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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Um projeto de lei
Ariano Suassuna (*)
O deputado Aldo Rebelo apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de
lei destinado a defender a língua portuguesa das palavras e expressões que a estão desfigurando.
Entre os bens culturais que um povo possui, a língua que ele fala é,
talvez, o mais importante e, sem dúvida, o primeiro com o qual seus cidadãos entram em contato. No meu caso particular, isto é tanto
mais verdadeiro na medida em que, sendo escritor, a língua portuguesa é meu instrumento de trabalho. Para mim, o exercício da
literatura pode ser um ofício duro, mas é também um jogo exaltador e indispensável, fascinante, poderoso. Encaro a literatura como
missão e festa, ao mesmo tempo; desde muito moço, descobri que ela era o caminho que se abria diante de mim para que eu pudesse
enfrentar com alegria a dura mas bela tarefa de viver.
Vem daí o amor profundo, a paixão irreprimível, a relação de carne e
sangue que me liga à língua portuguesa. Existem escritores que nascem e se criam falando uma língua e passam a escrever noutra, que
aprendem depois de adultos. Para falar com sinceridade, tal fato jamais poderia acontecer comigo. Estou com 73 anos e a cada dia me
embrenho mais pelos encantos e encantações da bela língua que os portugueses nos legaram, trazendo-a para o Brasil há 500 anos.
Acho que foi em 1995 que o então presidente de Portugal Mário Soares
me deu uma condecoração que muito me orgulha - a da Ordem do Infante Dom Henrique. No momento em que lhe agradeci a honraria, ele me
convidou a ir a Portugal. Respondi que, não gostando de viajar, nunca saíra do Brasil; mas, que, se, um dia, isto viesse a
acontecer, minha preferência seria por Portugal, por ser, entre os países da Europa, "o único onde o povo tem o bom senso de falar
português".
Pode-se imaginar, então, como fico preocupado ao ver a língua
portuguesa desfigurada, como está acontecendo. Sei perfeitamente (e o deputado Aldo Rebelo sabe também) que um idioma é uma coisa
viva e pulsante. Não queremos isolar o português, que, como acontece com qualquer outra língua, se enriquece com as palavras e
expressões das outras. Mas elas devem ser adaptadas à forma e ao espírito do idioma que as acolhe. Somente assim é que deixam de ser
mostrengos que nos desfiguram e se transformam em incorporações que nos enriquecem.
Cito um caso, para exemplificar: no país onde se joga o melhor futebol
do mundo, traduziram, e bem, a palavra inglesa "goal" por "gol". Mas estão escrevendo seu plural de maneira ao mesmo tempo horrorosa
e errada, "gols" (e não "gôis", como é exigido ao mesmo tempo pelo bom gosto, pelo espírito e pela forma da nossa língua). Isto num
setor em que, para substituir os vocábulos estrangeiros, se adotaram palavras tão boas quanto "zaga", "escanteio", "impedimento"
etc.
Por tudo isso, mando daqui meu abraço a Aldo Rebelo, dizendo-lhe que,
com seu projeto de lei, ele me deu mais uma prova de que fiz bem quando, em 1998, mesmo não morando em São Paulo, assinei um
manifesto de apoio à sua candidatura.
(*) Ariano Suassuna é colaborador
regular do jornal às terças-feiras. Artigo publicado no jornal
Folha de São Paulo em 25/4/2000. |