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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 09/10/04 23:15:41
FEBEANET
Mulheres e crianças primeiro

O terrorista capturado, em imagem da TV russa retransmitida para todo o mundo
Imagem: captura de tela, Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão em 6/9/2004 - 20h00

Em nome dos mais variados interesses - e, por mais absurdo que pareça, a religião sempre foi um dos motivos principais -, praticado por todos os povos, o terrorismo sempre existiu. Seja para o vencedor de uma guerra deixar bem claro seu poder, prevenindo o surgimento de resistências localizadas entre os vencidos, seja como forma de guerra em que grupos com pequenos recursos tentam colocar de joelhos um poderoso inimigo.


Tanques russos presidem a retirada dos corpos das vítimas na escola
Captura de tela, Cable News Network (TV CNN, Atlanta/EUA), noticiário em inglês, 6/9/2004, 20h04

Mas, no último século, surgiram convençõe entre as nações - a civilização chegando ao fulcro das guerras - pelas quais o inimigo vencido teria sua dignidade respeitada pelo vencedor, a todo o custo seriam evitadas baixas entre as populações civis (guerra é só entre militares), mulheres e crianças seriam tanto quanto possível protegidas, seriam evitadas armas químicas, biológicas e atômicas.


Retirada das crianças sobreviventes do ataque à escola

Captura de tela, Cable News Network (TV CNN, Atlanta/EUA), noticiário em inglês, 6/9/2004, 20h04

No milênio que se esperava já começar com a paz mundial e o fim de todas as guerras, o que vemos é cada vez mais guerras, barbárie, regressão a estágios bem primitivos da história da Humanidade. Não há mais limites, nem os poucos que se havia conseguido estabelecer no século XX. Genocídios, armas de todos os tipos, ataque a populações civis indefesas, ataque a grupos internacionais de voluntariado para auxílio às vítimas, tornaram-se a regra, num grande vale-tudo em que a vida humana é o que menos importa.
 

O presidente russo lamenta e decreta dois dias de luto no país
Captura de tela, TV CNN (Atlanta/EUA), noticiários em inglês/espanhol, 6/9/2004, 20h02 e 20h11

Esbravejam os internautas contra esses absurdos, em mensagens que cruzam o planeta em segundos, mas os grupos econômicos que fomentam as guerras já não se importam com os protestos. Tem petróleo na região, ou é um ponto estratégico de passagem, a ordem é dominar a qualquer custo. Passando por cima da autodeterminação dos povos, e de todos os itens da carta dos Direitos Humanos aprovada pelas nações. Afinal, os poderosos descobriram que para eles não há mais punições, tribunais como o de Nuremberg já não assustam ninguém. E sempre se pode jogar a culpa num subordinado que "não compreendeu bem as instruções".


Centenas de vítimas fatais. No rodapé da tela, noticiário econômico, bolsas de valores, negócios
Captura de tela, Cable News Network (TV CNN, Atlanta/EUA), noticiário em inglês, 6/9/2004, 20h30

A tal ponto chegou a barbárie que a nova ordem no terrorismo mundial é fazer exatamente o contrário do que previam as antigas convenções. Como em Beslan, num vilarejo da região separatista russa da Chechênia/Ossétia do Norte, onde mais de 300 crianças foram mortas e 200 estavam desaparecidas ou feridas em 4/9/2004, junto com seus professores, num ataque terrorista com granadas. 

A carnificina terrorista foi acompanhada pelas emissoras de rádio e televisão, por jornais, revistas e sites da Internet em todo o mundo. Apenas um "suspeito" foi preso, morador na região, e estranhas explicações foram dadas, o presidente russo Vladimir Putin lamentou o ocorrido, bandeiras foram hasteadas a meio-pau e tudo ficou por isso mesmo. O foco do noticiário foi desviado para a tragédia seguinte.
 

Pranto pelos mortos: imagens para comover um mundo que não mais se comove com isso
Captura de tela, TV CNN (Atlanta/EUA), noticiários em inglês, 6/9/2004, 20h28

E com tantos meios de comunicação registrando esses fatos, ainda assim ficou sem explicação a morte de uma jornalista russa que seguia para o local, supostamente assassinada pelo governo russo por saber mais do que a média sobre o que realmente estava ocorrendo. E dizer isso a quem quisesse saber.

Decerto ela poderia explicar como os mlitares russos agiram desastradamente no caso, talvez provocando boa parte das mortes atribuídas aos terroristas, ao colocar as vítimas sob fogo cruzado. Trapalhada que não seria a primeira, lembrando-se que, num teatro de Moscou invadido por terroristas anos antes, as bombas de gás lançadas pela tropa de choque mataram mais civis do que os próprios terroristas, como se reportou na época.

A informação, que se perdeu em meio ao noticiário da tragédia, passada pelo site teuto-brasileiro ABKNet News em 4/9/2004:
 

O preço da coragem

É por demais conhecida a pressão a que são submetidos jornalistas russos.
Não raramente alguns deles são simples e misteriosamente executados. A
tragédia ocorrida ontem na Ossétia do Norte mais uma vez demonstrou como a
informação é manipulada pelas autoridades russas. Somente quando, nas ruas
de Beslan, pais e familiares dos reféns resolveram protestar é que a
imprensa oficial ampliou o número de reféns de 100 para "300 ou 400". Na
verdade eram mais de 1200.  Mais de 300 deles, maioria crianças, foram
vítimas fatais do confronto entre tropas e terroristas dentro da escola.

