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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 05/31/01 23:25:43
FEBEANET
Naya já pode viajar para Israel


Sérgio Naya, vulgo "o Demolidor", pode se quiser partir em viagem pelo mundo, livre, leve e solto, para administrar os diversos imóveis que alega não ter, escolher as melhores taças de champanhe para brindar à saúde dos juízes nacionais e até visitar seu colega israelense na prisão. Três anos após o edifício Palace II desabar no Rio de Janeiro, o responsável pela obra e ex-deputado brasileiro disse, em seu escritório em Brasília, estar muito feliz e emocionado com a decisão da Justiça Criminal brasileira. Não é para menos: em situação bastante semelhante ocorrida em Israel, seu colega foi condenado e preso, apenas três dias depois da tragédia em que morreram diversos participantes de uma festa de casamento, em Jerusalém.

Vale citar, como contraponto ao caso brasileiro, o que ocorreu em Israel: Naquele país, a justiça ordenou que dez pessoas fossem presas devido ao desabamento de um prédio no dia 24/5/2001, quando morreram 23 pessoas e 250 ficaram feridas, a maioria participando de uma festa de casamento. Das dez pessoas com ordem de prisão, nove foram detidas no dia 26/5 e a décima no terceiro dia após a tragédia. 

"Entre os detidos estão os proprietários do prédio e os engenheiros responsáveis pela obra", informa a respeito o noticiário do grupo CNN em português, continuando: "Um deles é o inventor de um método de construção, popular nos anos 80 e proibido há cinco anos, que empregava materiais leves e abaixo dos padrões, como lâminas de metal e finas camadas de cimento na construção de tetos. As autoridades acreditam que o desabamento tenha ocorrido porque uma parede de apoio teria sido retirada na reforma do prédio, mas ainda não concluíram se a qualidade do piso também foi responsável pelo desastre."

"O primeiro-ministro Ariel Sharon, que visitou o local da tragédia, classificou o acidente como um desastre nacional e disse que convocaria uma reunião extraordinária de seu gabinete para anunciar uma comissão que investigará a tragédia", informa a notícia da CNN. 

Cá e lá - Lembrem os leitores as atitudes (não) tomadas no caso brasileiro pelo Executivo e pelo Judiciário (o Legislativo ainda cassou o agora ex-deputado, mas por falta de decoro parlamentar, num episódio de falsificação da assinatura de um governador). É por isso, data venia, que a coordenação do Festival de Besteiras que Assola a Internet (Febeanet) se declara muito emocionada ao processar mais esta inscrição no festival-2001.

Os saudosos Sérgio Porto, Barão de Itararé e Chacrinha, que lá de cima auxiliam a construir este festival, decerto concordariam que o Judiciário Brasileiro - este pilar que sustenta o arcabouço constitucional do País - julgou de forma engenhosa este caso, dando um edificante exemplo ao País.  


Para que os leitores recordem, recolhemos nos arquivos do jornal O Globo algumas notícias sobre o caso brasileiro, publicadas em 26/5/2001:

Justiça autoriza Sérgio Naya a sair do país
Com a absolvição, o ex-deputado Sérgio Naya pode sair do país quando quiser. Na sentença, o juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, da 33 Vara Criminal, determinou que fosse comunicado à Delegacia de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras da Polícia Federal, que “estão levantadas as restrições à saída de Sérgio Augusto Naya do país”. 

Em 11 de janeiro do ano passado, quando teve a prisão preventiva revogada por este mesmo juiz, o ex-deputado assinara um termo se comprometendo a não viajar para o exterior e a se apresentar à Justiça sempre que chamado. 

A promotora Cláudia Perlingeiro entrou com pedido de liminar contra a decisão do juiz alegando que os advogados do réu deram como garantia para a liberdade provisória os mesmos endereços nos quais ele nunca fora encontrado pelos oficiais de Justiça. Naya não poderia deixar o país. 

