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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
Língua portuguesa e globalização
Temos que criar condições para ensinar português aos estrangeiros que nos procuram
Francisco Knopfli (*)
Terminou anteontem na Câmara dos Deputados, em Brasília, o
seminário Idioma e Soberania, Nossa Língua, Nossa Pátria, integrado no projeto Câmara nos 500 Anos. Nele proferi uma intervenção
subordinada ao tema "a aliança lusófona", correspondendo ao convite que me foi formulado pelo presidente daquela Câmara, deputado
Michel Temer, e pelo promotor da iniciativa, deputado Aldo Rebelo.
Ouso dizer, com efeito, que nosso idioma comum é porventura o mais belo fruto destes 500
anos de história, que se completam simbolicamente no dia 22 de abril. Reinventada e revitalizada pela criatividade e plasticidade
extraordinárias do povo brasileiro, a língua portuguesa chega ao ano 2000 com todas as condições para vencer o desafio da chamada
"globalização".
Sendo certo que o fenômeno da "globalização", e por extensão o da "globalização lingüística"
em favor da língua inglesa, se apresenta como realidade incontornável deste final de século, em virtude da chegada de novas
tecnologias da informação e da estruturação de uma economia aberta de mercado global, não deixa de ser menos certo que a lusofonia
reúne todas as potencialidades para fazer frente com sucesso a qualquer "eventual" assalto cultural/ lingüístico de feição
anglo-saxônica.
Julgo que podemos antever um futuro próximo no qual o inglês ocupará um papel
tendencialmente globalizante, mas em que subsistirão paralelamente fortes línguas de referência, associadas a blocos econômicos
regionais e a blocos culturais/lingüísticos.
Não contesto que o idioma falado pela superpotência global seja transitoriamente dominante,
mas parece-me evidente também que o mundo do século 21 vai ser um mundo multipolar do ponto de vista econômico e cultural e que o
uso das línguas acompanhará essa multipolaridade. É por isso que afirmo que o desafio que o fenômeno da "globalização lingüística"
nos coloca pode e deve ser vencido. Somos cerca de 200 milhões de falantes espalhados pelos quatro cantos do mundo — a terceira
língua ocidental mais falada no planeta, depois do inglês e do espanhol.
Somos uma língua em expansão. Quer na África, quer no continente americano e mesmo na Europa
notamos um redobrado interesse pela sua aprendizagem como segunda língua. Acresce que, como sabemos, as culturas lusófonas
atravessam um momento de extraordinário dinamismo. Quem tem José Saramago e Jorge Amado, quem tem Mia Couto e Pepetela, quem tem
Milton Nascimento e Gilberto Gil, quem tem Cesaria Évora e Madredeus, quem tem Walter Salles e Manoel de Oliveira já conquistou
certamente um sólido espaço específico no mercado cultural globalizado. Dir-se-ia assim que a cultura lusófona, de tão pujante, não
precisaria de apoio e enquadramento para se afirmar mais ainda no contexto internacional.
Contudo a realidade competitiva da globalização impõe-nos uma atitude mais ousada e
determinada, virada para o aprofundamento e alargamento da dimensão internacional da nossa língua. A única forma de responder ao
desafio da globalização é fazer-lhe frente, de forma serena e afirmativa, com as mesmas armas dos outros blocos lingüísticos:
leitorados, centros culturais e de estudo, escolas de ensino do português, formação de professores etc.
Numa palavra, temos que criar condições para ensinar português aos estrangeiros que nos
procuram — e são muitos. Podemos e devemos difundir e promover a nossa língua internacionalmente. O português, se fizermos o esforço
necessário, pode ser num prazo curto de cinco anos a terceira língua mais falada na América e a quarta na África. Trata-se de metas
perfeitamente alcançáveis.
Portugal realiza uma significativa ação de ensino e difusão da língua portuguesa no
exterior, no quadro do que consideramos ser uma vertente fundamental da nossa própria política externa, e está plenamente disponível
para construir com o Brasil uma parceria estratégica no domínio do aprofundamento da dimensão internacional da nossa língua comum.
O enquadramento multilateral adequado para a concretização dessa parceria lusófona só pode
ser a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na qual, conjuntamente com os nossos irmãos africanos, iremos certamente
construir a "aliança lusófona" que a história e o futuro nos impõem.
Aguardamos para muito breve poder acolher na nossa comunidade o Estado independente de Timor
Leste. As imensas carências no domínio da Educação em Timor, em particular no que respeita ao ensino de língua portuguesa — proibida
durante 25 anos —, exigem do restante mundo lusófono uma resposta firme e imediata. Por isso, termino este artigo com um apelo, que
é ao mesmo tempo uma esperança e uma convicção: façamos da operação conjunta luso-brasileira de resgate da cultura e da língua
portuguesa em Timor o singular impulso decisivo para a criação de uma nova dinâmica mundial da lusofonia que nos faça, juntos,
ganhar a batalha do futuro.
(*) Francisco Knopfli, diplomata, é embaixador de
Portugal no Brasil. Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em 17/3/2000,
caderno Folha Opinião. |