Uma das vozes do jornalismo independente russo era Anna Politkovskaia.
Formada em jornalismo pela universidade de Moscou, ela destacou-se por suas
reportagens independentes que contradiziam a imprensa oficial sobre o
conflito na Chechênia. Politkovskaia dirigia-se ontem a Beslan para cobrir
os acontecimentos, quando sentiu-se mal e foi hospitalizada, vindo a falecer
logo depois. Os médicos haviam diagnosticado envenenamento. O último livro
de Politkovskaia trazia o titulo: "A Rússia de Putin".


Pressão do público e da imprensa fez o governo informar a dimensão real da tragédia
Imagem: captura de tela, Jornal Nacional, Rede Globo de Televisão em 6/9/2004 - 20h00

Segue transcrita uma das notícias que circularam na Europa sobre o cerceamento à imprensa por parte do governo russo, no caso da escola de Beslan. É do jornal português Público, edição eletrônica de 18/9/2004:
 

Calvin & Hobbes
Calvin & Hobbes
Calvin & Hobbes
OSCE Acusa Governo Russo de Dificultar o Jornalismo
Por CLARA RAIMUNDO
Sábado, 18 de Setembro de 2004

A OSCE (Organização para a Segurança e Cooperação na Europa) denunciou inúmeros entraves colocados pelas autoridades russas à cobertura jornalística da tragédia de Beslan, num relatório divulgado ontem e disponível no site da organização (www.osce.org).

"Ocorreram casos de detenção e hostilização dos jornalistas, impedindo-os de fazer o seu trabalho. Mais importante que isso, o Governo não forneceu atempadamente informações fiáveis acerca da crise em curso", lamenta Miklós Haraszti, representante da OSCE para a liberdade dos "media".

O relatório, baseado num inquérito realizado pela União Russa de Jornalistas, considera que esta situação significa "um retrocesso na democracia". O Governo é acusado de ter repetidamente fornecido aos profissionais dos "media" dados incorrectos ou contraditórios, tais como os relativos à nacionalidade dos terroristas e ao número de reféns e mortos (ver página 20). 

O assessor de imprensa do Presidente da Ossétia do Norte, Lev Dzugaev, insistiu até ao dia 3 de Setembro (dois dias depois de os terroristas terem entrado na escola) que havia apenas 354 reféns. Foi só quando um grupo de pais anunciou que faria a sua própria lista de reféns que o Presidente anunciou que seriam cerca de 900. Na verdade, eram 1220. 

O ministro do Interior, o FSB (ex-KGB) e o membros da Procuradoria-Geral foram enviados a Beslan, encarregados de fornecer informações aos "media" e organizar conferências de imprensa com os responsáveis pela operação de libertação dos reféns. Os correspondentes do jornal "Gazeta" contaram no entanto que eles não chegaram a concretizar nenhuma daquelas tarefas.

As três estações televisivas russas, que constituem as principais fontes de informação da população, são acusadas pela OSCE de não terem fornecido "informações fiáveis e actualizadas". Os residentes de Beslan reagiram mal ao perceberem que os dados divulgados pelos "media" não eram verdadeiros, e chegaram a maltratar os jornalistas, batendo-lhes e roubando-lhes as cassetes com o material filmado.

O relatório da OSCE relembra ainda os casos de profissionais dos "media" russos que viram cerceada a liberdade de imprensa, tendo alguns deles sido impedidos de fazer a cobertura do atentado terrorista na escola da Ossétia do Norte. 

O jornalista Andrei Babitski, correspondente da Radio Liberty, foi detido no aeroporto no dia 1 de Setembro, quando ia a caminho de Beslan, por suspeita de transporte de explosivos, que não se confirmou. No mesmo dia, Anna Politkovskaia, da "Novaya Gazeta", foi envenenada durante o voo para Beslan, facto considerado suspeito por diversas organizações de defesa da imprensa. No dia 6, na sequência das fortes críticas do Governo à cobertura da tragédia feita pelo jornal russo "Izvestia", o editor Raf Sharikov foi despedido.

Alguns jornalistas estrangeiros foram também alvo de restrições ao seu trabalho. No dia 2 de Setembro, um grupo de repórteres dos jornais "Gazeta Wyborcza", "Liberation" e "The Guardian" ficou detido durante horas num aeroporto entre Moscovo e Beslan, sem motivo aparente. O mesmo aconteceu, dias mais tarde, a um jornalista do canal por satélite al-Arabya.

No dia 3, as equipas de televisão da ZDF, ARD (alemãs), APTV (americana), e Rustavi 2 (da Geórgia), viram confiscadas as cassetes com as imagens do que se seguiu às duas explosões dentro da escola. No dia seguinte, uma repórter de uma estação televisiva da Geórgia e o operador de câmara que a acompanhava foram detidos pela polícia de Beslan, por alegadamente não possuírem documentos para estar na Rússia.

"Disto, resultou uma tripla crise de confiança: entre o governos e os 'media', entre os 'media' e os cidadãos e entre o governo e o povo", conclui o relatório.

As trapalhadas do governo russo, e principalmente a censura à imprensas que vem promovendo, aparentemente tentando esconder com uma peneira as cenas desta nova onda de barbárie mundial, merecem lugar de destaque neste Festival de Besteiras que Assola a Internet (Febeanet)...