I-DÉIAS
Os engenheiros e a bananada da vovó
Classificado
como "lúcido, inteligente e realista", este discurso vem sendo divulgado
em listas de mensagens como a Widebiz, sobre negócios, na qual foi
transcrito pelo internauta soteropolitano Orlando Esteves, em 22/9/2002:
Assunto: Discurso proferido
pelo Professor Weber Figueiredo, paraninfo da turma de formandos em Engenharia
da UERJ em 13 de agosto de 2002:
"Para mim é um privilégio
ter sido escolhido paraninfo desta turma. Esta como se fôra a última
aula do curso. O último encontro, que já deixa saudades.
Um momento festivo, mas também de reflexão. Se eu fosse escolhido
paraninfo de uma turma de Direito, talvez eu falasse da importância
do advogado que defende a Justiça e não apenas o réu.
Se eu fosse escolhido paraninfo de uma turma de Medicina, talvez eu falasse
da importância do médico que coloca o amor ao próximo
acima dos seus lucros profissionais. Mas, como sou paraninfo de uma turma
de engenheiros, vou falar da importância do engenheiro para o desenvolvimento
do Brasil.
Para começar, vamos falar
de bananas e do doce de banana, que eu vou chamar de bananada especial,
inventada (ou projetada) pela nossa vovózinha lá em casa,
depois que várias receitas prontas não deram certo. É
isso mesmo. Para entendermos a importância do engenheiro vamos falar
de bananas, bananadas e vovó.
A banana é um recurso natural,
que não sofreu nenhuma transformação. A bananada é
= a banana + outros ingredientes + a energia térmica fornecida pelo
fogão + o trabalho da vovó e + o conhecimento, ou tecnologia
da vovó. A bananada é um produto pronto, que eu vou chamar
de riqueza. E a vovó? Bem a vovó é a dona do conhecimento,
uma espécie de engenheira da culinária.
Agora, vamos supor que a banana e
a bananada sejam vendidas. Um quilo de banana custa um real. Já
um quilo da bananada custa cinco reais. Por que essa diferença de
preços? Porque quando nós colhemos um cacho de bananas na
bananeira, criamos apenas um emprego: o de colhedor de bananas. Agora,
quando a vovó, ou a indústria, faz a bananada, ela cria empregos
na indústria do açúcar, da cana-de-açúcar,
do gás de cozinha, na indústria de fogões, de panelas,
de colheres e até na de embalagens, porque tudo isto é necessário
para se fabricar a bananada. Resumindo, 1 kg de bananada é mais
caro do que 1 kg de banana porque a bananada é igual banana mais
tecnologia agregada, e a sua fabricação criou mais empregos
do que simplesmente colher o cacho de bananas da bananeira.
Agora vamos falar de outro exemplo
que acontece no dia-a-dia no comércio mundial de mercadorias. Em
média: 1 kg de soja custa US$ 0,10 (dez centavos de dólar),
1 kg de automóvel custa US$ 10, isto é, 100 vezes mais, 1
kg de aparelho eletrônico custa US$ 100, 1 kg de avião custa
US$ 1.000 (10 mil quilos de soja) e 1 kg de satélite custa US$ 50.000.
Vejam, quanto mais tecnologia agregada
tem um produto, maior é o seu preço, mais empregos foram
gerados na sua fabricação.
Os países ricos sabem disso
muito bem. Eles investem na pesquisa científica e tecnológica.
Por exemplo: eles nos vendem uma placa de computador que pesa 100 g por
US$ 250. Para pagarmos esta plaquinha eletrônica, o Brasil precisa
exportar 20 toneladas de minério de ferro. A fabricação
de placas de computador criou milhares de bons empregos lá no estrangeiro,
enquanto que a extração do minério de ferro, cria
pouquíssimos e péssimos empregos aqui no Brasil.
O Japão é pobre em
recursos naturais, mas é um país rico. O Brasil é
rico em energia e recursos naturais, mas é um país pobre.
Os países ricos, são ricos materialmente porque eles produzem
riquezas. Riqueza vem de rico. Pobreza vem de pobre. País pobre
é aquele que não consegue produzir riquezas para o seu povo.
Se conseguisse, não seria pobre, seria país rico.
Gostaria de deixar bem claro três
coisas: 1º) quando me refiro à palavra riqueza, não
estou me referindo a jóias nem a supérfluos. Estou me referindo
àqueles bens necessários para que o ser humano viva com um
mínimo de dignidade e conforto; 2º) não estou defendendo
o consumismo materialista como uma forma de vida, muito pelo contrário;
e 3º) acho abominável aqueles que colocam os valores das riquezas
materiais acima dos valores da riqueza interior do ser humano. Existem
nações que são ricas, mas que agem de forma extremamente
pobre e desumana em relação a outros povos.
