|
Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
|
NOSSO
IDIOMA
Língua precisa de lei?
Elvo Clemente (*)
O deputado Aldo Rebelo enviou à Câmara Federal projeto de lei
com a finalidade de proteger ou preservar a língua vernácula da invasão de estrangeirismos. Jussara Cony insiste junto à Assembléia
Legislativa do Rio Grande do Sul na criação de uma lei em defesa do português, ameaçado pelos termos técnicos e anglicismos. A que
pode levar a promulgação de uma lei, para defender a pureza do idioma nacional, implantado no solo brasileiro há 500 anos?
A douta e clarividente França desde 1975 tem a sua lei em defesa do francês... Nestes 25
anos, os estrangeirismos continuam a pulular na fala e na escrita dos franceses. Em meados de abril tivemos a visita de uma colega,
vinda de Paris. Ao correr da conversa em francês, os vocábulos e expressões anglo-saxônicos vinham ao natural. Pode ser que a lei
valha ou possa coibir os anglicismos nos documentos oficiais. Na língua corrente, na comunicação hodierna, mergulhada nas teclas dos
computadores ou no pulsar constante dos (ratinhos) mouse, não há como ficar ileso ao avanço da terminologia que vem do uso e
operação da máquina. É um dito lingüístico irrefutável: "Junto com o objeto vem o seu nome", tanto do objeto como o das ações a ele
restritas... Aí surge o deletar, da velha cepa latina - delere para significar delir, apagar...
Para o deputado Aldo Rebello, assiste-se a uma verdadeira descaracterização da língua
portuguesa; "por isso é necessário uma lei para manter a estrutura do vernáculo".
Abel Reis critica o projeto: "Considero os princípios equivocados ao restringir a interação
com outras culturas". Estamos abertos ao mundo, a civilização atual invade todos os setores da cultura pessoal, familiar, escolar e
social.
A aprendizagem da língua é constante pela leitura de bons autores. Lygia Fagundes Telles, em
sua brilhante produção literária, no campo da ficção, acredita no poder milagroso da lei: "Vamos poder contar com uma extraordinária
arma para impedir a colonização da língua portuguesa".
Há cem anos Eça de Queirós, o grande escritor da língua, em quem tantos literatos lusos e
brasileiros se abeberaram, escrevia suas obras eivadas de expressões francesas. Todos acharam e achamos maravilhoso o escritor, os
galicismos não nos preocupam quando percorremos as páginas daqueles romances...
O gramático Evanildo Bechara julga o processo desnecessário: "Ele é bem-intencionado mas
terá pouco resultado prático". A língua é um fenômeno histórico-social, e acrescenta: "Ela acompanha a história do homem que fala e,
por isso, está sujeita a todas as influências." O mestre professor insiste: "O fato mais importante é o descaso que se faz das
coisas nossas"; língua, cultura, tradições. O mais importante é criar uma mentalidade de valorização de nossa nacionalidade: língua,
tradição, cultura, religião.
Miguel Reale, em artigo recente em O Estado de S. Paulo, insistia sobre o verdadeiro
sentido do patriotismo, que não deve ser confundido com nacionalismo. O verdadeiro patriota é a pessoa que conhece os bens de sua
terra e de sua gente e sabe defendê-los. O bem cultural, por excelência, é a língua que aprendemos em nossa casa, aperfeiçoamos na
escola, continuamos a enriquecê-la e adaptá-la a nós e às nossas vivências pela vida afora. A aprendizagem da língua é constante
pela leitura de bons autores, pela consulta assídua ao bom dicionário e à boa gramática.
O embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Knopfli, em artigo na Folha de S. Paulo,
escreve: "O desafio que o fenômeno da 'globalização lingüística' nos coloca pode e deve ser vencido". Somos a terceira língua mais
falada do Ocidente com cerca de 220 milhões de falantes. No último ano muito se fez para que Timor Leste viesse a ser de fato - e de
fato é - a oitava república lusófona. Muito sangue derramado, muitas vidas sacrificadas para que a civilização cristã e a língua
portuguesa pudessem viver lá longe na Indonésia.
Novamente somos mensageiros e missionários da paz e da solidariedade para os nossos irmãos
timorenses que falam ou querem aprender a língua portuguesa, sob a lei potente do amor. Portanto apliquemo-nos a amar, a estudar
sempre a nossa língua, a fim de que ela represente sempre a nossa maneira de falar, de agir, de conviver e de ser verdadeiro
patriota da língua portuguesa, que é a nossa pátria, no dizer de Fernando Pessoa.
(*) Elvo Clemente é presidente da Academia Rio-grandense
de Letras. Artigo publicado na coluna Opinião do jornal Zero Hora, de Porto
Alegre, em 6 de junho de 2000. |