite essa penetração cultural, mais
desnacionalizamos nossa cultura; quanto mais se aceita que o padrão de lá é bom, mais desvalorizamos nosso país", ressalta.
Segundo Albano, o Grupo em Defesa da Língua Portuguesa não é radical e está abeaarto à
participação de todos que se interessarem. A entidade se reúne no Sindicato dos Petroleiros, na Avenida Conselheiro Nébias,
248, às quartas-feiras, às 19 horas. O Grupo também possui um fórum de debate na Internet. O endereço é
www.novomilenio.inf.br/idioma/.
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Para a professora Benalva, a influência de outras línguas não prejudica nem acaba com a
língua portuguesa. Tudo que é vivo se transforma. E a língua é viva. Foto: Daniela Santana |
Idioma nacional sofre transformações
Daniela Santana (*)
A questão da língua portuguesa para a professora da Universidade Católica de Santos (UniSantos)
e coordenadora do Congresso Lusófono de Comunicação (Lusocom), Benalva da Silva Vitório, deve ser vista não só na sua forma e
estrutura, mas numa relação do homem com o meio.
A influência de outras línguas não tende a prejudicar, e sim, transformar a língua
portuguesa. "Tudo o que é vivo se transforma. E a língua é viva, tem que mudar".
Benalva acredita que é impossível manter o purismo de uma língua, sem considerar que as
pessoas estão em contato umas com as outras e elas estão carregadas de valores, e, nesse contato, há a manifestação através da
língua.
Segundo ela, nesse momento em que promovemos uma aproximação dos países lusófonos, ou seja,
os países que falam oficialmente a língua portuguesa, é evidente que o idioma será transformado. "O nosso contato mais direto
com Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde vai nos mostrar uma maneira diferente do português, de falar e entendê-lo".
A globalização também contribui para o uso do idioma estrangeiro, mas Benalva considera
favorável a mistura. "Se nós nos isolarmos, podemos até preservar as coisas que temos, mas acho que a tendência não é essa.
Não interessa ficar isolado, a gente tem que trocar, se relacionar", afirma.
Explica que esse é um processo novo, que as pessoas devem entender e não ficar preocupadas
com a possibilidade da língua portuguesa morrer. Ela está se transformando, e esta transformação é rica.
Durante o Lusocom, realizado em abril, em São Vicente, Benalva acrescentou que o português
de Portugal também está se transformando, devido ao conhecimento importado com o português do Brasil, o que ocorre com a
introdução das novelas brasileiras.
Quanto à questão da língua espanhola, destaca que mais importante do que aprendê-la, é
conhecer a cultura dos nossos países vizinhos. "O que sabemos da cultura dos paraguaios, uruguaios e argentinos? Não é só o
muambeiro paraguaio ou traficante uruguaio. Quem é esse outro que é carregado de uma cultura de valores? Se nós não
conhecermos esse outro, não adianta nada saber a língua dele. A língua é a expressão de um povo, de uma cultura."
Benalva concorda com o projeto do deputado federal Aldo Rebelo, apenas pelo fato de as
palavras, muitas vezes, perderem o sentido com o uso excessivo do idioma estrangeiro. Acha que é válido substituir expressões
estrangeiras por nacionais.
Ela cita o exemplo da palavra workshop. Por que não falar oficina? Será que as
pessoas sabem o significado de workshop ou somente repetem a palavra? Essa palavra tem o sentido de oficina, de
relacionar prática e teoria. Então, por que não falar de uma forma mais clara? Não é escrever o português e deixar de escrever
o inglês, é que sentido têm as palavras e expressões".
A maior preocupação da professora é em relação à língua na comunicação, que é o sentido das
palavras. "Como o aluno está lendo? Ele está entendendo? Está se relacionando? Isso é que é importante!", finaliza.
(*) Os textos, completados com a íntegra do
projeto de lei 1.676, ocupando toda a página 6 dessa edição, foram produzidos por alunos da Faculdade de Comunicação de
Santos (Facos) da Universidade Católica de Santos (Unisantos), dentro do convênio
firmado por essa faculdade (que mantém o jornal-laboratório Entrevista) e pelo
jornal Boqueirão News. A matéria foi publicada somente na versão impressa do
jornal. |