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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/31/01 23:25:43
FEBEANET
Justiça apagada
Ou: "Pior a ementa que o soneto..."

E o apagão de idéias que há tanto tempo vem apagando o governo brasileiro já  contaminou até a Justiça. Seu símbolo, uma senhorita de olhos vendados segurando uma balança, é cada vez mais explicado de novo modo, nada honroso aliás. A venda seria para não enxergar a realidade e o arcabouço legal existente, e a balança, bem, o juiz Nicolau deve ter usado para pesar o ouro retirado dos cofres públicos. 

Como a memória costuma ser um tanto curta, o tal juiz, carinhosamente apelidado de Lalau, é o tal que - depois de apanhado roubando o Brasil durante as obras superfaturadas de um suntuoso edifício para o Judiciário - conseguiu o direito de cumprir em seu palacete a pena prevista, sem que se tenha notícia da devolução efetiva do dinheiro desviado. Ele conseguiu o benefício da prisão domiciliar porque estava deprimido... Se a moda pega...

Técnica exportada - Bem, pelo menos nesse caso, o Brasil deve estar exportando conhecimento: os defensores do ditador chileno Augusto Pinochet usaram dias depois o mesmo truque e conseguiram até mais: todos os processos contra o ex-ditador foram suspensos porque ele repentinamente ficou demente... Acredite, se quiser! (não seria o contrário, demente ele sempre foi e agora ficou lúcido?)

Mas, nosso assunto não é a caridosa Justiça que - se o réu não é juiz, rico ou autoridade - esquece toda a dó e piedade na hora de mandar para o xilindró a mãe que roubou um alimento para seu filho faminto (novamente: acredite, se quiser!). O assunto é a manifestação dos juízes sobre a constitucionalidade das medidas governamentais relacionadas ao racionamento de energia.

Nossos doutos magistrados, numa esfera em que os interesses políticos prevalecem sobre tudo o mais, simplesmente rasgaram a Constituição, torceram todo o Direito Brasileiro e deram um jeitinho (pois é...) de considerar que o governo pode cortar o fornecimento de eletricidade do cidadão que não cumprir a meta de racionamento. Mesmo ele pagando em dia as suas contas. 

Ou seja, com o aval do Judiciário, o Executivo aplicou um formidável golpe de Estado sobre a população brasileira, forçando todos a uma economia de 20% no consumo de eletricidade. Detalhe: aproveitou para aumentar as tarifas em 16%, assim o cidadão continua pagando uma conta praticamente igual, por um consumo menor, e só vai perceber efetivamente a maracutaia quando puder retomar o consumo normal - se um dia isso acontecer. Uma formidável transferência de recursos do empobrecido cidadão para as enriquecidas concessionárias de distribuição de energia elétrica, à sombra de um absurdo conluio entre governo incompetente e um Fundo Monetário Internacional (FMI) altamente competente em afundar países em desenvolvimento. 

Justiça enrolada - A grande pitada de humor dessa negra história é que o cidadão comum tem uma excelente arma para revidar contra esse estado de coisas: por decisão judicial, que o cidadão pode invocar se quiser, basta que ao receber a fatura do fornecimento da energia elétrica o cidadão NÃO PAGUE A CONTA!

É assim: decidiu a Justiça (veja abaixo) que eletricidade é um bem essencial e portanto as concessionárias de energia elétrica não podem suspender o seu fornecimento ao usuário inadimplente. Dessa forma, se o cidadão ameaçado com o corte no fornecimento deixar de pagar a conta, a concessionária não pode desligar a luz. Aí, a questão vai para a Justiça, e quando finalmente for julgada, algumas décadas mais tarde, o cidadão já terá falecido, mudado de endereço, até o país já será outro, decerto um tal de BraZil, quintal de alguma potência mundial...

Registramos a manifestação de um internauta, o inconformado Carlos Tebecherani Haddad, que nos dias 2 e 5/7/2001 enviou a Novo Milênio as informações básicas para esta inscrição no Febeanet:
 

"O Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência, tem até Súmula, no sentido de que cortar a energia do consumidor inadimplente é ILEGAL, porque fornecimento de energia elétrica é serviço ESSENCIAL, portanto não pode ser descontinuado, e a empresa fornecedora é muito mais forte do que o consumidor, e tem toda a condição de buscar o seu crédito na justiça.

Se não pode cortar energia de quem está INADIMPLENTE, o que dizer de quem está pagando tudo certinho, e só não cumpriu a meta estabelecida (linearmente, diga-se de passagem...) pelo ministro do apagão?

A decisão do STF foi eminentemente política, aliás como disseram alguns ministros, Sydney Sanches inclusive. Assim, não tendo o cidadão a quem recorrer dessa violência inaudita, a coisa ficou preta definitivamente, e está instaurado o regime do SALVE-SE QUEM PUDER!

