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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/10/03 20:57:13

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
SP enterra de vez o português no Natal

Esta matéria foi publicada na edição de 23 de novembro de 1997 do jornal Folha de São Paulo:

Infográfico publicado com a matéria, da Editoria de Arte/Folha Imagem. No rodapé:
"Fonte: os neologismos fazem parte do Dicionário do Português Cotemporâneo do Brasil, coordenado por Ieda Maria Alves, professora-doutora da Filologia e Língua Portuguesa da USP. O livro será lançado no ano que vem" (N.E.: lançado em 1998)

The book is on the table
Leve dicionário na hora de ir às compras

Nesta época de compras, liquidação vira "sale" e as "stores" vendem com 50% "off". Levantamento mostra que 15% das lojas e bares paulistanos são batizados com nomes em inglês

Lúcia Martins
Da Reportagem local

A mãe up-to-date vai neste X-mas aproveitar uma sale e conseguir 50% off em uma toy shop para comprar um presente para o baby. Se você tem dificuldades para entender a frase acima, desista de fazer compras neste Natal em São Paulo.

Usar palavras, expressões ou traduzir nomes inteiros para o inglês é a nova tática para atrair os consumidores, principalmente nos bairros de classe média da cidade.

Nos Jardins e na Vila Mariana (ambos na zona sudoeste), é quase impossível encontrar nomes de lojas, de marcas e de serviços em português. "How to get the best price", "Aceitamos cards", "Fazemos delivery" são alguns exemplos encontrados nesses bairros.

A "invasão" da língua pode ser medida pelo número de lojas com nomes em inglês. De cada 100 lojas de São Paulo, 15 têm alguma palavra ou estrutura do inglês no nome. Essa é uma estimativa da Federação das Câmaras e Dirigentes Lojistas, que fez um levantamento em 3.300 lojas. A explicação de Maurício Stainoff, presidente da federação, é a mesma dada por especialistas. "Inglês tem prestígio".

Os donos de bares também resolveram americanizar. O índice de nomes in english é o mesmo das lojas. Levantamento da Associação de Bares e Restaurantes Diferenciados mostra que cerca de 15% dos seus 300 associados também têm nomes em inglês.

O grupo que estimula o turismo na cidade é chamado de SP Convention Bureau. Segundo o grupo, esse é um nome usado por outras capitais. A mais recente campanha do SP Convention Bureau é a "SP Wellcomes Visa", para atrair clientes do cartão de crédito.

Para a maior parte dos estudiosos da língua, o que ocorre na cidade é apenas reflexo da globalização. A prova disso é a demanda crescente de quem quer aprender a língua. Na cidade, há 3.000 cursos.

Para alguns estudiosos do português, o fenômeno é "invasão". Para outros, apenas um "empréstimo". Ieda Maria Alves, professora-doutora de Filologia e Língua Portuguesa da USP, está organizando um dicionário de neologismos e levantou cerca de 3.500 palavras novas usadas pela imprensa. Desses, 10% são anglicismos.

Entre os recordistas em uso, estão cult, black, talk show (veja as 20 mais usadas nesta página). Para Ieda, os "empréstimos podem representar um fator de enriquecimento". No Aurélio, os anglicismos são cerca de 400, menos da metade dos estrangeirismos.

Já para Dino Preti, professor-doutor de língua portuguesa da PUC-SP, a "infiltração do inglês é absurda e deve ser controlada". "Essa invasão é difícil de evitar. Acho que o caminho é o fortalecimento das escolas".

Na Av. Paulista, nome de loja e delivery no mesmo ângulo
Foto: Adriana Elias/Folha Imagem

Ficção

"Have a sale? Good for you!"

Marcelo Rubens Paiva

Wonderful, mammy. São Paulo é show. Estou com meus brothers num shopping que é o must. Assim de teen com sex appeal. Assim de sales: 15% off, em média.

Dizem que é por causa do crash do stock market de Hong Kong. Sabe como é: os comunistas não têm know-how para free market...

Avise ao daddy que usei o Mastercard dele. Entrei numa loja no lobby com layout bem cool - todo de neon. Comprei jeans, um coat com zíper, um tennis shoes e uma T-shirt de náilon do Chicago Bulls. Os office-boys andam the skates e rollers pela loja. Ah, meu pager quebrou, droga!

Fiz um haircut e, later, comprei uns compact discs: Viper, aquele que era underground, Carlinhos Brown, daquele clipe bem doido, Chico Science, do mangue beat, e Planet Hemp, do hit "Free... Cannabis free...".

Tem tudo na loja. Tem punk, tecno, hiphop, rap, dance, jazz, funk e muito rock. Sei bem que o meu CD player está out. Mas posso usar o auto reverse com surround do Júnior.

Ele ia adorar uma store que sells hard and softwares. Tem chips, hard discs, mouses, pads, keyboards, wires, tudo plug anda play para o Windows 95, bem em conta.

Tá na hora de ele fazer um upgrade no laptop, passar um scan, formatar para acessar a Internet e conectar um monitor de 17 inches, tipo energy pollution preventers, não é?