Creio que agora posso falar do ponto
principal. Para que o nosso Brasil torne-se um País rico, com o
seu povo vivendo com dignidade, temos que produzir mais riquezas. Para
tal, precisamos de conhecimento, ou tecnologia, já que temos abundância
de recursos naturais e energia. E quem desenvolve tecnologias são
os cientistas e os engenheiros, como estes jovens que estão se formando
hoje. Infelizmente, o Brasil é muito dependente da tecnologia externa.
Quando fabricamos bens com alta tecnologia, fazemos apenas a parte final
da produção. Por exemplo: o Brasil produz 5 milhões
de televisores por ano e nenhum brasileiro projeta televisor. O miolo da
TV, do telefone celular e de todos os aparelhos eletrônicos, é
todo importado. Somos meros montadores de kits eletrônicos.
Casos semelhantes também acontecem
na indústria mecânica, de remédios e, incrível,
até na de alimentos. O Brasil entra com a mão-de-obra barata
e os recursos naturais. Os projetos, a tecnologia, o chamado pulo do gato,
ficam no estrangeiro, com os verdadeiros donos do negócio. Resta
ao Brasil lidar com as chamadas "caixas pretas".
É importante compreendermos
que os donos dos projetos tecnológicos são os donos das decisões
econômicas, são os donos do "dinheiro", são os donos
das riquezas do mundo. Assim como as águas dos rios correm para
o mar, as riquezas do mundo correm em direção ao países
detentores das tecnologias avançadas.
A dependência científica
e tecnológica acarretou para nós brasileiros a dependência
econômica, política e cultural. Não podemos admitir
a continuação da situação esdrúxula,
onde 70% do PIB brasileiro é controlado por não residentes.
Ninguém pode progredir entregando o seu talão de cheques
e a chave de sua casa para o vizinho fazer o que bem entender.
Eu tenho a convicção
que desenvolvimento científico e tecnológico aqui no Brasil
garantirá aos brasileiros a soberania das decisões econômicas,
políticas e culturais. Garantirá trocas mais justas no comércio
exterior. Garantirá a criação de mais e melhores empregos.
E, se toda a produção de riquezas for bem distribuída,
teremos a erradicação dos graves problemas sociais.
O curso de engenharia da UERJ, com
todas as suas possíveis deficiências, visa a formar engenheiros
capazes de desenvolver tecnologias. É o chamado engenheiro de concepção,
ou engenheiro de projetos. Infelizmente, o mercado desnacionalizado nem
sempre aproveita todo este potencial científico dos nossos engenheiros.
Nós, professores, não
podemos nos curvar às deformações do mercado. Temos
que continuar formando engenheiros com conhecimentos iguais aos melhores
do mundo. Eu posso garantir a todos os presentes, principalmente aos pais,
que qualquer um destes formandos é tão ou mais inteligente
do que qualquer engenheiro americano, japonês ou alemão. Os
meus trinta anos de magistério, lecionando desde o antigo ginásio
até a universidade, me dá autoridade para afirmar que o brasileiro
não é inferior a ninguém, pelo contrário, dizem
até que somos muito mais criativos do que os habitantes do chamado
Primeiro Mundo.
O que me revolta, como professor
e cidadão, é ver que as decisões políticas
tomadas por pessoas despreparadas ou corruptas são responsáveis
pela queima e destruição de inteligências brasileiras
que poderiam, com o conhecimento apropriado, transformar o nosso Brasil
num país florescente, próspero e socialmente justo.
Acredito que o mundo ideal seja aquele
totalmente globalizado, mas uma globalização que inclua a
democratização das decisões e a distribuição
justa do trabalho e das riquezas. Infelizmente, isto ainda está
longe de acontecer, até por limitações físicas
da própria natureza. Assim, quem pensa que a solução
para os nossos problemas virá lá de fora, está muito
enganado.
O dia que um presidente da República,
ao invés de ficar passeando como um dândi pelos palácios
do primeiro mundo, resolver liderar um autêntico projeto de desenvolvimento
nacional, certamente o Brasil vai precisar, em todas as áreas, de
pessoas bem preparadas. Só assim seremos capazes de caminhar com
autonomia e tomar decisões que beneficiem verdadeiramente a sociedade
brasileira. Será a construção de um Brasil realmente
moderno, mais justo, inserido de forma soberana na economia mundial e não
como um reles fornecedor de recursos naturais e mão-de-obra aviltada.
Quando isto ocorrer, e eu espero
que seja em breve, o nosso País poderá aproveitar de forma
muito mais eficaz a inteligência e o preparo intelectual dos brasileiros
e, em particular, de todos vocês, meus queridos alunos, porque vocês
já foram testados e aprovados.
Finalmente, gostaria de parabenizar
a todos os pais pela contribuição positiva que deram à
nossa sociedade possibilitando a formação dos seus filhos
no curso de engenharia da UERJ. A alegria dos senhores, também é
nossa alegria." |