Não estranhe o leitor, diante da crescente politização e relativização da Justiça, que as decisões dos juízes sejam cada vez mais questionadas e descumpridas impunemente pela sociedade, como quando trabalhadores em greve simplesmente colocam na lata de lixo da História uma decisão judicial para que voltem ao trabalho. Desmoralizada por lalaus, pela absurda lentidão dos processos (falta dinheiro para um computador que agilize o trabalho burocrático, mas sobra para a construção de prédios suntuosos), e agora também por suas próprias decisões absurdas, poderia a Justiça nacional se fazer respeitar por alguém? (Que se registre, a bem da verdade, o mérito de alguns juízes que procuram honrar a toga que usam. São as exceções que, pela excepcionalidade, confirmam a regra...)

É por isso, data venia, que a coordenação do Festival de Besteiras que Assola a Internet (Febeanet) processa mais esta inscrição no festival-2001, com o endosso indireto da própria OAB-SP. Observe-se, aliás, que neste caso fica para o julgamento dos internautas apenas a eletrizante atuação dos enrolados (ou enroladores?) supremos juízes no caso específico dos cortes de energia. Ah, saudades do Chacrinha, que dizia na televisão: "Eu vim para confundir, não vim para explicar!" 


P.S.: Para que os leitores julguem por si mesmos, incluímos a ementa do julgamento de um caso de cidadão inadimplente com uma concessionária de eletricidade:
 
Criterio de 
Pesquisa:
1 ((CONSUMIDOR ADJ INADIMPLENTE) OU (CORTE ADJ DE ADJ ENERGIA)) OU (SERVICO ADJ PUBLICO ADJ ESSENCIAL) 
Documento:  6 de 7 
Inteiro Teor Acompanhamento Processual
Acórdão  ROMS 8915/MA ; RECURSO ORDINARIO EM MANDADO DE SEGURANÇA (1997/0062447-1)
Fonte  DJ       DATA:17/08/1998   PG:00023
Relator(a)  Min. JOSÉ DELGADO (1105)
Data da Decisão  12/05/1998
Orgão Julgador  T1 - PRIMEIRA TURMA
Ementa  ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENERGIA ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA. CORTE. IMPOSSIBILIDADE.
1. É condenável o ato praticado pelo usuário que desvia energia elétrica, sujeitando-se até a responder penalmente.
2. Essa violação, contudo, não resulta em reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma.
3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção.
4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público.
5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade.
6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa.
7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza.
8. Recurso improvido.
Decisão  Por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Indexação  ILEGALIDADE, SUSPENSÃO, FORNECIMENTO, ENERGIA ELETRICA, AUSENCIA, PAGAMENTO, TARIFA, CARACTERIZAÇÃO, SERVIÇO ESSENCIAL, SUBORDINAÇÃO, PRINCIPIO, CONTINUAÇÃO, PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
Referências
Legislativas 
LEG:FED LEI:008078 ANO:1990
*****  CDC-90    CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
ART:00022 ART:00042

Como dissemos, a própria OAB-SP endossa indiretamente a inclusão do STF neste Febeanet:

OAB-SP CRITICA DECISÃO DO STF
Fonte: Assessoria de Imprensa - 29/06/2001
"Mais uma vez o Supremo Tribunal Federal decidiu politicamente, quando deveria ter julgado juridicamente", afirmou o presidente da Seccional Paulista da OAB, Carlos Miguel Aidar, com referência à decisão tomada ontem pelo STF de garantir os pontos polêmicos do programa de racionamento de energia, na forma como proposto pelo Governo. 

"O ministro Marco Aurélio, desde sua posse, vem firmando posição de que o STF deve ter uma atuação voltada à observância da regra normativa e não de avalista das decisões da política governamental, como aconteceu", afirma o presidente da OAB-SP. 

Para Aidar, somente os votos dos ministros Marco Aurélio de Mello (presidente) e Néri da Silveira (relator), contra a legalidade do plano do governo, respeitaram os direitos constitucionais, dos quais o Supremo é guardião. "A suspensão de mais de 50 liminares concedidas contra o programa de racionamento em todo o País é um ato contra os direitos dos cidadãos. Todos os ministros sabem - assim como os juízes que concederam as liminares - que a sobretaxa e os cortes estabelecidos para os consumidores que não cumprirem as metas fixadas são ilegais", diz Aidar. 

A OAB-SP foi uma das entidades que entrou com Ação Civil Pública contra as medidas do racionamento, em maio, tendo obtido iminar junto à Justiça Federal. Na avaliação de Aidar, o consumidor foi privado de seus direitos e não há mais instâncias legais que possa interpor recurso. 

"Foi uma decisão injusta para com a sociedade brasileira", conclui o presidente da OAB-SP. Mais informações na Assessoria de Imprensa da OAB-SP, pelos telefones (0**11) 239-5122, ramal 224, e (0**11) 3105-0465.