FEBEANET
Justiça apagada
Ou: "Pior a ementa que o soneto..."
E o apagão
de idéias que há tanto tempo vem apagando o governo brasileiro
já contaminou até a Justiça. Seu símbolo,
uma senhorita de olhos vendados segurando uma balança, é
cada vez mais explicado de novo modo, nada honroso aliás. A venda
seria para não enxergar a realidade e o arcabouço legal existente,
e a balança, bem, o juiz Nicolau deve ter usado para pesar o ouro
retirado dos cofres públicos.
Como a memória costuma ser
um tanto curta, o tal juiz, carinhosamente apelidado de Lalau, é
o tal que - depois de apanhado roubando o Brasil durante as obras superfaturadas
de um suntuoso edifício para o Judiciário - conseguiu o direito
de cumprir em seu palacete a pena prevista, sem que se tenha notícia
da devolução efetiva do dinheiro desviado. Ele conseguiu
o benefício da prisão domiciliar porque estava deprimido...
Se a moda pega...
Técnica exportada -
Bem, pelo menos nesse caso, o Brasil deve estar exportando conhecimento:
os defensores do ditador chileno Augusto Pinochet usaram dias depois o
mesmo truque e conseguiram até mais: todos os processos contra o
ex-ditador foram suspensos porque ele repentinamente ficou demente... Acredite,
se quiser! (não seria o contrário, demente ele sempre foi
e agora ficou lúcido?)
Mas, nosso assunto não é
a caridosa Justiça que - se o réu não é juiz,
rico ou autoridade - esquece toda a dó e piedade na hora de mandar
para o xilindró a mãe que roubou um alimento para seu filho
faminto (novamente: acredite, se quiser!). O assunto é a manifestação
dos juízes sobre a constitucionalidade das medidas governamentais
relacionadas ao racionamento de energia.
Nossos doutos magistrados, numa esfera
em que os interesses políticos prevalecem sobre tudo o mais, simplesmente
rasgaram a Constituição, torceram todo o Direito Brasileiro
e deram um jeitinho (pois é...) de considerar que o governo pode
cortar o fornecimento de eletricidade do cidadão que não
cumprir a meta de racionamento. Mesmo ele pagando em dia as suas contas.
Ou seja, com o aval do Judiciário,
o Executivo aplicou um formidável golpe de Estado sobre a população
brasileira, forçando todos a uma economia de 20% no consumo de eletricidade.
Detalhe: aproveitou para aumentar as tarifas em 16%, assim o cidadão
continua pagando uma conta praticamente igual, por um consumo menor, e
só vai perceber efetivamente a maracutaia quando puder retomar o
consumo normal - se um dia isso acontecer. Uma formidável transferência
de recursos do empobrecido cidadão para as enriquecidas concessionárias
de distribuição de energia elétrica, à sombra
de um absurdo conluio entre governo incompetente e um Fundo Monetário
Internacional (FMI) altamente competente em afundar países em desenvolvimento.
Justiça enrolada -
A grande pitada de humor dessa negra história é que o cidadão
comum tem uma excelente arma para revidar contra esse estado de coisas:
por decisão judicial, que o cidadão pode invocar se quiser,
basta que ao receber a fatura do fornecimento da energia elétrica
o cidadão NÃO PAGUE A CONTA!
É assim: decidiu a Justiça
(veja abaixo) que eletricidade é um bem
essencial e portanto as concessionárias de energia elétrica
não podem suspender o seu fornecimento ao usuário inadimplente.
Dessa forma, se o cidadão ameaçado com o corte no fornecimento
deixar de pagar a conta, a concessionária não pode desligar
a luz. Aí, a questão vai para a Justiça, e quando
finalmente for julgada, algumas décadas mais tarde, o cidadão
já terá falecido, mudado de endereço, até o
país já será outro, decerto um tal de BraZil, quintal
de alguma potência mundial...
Registramos a manifestação
de um internauta, o inconformado Carlos Tebecherani Haddad, que nos dias
2 e 5/7/2001 enviou a Novo Milênio as informações
básicas para esta inscrição no Febeanet:
"O Supremo Tribunal Federal firmou
jurisprudência, tem até Súmula, no sentido de que cortar
a energia do consumidor inadimplente é ILEGAL, porque fornecimento
de energia elétrica é serviço ESSENCIAL, portanto
não pode ser descontinuado, e a empresa fornecedora é muito
mais forte do que o consumidor, e tem toda a condição de
buscar o seu crédito na justiça.
Se não pode cortar energia
de quem está INADIMPLENTE, o que dizer de quem está pagando
tudo certinho, e só não cumpriu a meta estabelecida (linearmente,
diga-se de passagem...) pelo ministro do apagão?
