Volnyr Santos (*)
A polêmica que vem, há algum tempo, fomentando a
discussão em torno da língua portuguesa, no que se refere ao exacerbado uso dos estrangeirismos, é, no mínimo, análoga às
velhas questões de que se alimenta a política brasileira.
Se é perturbador, sob o viés lingüístico, o papel desempenhando pelas expressões e termos
estrangeiros, particularmente (mas não só!) do idioma inglês, na sua convivência com o português, também é exótico o fato de o
presidente brasileiro, com o seu orgulhoso aparato lingüístico, usar, sem cerimônia, termos de proveniência estrangeira no seu
speech. O problema toma relevo, quando a sociedade brasileira, através de seus órgãos legislativos (em Brasília, o
deputado federal Aldo Rebelo; em Porto Alegre, a deputada estadual Jussara Cony), alerta para um problema que se faz presente
no idioma, propondo uma regulamentação que coíba, discipline, enfim, que se crie uma lei no sentido da preservação de nossa
portuguesa (e desprotegida?) língua.
Excluídos os sentimentos xenófobos (os franceses têm lá suas motivações), é preciso parar e
pensar: qual a razão da invasão lingüística? O inglês, talvez fosse melhor dizer o esperanto pós-moderno, é o idioma de um
país que exporta de tudo: televisão, música, cinema, tecnologia, hambúrgueres, modo de viver e, naturalmente, a própria
língua.
Teoria à parte, sabemos que toda língua tem uma essência dinâmica.
Sem ser um sistema cristalizado, qualquer língua vive em estado de permanente mudança, num
processo contínuo de reelaboração. Sabemos também (infelizmente) que a língua portuguesa carrega uma cultura dependente sob a
perspectiva econômica e tecnológica; é natural, portanto, que se submeta a outras formas de expressão portadoras de realidades
mais desenvolvidas.
Pensemos: se falar uma língua significa desenvolver atos variados que implicam a sua
apropriação, já que é nela que se ordena e organiza a realidade - seja pela atuação sobre os outros, seja pela assunção de
pontos de referência de caráter sociocultural - então é preciso reconsiderar a circunstância que envolve, hoje, o idioma
português.
Com essa perspectiva, os projetos políticos que, atualmente, se acham em fase de elaboração,
são a expressão de um momento raro em nossa cultura: espelhar-se na própria língua, num processo de reflexão, significa a
conscientização de que é (também) através da língua que nos desenvolvemos culturalmente e é através dela que exercitamos, como
cidadãos, a capacidade crítica de nos assumirmos como transformadores da vida individual e coletiva.
(*) Volnyr Santos é professor na Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Artigo publicado na coluna Opinião do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 6 de junho de 2000. |