O empresário Sérgio Naya estava em um de seus escritórios, em Brasília, quando foi informado sobre a sentença que o eximiu de responsabilidade criminal pelo desabamento do Palace II. 

— Estou muito feliz e emocionado. Nunca deixei de acreditar na Justiça e ela foi feita. A única coisa que quero é resolver todos os problemas decorrentes da tragédia do Palace II para viver em paz — disse o ex-deputado a um interlocutor. Ele se recusou a conversar com jornalistas. 

Embora tenha dito ano passado que faria o possível para não pagar as indenizações aos ex-moradores do Palace II, Naya tem patrimônio para cobrir, no mínimo, cinco vezes o que valia o edifício que desabou. Somente os 15 imóveis apresentados à Justiça como garantia para a liberação de outros bens bloqueados valiam R$ 94,5 milhões, o suficiente para comprar quase cinco vezes os 176 apartamentos do Palace, avaliados, na época, em R$ 130 mil cada. Somente um terreno na Avenida das Américas, na Barra, foi avaliado em R$ 22 milhões. 

Naya teria ainda construções em Orlando (EUA) avaliadas em mais de US$ 45 milhões, contas bancárias, carros, caminhões, tratores, helicópteros e aviões em nome de suas empresas. Em Brasília, além de um hotel orçado em R$ 30 milhões, possui ainda 75% do St. Paul Park Hotel; um edifício de R$ 8,6 milhões; lojas; dois apartamentos e um restaurante. Entre outros bens, ele possui ainda fazendas e terrenos em Minas Gerais e no Distrito Federal; um empreendimento em Osasco (SP) avaliado em mais de R$ 12 milhões. 

COLABOROU Jailton de Carvalho (Brasília)

Desabamento sem castigo
Solange Duart e Célia Costa

Somente o engenheiro José Roberto Chendes é culpado pelo desabamento do edifício Palace II, que aconteceu em 22 de fevereiro de 1998, matando oito pessoas e deixando 120 famílias desabrigadas na Barra da Tijuca. A conclusão é do juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, da 33 Vara Criminal, que, em sentença divulgada ontem, absolveu do crime de desabamento, por falta de provas, o ex-deputado federal Sérgio Augusto Naya e o engenheiro civil Sérgio Murilo Domingues, que haviam sido denunciados pelo Ministério Público juntamente com Chendes. Ele foi condenado à pena de dois anos e oito meses de detenção, substituída por prestação de serviços à comunidade por este mesmo período, durante o qual não poderá exercer a engenharia. O Ministério Público e o assistente da acusação, Nélio Andrade, vão recorrer assim que receberem a intimação oficial sobre a sentença. 

José Roberto Chendes foi o responsável pelo cálculo estrutural da obra. Caberá ao juiz da Vara de Execuções Penais decidir em qual estabelecimento ele prestará serviço durante uma hora por dia por dois anos e oito meses. Para fixar o tempo da punição e decidir pela substituição da pena privativa de liberdade, o juiz diz, na sentença, que levou em conta os ótimos antecedentes de José Roberto Chendes, sua excelente conduta social e o até então irrepreensível bom nome profissional do engenheiro. 

O juiz — o mesmo que em 11 de janeiro do ano passado revogou a prisão preventiva de Sérgio Naya — determinou na sentença que a Delegacia de Polícia Marítima, Aérea e de Fronteiras (da Polícia Federal) seja informada de que estão levantadas as restrições à saída do ex-deputado federal do país. Heraldo Saturnino de Oliveira determinou ainda que o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea) seja avisado de que Chendes não pode exercer a profissão por dois anos e oito meses. 

A promotora Janaína Marques Corrêa não quis comentar a sentença, mas informou, através da assessoria de comunicação social do MP, que vai entrar com recurso semana que vem, assim que for oficialmente informada sobre a sentença. 