A decisão do STF foi eminentemente
política, aliás como disseram alguns ministros, Sydney Sanches
inclusive. Assim, não tendo o cidadão a quem recorrer dessa
violência inaudita, a coisa ficou preta definitivamente, e está
instaurado o regime do SALVE-SE QUEM PUDER! |
Não estranhe o leitor, diante
da crescente politização e relativização da
Justiça, que as decisões dos juízes sejam cada vez
mais questionadas e descumpridas impunemente pela sociedade, como quando
trabalhadores em greve simplesmente colocam na lata de lixo da História
uma decisão judicial para que voltem ao trabalho. Desmoralizada
por lalaus, pela absurda lentidão dos processos (falta dinheiro
para um computador que agilize o trabalho burocrático, mas sobra
para a construção de prédios suntuosos), e agora também
por suas próprias decisões absurdas, poderia a Justiça
nacional se fazer respeitar por alguém? (Que se registre, a bem
da verdade, o mérito de alguns juízes que procuram honrar
a toga que usam. São as exceções que, pela excepcionalidade,
confirmam a regra...)
É por isso, data venia,
que a coordenação do Festival de Besteiras que Assola a Internet
(Febeanet) processa mais esta inscrição
no festival-2001, com o endosso indireto da própria
OAB-SP. Observe-se, aliás, que neste caso fica para o julgamento
dos internautas apenas a eletrizante atuação dos enrolados
(ou enroladores?) supremos juízes no caso específico dos
cortes de energia. Ah, saudades do Chacrinha, que dizia na televisão:
"Eu vim para confundir, não vim para explicar!"
P.S.: Para que os leitores
julguem por si mesmos, incluímos a ementa do julgamento de um caso
de cidadão inadimplente com uma concessionária de eletricidade:
|
Criterio
de
Pesquisa: |
1 ((CONSUMIDOR ADJ INADIMPLENTE)
OU (CORTE ADJ DE ADJ ENERGIA)) OU (SERVICO ADJ PUBLICO ADJ ESSENCIAL) |
Documento: |
6 de 7 |
Inteiro
Teor |
Acompanhamento
Processual |
Acórdão |
ROMS 8915/MA
; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA (1997/0062447-1) |
Fonte |
DJ
DATA:17/08/1998 PG:00023 |
Relator(a) |
Min.
JOSÉ DELGADO (1105) |
Data
da Decisão |
12/05/1998 |
Orgão
Julgador |
T1
- PRIMEIRA TURMA |
Ementa |
ADMINISTRATIVO.
MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE
PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. É
condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia
elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente.
2. Essa violação,
contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo
praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente
na interrupção do fornecimento da mesma.
3. A energia
é, na atualidade, um bem essencial à população,
constituindo-se serviço público indispensável subordinado
ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo
que se torna impossível a sua interrupção.
4. Os arts.
22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às
empresas concessionárias de serviço público.
5. O corte
de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de
tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade.
6. Não
há de se prestigiar atuação da Justiça privada
no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e
financeiramente mais forte, em largas proporções, do que
o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais
da inocência presumida e da ampla defesa.
7. O direito
do cidadão de se utilizar dos serviços públicos
essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas
a beneficiar a quem deles se utiliza.
8. Recurso
improvido. |
Decisão |
Por
unanimidade, negar provimento ao recurso. |
Indexação |
ILEGALIDADE,
SUSPENSÃO, FORNECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, AUSENCIA, PAGAMENTO,
TARIFA, CARACTERIZAÇÃO, SERVIÇO ESSENCIAL, SUBORDINAÇÃO,
PRINCIPIO, CONTINUAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. |
Referências
Legislativas |
LEG:FED
LEI:008078 ANO:1990
*****
CDC-90 CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ART:00022
ART:00042 |
Como dissemos, a própria
OAB-SP endossa indiretamente a inclusão do STF neste Febeanet:
OAB-SP CRITICA DECISÃO DO
STF
Fonte: Assessoria de Imprensa
- 29/06/2001 |
"Mais uma vez o Supremo Tribunal
Federal decidiu politicamente, quando deveria ter julgado juridicamente",
afirmou o presidente da Seccional Paulista da OAB, Carlos Miguel Aidar,
com referência à decisão tomada ontem pelo STF de garantir
os pontos polêmicos do programa de racionamento de energia, na forma
como proposto pelo Governo.
"O ministro Marco Aurélio,
desde sua posse, vem firmando posição de que o STF deve ter
uma atuação voltada à observância da regra normativa
e não de avalista das decisões da política governamental,
como aconteceu", afirma o presidente da OAB-SP.
Para Aidar, somente os votos dos
ministros Marco Aurélio de Mello (presidente) e Néri da Silveira
(relator), contra a legalidade do plano do governo, respeitaram os direitos
constitucionais, dos quais o Supremo é guardião. "A suspensão
de mais de 50 liminares concedidas contra o programa de racionamento em
todo o País é um ato contra os direitos dos cidadãos.
Todos os ministros sabem - assim como os juízes que concederam as
liminares - que a sobretaxa e os cortes estabelecidos para os consumidores
que não cumprirem as metas fixadas são ilegais", diz Aidar.
A OAB-SP foi uma das entidades que
entrou com Ação Civil Pública contra as medidas do
racionamento, em maio, tendo obtido iminar junto à Justiça
Federal. Na avaliação de Aidar, o consumidor foi privado
de seus direitos e não há mais instâncias legais que
possa interpor recurso.
"Foi uma decisão injusta para
com a sociedade brasileira", conclui o presidente da OAB-SP. Mais informações
na Assessoria de Imprensa da OAB-SP, pelos telefones (0**11) 239-5122,
ramal 224, e (0**11) 3105-0465. |
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