No playground, tem um outdoor lindo; um nocaute. Vamos fazer um piquenique nele e jogar vôlei. Antes que eu me esqueça, vocês fixed minha colored printer?

Tem uma drugstore que vende stress tabs. Comprei um bandeide, pois tinha machucado o dedo, quando tropecei, num estande meio new age que vende no breaks.

Tinha um junky free-lancer cheio de piercings que ficou me flertando - seria barrado num antidoping. Ficou me perguntando sobre meus hobbies. Queria me levar pro flat dúplex dele. Deve ser aquela coisa bem kitsch, com hall e living espelhados. Mas, happy end, tive um feeling e dispensei o cara com class.

Na bookstore, cheia de best-sellers, comprei uma revista de design e um livro de marketing pro daddy. Fiquei folheando uns cartuns. Teve um blecaute na cidade.

Então fui fazer um lunch que vai me deixar bem fat. Rosbife com potatos, muito ketchup e uma salad bowl. Dessert: short cake. Mas meus brothers diziam: "Relax, coma à vontade..." Então, relaxei e pedi um frost iogurte. Mas só tomei Coca light. Ainda fomos para um happy hour, tomar um drinque nm pub. Foi um happening.

A agenda está cheia the meetings. After, we played snooker. I won. Yes, I am the best among my friends. Depois, on the road!

We took a bus to a beach where we have surfed for hours and hours.

É show. I'm missing you. Não se preocupe que passei Sundown.

Na volta, levamos uma blitz dos homens, que nos levaram para uma espécie de bunker no meio da jungle porque acharam um pôster do Planet. Pediam dolars.

Kiss. I love you...

P.S. Não se esqueça de pagar minha aula de Português do Berlitz, o que eu acho uma bobagem, mas vocês insistem tanto...

Posto de telefone no shopping Iguatemi
Foto: Adriana Elias/Folha Imagem

Há risco de empobrecer o Português?

"Infiltração deve ser controlada"

Da Reportagem Local

Dino Preti, professor-doutor de língua portuguesa da PUC-SP, afirma que a infiltração do inglês é absurda e deve ser controlada. Segundo ele, a entrada do inglês no Brasil pode causar danos, mas é difícil de ser evitada. "No começo do século (N.E.: século XX), tudo que era chique era em francês. Hoje, é em inglês".

Ele é contra qualquer movimento para pedir leis que impeçam o uso de palavras em inglês. "Acho que não funciona. É como a ditadura que queria proibir as gírias". Para Preti, precisa haver uma revalorização da escola. "São forças muito grandes. É preciso reforçar a educação das pessoas".

Para Pasquale Cipro Neto, consultor de português da Folha, pode existir risco de empobrecimento do português se a "infiltração" afetar a estrutura da língua. Ele cita a SP Transportes e o "sabor limão". "Essa não é a ordem do português. É uma inversão".

Segundo Pasquale, algumas pessoas usam palavras sem necessidade. "Alguns dizem que trabalham full-time em vez de tempo integral, por exemplo. Isso é esnobe".

O gramático Napoleão Mendes de Almeida, autor do Dicionário de Questões Vernáculas, critica o uso abusivo do inglês. "Cartazes na rua, nomes de loja, tudo. Hoje, quase não consigo ler jornal nas seções de economia e informática". Segundo ele, esse abuso pode ser um risco. (L.M.)

Vitrine de loja de gravatas e roupas de homem promete melhor preço no shopping Iguatemi
Foto: Adriana Elias/Folha Imagem

Empréstimo enriquece idioma

da Reportagem Local

Ieda Maria Alves, professora-doutora de Filologia e Língua Portuguesa da Faculdade de Letras da USP, não acha que haja risco de empobrecimento da língua. Segundo ela, os empréstimos sempre ocorreram. "O contato cultural ou econômico causa esse intercâmbio".

Ieda divide os empréstimos em passageiros e temporários. Há aquelas palavras que fazem parte de um modismo e desaparecem. E há os que permanecem e são incorporados ao dicionário.

Segundo ela, o empréstimo sempre foi um fator de enriquecimento das línguas. Ela cita os termos de informática. "São empréstimos necessários. Palavras que vêm com conceitos."

Ela afirma que o crescimento da importação desses termos não é motivo de preocupação. "Nenhuma língua foi destruída por causa de novos termos".

Ela cita o exemplo dos gregos. "Quando uma sociedade é rica culturalmente, não importa. Os gregos foram invadidos pelos romanos e não assimilaram o latim".

Lícia Maria Heine, professora-assistente de Lingüística da Universidade Federal da Bahia, concorda. Segundo ela, um dos princípios da lingüística é a comparação de línguas. Um idioma acaba esclarecendo o outro. "A gente aprende melhor uma língua comparando com outra". (L.M.)

Vitrine de loja de artigos de couro no Iguatemi é toda escrita em inglês
Foto: Adriana Elias/Folha Imagem