Advogado diz que vai recorrer da sentença

O advogado Nélio Andrade, assistente de acusação contratado pelos ex-moradores do Palace II, no entanto, não escondeu sua irritação: 

— Esta sentença, no meu entendimento, não resiste a cinco minutos de leitura comparando-se com as provas apresentadas por mim e pelo Ministério Público. A prova contra Sérgio Naya é farta. Eu respeito, mas discordo da sentença. Tanto que vou recorrer. 

Um grupo de 40 ex-moradores do Palace II mora até hoje no Hotel Atlântico Sul, no Recreio. Os demais tentam recompor a vida morando em apartamentos alugados, em casa de parentes ou ainda lutando para comprar outro apartamento.

Nélio disse ter certeza de que a sentença do juiz será modificada em segunda instância: 

— Tenho certeza de que os desembargadores do Tribunal de Justiça vão reformar esta decisão de primeiro grau. Juntamos todas as provas possíveis contra os réus e não há como refutá-las. A prova para condenar o ex-deputado é farta. Chegamos a trazer o piloto dele, que provou que Naya veio ao Rio mais de cem vezes acompanhar as obras. Naya deve estar comemorando tomando champanhe não em taça de cristal, mas em taça de ouro. Mesmo assim, acredito que a reforma da sentença pelos desembargadores fará com que ele tome champanhe em latinha de cerveja 

O deputado estadual Carlos Minc (PT), presidente da Comissão Contra a Impunidade da Alerj, considerou a sentença um retrocesso: 

— A gente consegue resolver um assunto (no Senado) e cria outro. Essa absolvição é um pouco um tapa na cara do povo brasileiro. É mostrar que o crime compensa. 

O advogado Ivan Vasquez, que atuou no caso defendendo o engenheiro Sérgio Murilo Domingues, considerou a sentença justa: 

— Meu cliente não deveria ter sido sequer denunciado. Ele não tem nada a ver com o desabamento. 

Sobre a absolvição de Naya, ele disse desconhecer o conteúdo do processo em relação ao ex-deputado. Sobre José Roberto Chendes, no entanto, o advogado foi enfático ao dizer que a responsabilidade pelo desabamento foi exclusivamente do engenheiro. Segundo o advogado, Chendes foi responsável pelo cálculo da estrutura do Palace II. 

Na sentença, o juiz criticou as reportagens feitas pela Rede Globo sobre o caso. O diretor da Central Globo de Comunicação (CGC), Luiz Erlanger, disse que não cabe à emissora julgar uma sentença judicial. 

Relembre a tragédia
Era madrugada do dia 22 de fevereiro de 1998, um domingo de carnaval, quando moradores do edifício Palace II foram acordados por um estrondo seguido de um tremor. Um dos pilares de sustentação do edifício, que tinha 176 apartamentos e fora ocupado mesmo sem habite-se, estava danificado. Quarenta e quatro apartamentos desabaram e oito pessoas morreram soterradas. 

Em 27 de fevereiro, mais 22 apartamentos desabaram. No dia seguinte, a prefeitura implodiu o Palace II. Segundo engenheiros, dois pilares do prédio estavam subdimensionados para o peso que deveriam suportar. 

No rastro da tragédia, a carreira política de Sérgio Naya, então deputado federal pelo PTB de Minas Gerais, entrou em declínio. Em 1 de março de 98, foi divulgado um vídeo em que Naya afirmava ter falsificado a assinatura de um governador. 

Três dias depois, ele foi expulso do PTB e, em 15 de abril, teve o mandato cassado pela Câmara, por falta de decoro parlamentar. 

No réveillon daquele ano, outro vídeo causou revolta entre vítimas do desabamento: nele, o ex-deputado aparecia comemorando a passagem do ano num hotel na Flórida e a certa altura reclamava das taças em que uma funcionária pretendia servir o champanhe: “Essas taças são de pobre... Miséria, miséria... Isso aí tá feio.” 

Em 15 dezembro de 1999, Naya, que tivera a prisão decretada por crime de desabamento doloso, se entregou à Justiça. No entanto, no dia 11 de janeiro de 2000, um juiz revogou o mandado de prisão.