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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Lingüísticas
Cláudio Weber Abramo (*)
Outro dia, encontrando-nos presos no trânsito de uma rua dos
Jardins, em São Paulo, a pessoa que me acompanhava teve a atenção despertada pelos dizeres de uma vitrina: "SALE". Por um momento,
imaginamos tratar-se o proprietário de um xenófobo, que estaria desse modo exprimindo falta de disponibilidade de atender clientes
de língua espanhola: "fora daqui, cucaracho". Ou, quiçá, era uma mercearia freqüentada por italianos, que anunciava dispor de sal em
abundância. Descartamos como improvável a hipótese francesa, pois dificilmente um lojista apregoaria estar seu estabelecimento
encardido. Logo, porém, de-mo-nos conta de que a explicação era outra, pois outra era a língua - tratava-se de uma liquidação,
apregoada em inglês.
Também registramos o
problema, na página Falta a Legenda...
Motivados por tal revelação, começamos a prestar mais atenção nas
placas dispostas ao longo da rua: uma lista interminável de denominações estrangeiradas, umas com palavras existentes, outras
grafadas erroneamente, outras ainda fruto de imaginações frenéticas. Seria decerto temerário deduzir que todos aqueles
estabelecimentos comerciais tivessem adotado o idioma inglês como trade lingo por conta da necessidade de se fazer
inteligíveis às classes alta e média alta, suas freqüentadoras. Afinal, a burguesia brasileira certamente não se caracteriza pela
amplitude das experiências culturais. Embora maneje com excepcional maestria os mecanismos do overnight, do open market,
do gold trade, do dollar black market e de outros gêneros de ociosidade financeira, sua familiaridade com a língua -
qualquer língua - não é o que se poderia chamar de íntima.
Na verdade, tal público é atraído pela mera simbologia do idioma estrangeiro, que por ser
estrangeiro é considerado chique, "moderno", acima da massa. É por isso que o pessoal pede "salmon", com biquinho, em vez de
salmão. Os nomes das lojas, os dizeres, as designações de comidas nos cardápios (outro dia lia-se "ngoch" numa cantina; eram
inhoques) são, creio, o que os comunicólogos chamam de signos sem significado. Que nomes de lojas não precisem significar coisa
alguma ainda vá lá; mas é grave que enunciados pretensamente informativos padeçam do mesmo defeito.
Embora não sejam responsáveis pelo fenômeno, os publicitários brasileiros, príncipes do
equívoco, contribuem valentemente para sua disseminação, acumpliciados com as empresas que usam seus serviços. Vira e mexe, os
comerciais começam a falar estrangeiro. Ora, a população que assiste TV mal entende português, que dizer dessa algaravia.
Naturalmente, a proficiência dos publicitários no uso do inglês só é pior do que sua falta
de desenvoltura com o português. Os erros são freqüentes e, às vezes, hilariantes. Assim, por exemplo, num anúncio de calças tipo
rancheiro (ou jeans), uma moça traduz, para um norte-americano de quem se subtraiu essa peça de vestuário, perguntas
formuladas por um delegado de polícia. Os guardas que circulam pela delegacia (ou seria mais adequado dizer precinct?) vestem
uniformes como os dos tiras do seriado "Os Intocáveis".
Em meio ao diálogo, o policial pergunta: "Sua altura?". Ao que a moça solicitamente repete:
"Your Highness?". Assim transformada em Alteza, a vítima do roubo recebe de presente do delegado um novo par de calças, em
mais uma demonstração explícita de que esse pessoal todo está aí mesmo é para servir ao patrão. No fim, adentra a cena o grupo de
meliantes que arrancara as calças do turista. Vestidos como porto-riquenhos do East Harlem ou chicanos de Los Angeles, são
levados ao encontro da lei.
Em outro canal, prossegue uma novela que pretensamente retrata "o Brasil que o Brasil não
conhece". A trama passa-se numa companhia de rodeios, essa manifestação cultural tão genuinamente tupiniquim. Todo mundo se veste
como personagens de filmes classe "B" de caubói (cow-boy, ou seja, atendente-de-vaca). Também ouviam muita música
country, que a pretensiosa ignorância nacional pronuncia "cáuntri", em geral com a boca cheia, orgulhosa do
cosmopolitismo, igual ao que sucede nas épocas eleitorais, quando os broches dos candidatos são designados, vocalmente e por
escrito, como "bottons", misto de button e bottom, quer dizer, "fundo", ou "bunda". Pensando bem, não fosse a
falta de imaginação da turma, isso poderia até ser proposital, pois certos candidatos até mereceriam ter sua bunda presa às lapelas
dos cabos eleitorais.
De volta à novela, às vezes entrava em cena um narrador onisciente, locutor de rádio
instalado numa estação dotada de grande vidraça que dá para a rua, expediente diretamente extraído do chatíssimo filme Do The
Right Thing, de um film-maker negro e racista. Neste, por sua vez, o macete era inspirado num outro filme, cujo título
foge à memória, no qual se descrevia a corrida solitária de um motorista (feito por Steve McQueen) que desafiava as polícias
rodoviárias de vários Estados dos EUA para vencer uma aposta. Um locutor, negro e cego (talvez houvesse aí algum simbolismo),
acompanhava, torcendo, as vicissitudes do herói. Terminou espancado. Era mais um desses filmes com começo, meio e fim que os
americanos fazem tão bem, dedicado ao elogio do individualismo, derrotado pelas forças da sociedade organizada (momentaneamente, até
o próximo filme).
Mas me desvio. Os jornais, o rádio, a TV, os out-doors têm sido responsáveis por uma
verdadeira campanha de demolição da língua nacional, o patrimônio cultural mais importante de todos. O curioso é que, às vezes,
procuram ridicularizar os outros. Assim, por exemplo, os jornais se compraziam em gozar um ministro do Trabalho por ter este cunhado
a expressão "imexível" (muitas vezes em seções de notas repletas de agressões
sintáticas e semânticas ao idioma pátrio); mas foram esses mesmos jornais que inventaram o inexistente "imperdível".
(*) Cláudio Weber Abramo é articulista. O original de
seu texto está disponível no endereço
http://sites.uol.com.br/cwabramo/linguisticas.htm.
OBS.:
Mário César Borges Marques d'Abreu escreve de Portugal para dizer que gostou muito do texto
e está "saLindo" para o almoço...
Alfredo Spinola informa que o termo "imperdível" pode ser encontrado no Dicionário da
Língua Portuguesa de Caudas Aulete. |