FEBEANET
Naya já pode viajar para
Israel
Sérgio
Naya, vulgo "o Demolidor", pode se quiser partir em viagem pelo mundo,
livre, leve e solto, para administrar os diversos imóveis que alega
não ter, escolher as melhores taças de champanhe para brindar
à saúde dos juízes nacionais e até visitar
seu colega israelense na prisão. Três anos após o edifício
Palace II desabar no Rio de Janeiro, o responsável pela obra e ex-deputado
brasileiro disse, em seu escritório em Brasília, estar muito
feliz e emocionado com a decisão da Justiça Criminal brasileira.
Não é para menos: em situação bastante semelhante
ocorrida em Israel, seu colega foi condenado e preso, apenas três
dias depois da tragédia em que morreram diversos participantes de
uma festa de casamento, em Jerusalém.
Vale citar, como contraponto ao caso
brasileiro, o que ocorreu em Israel: Naquele país, a justiça
ordenou que dez pessoas fossem presas devido ao desabamento de um prédio
no dia 24/5/2001, quando morreram 23 pessoas e 250 ficaram feridas, a maioria
participando de uma festa de casamento. Das dez pessoas com ordem de prisão,
nove foram detidas no dia 26/5 e a décima no terceiro dia após
a tragédia.
"Entre os detidos estão os
proprietários do prédio e os engenheiros responsáveis
pela obra", informa
a respeito o noticiário do grupo CNN em português, continuando:
"Um deles é o inventor de um método de construção,
popular nos anos 80 e proibido há cinco anos, que empregava materiais
leves e abaixo dos padrões, como lâminas de metal e finas
camadas de cimento na construção de tetos. As autoridades
acreditam que o desabamento tenha ocorrido porque uma parede de apoio teria
sido retirada na reforma do prédio, mas ainda não concluíram
se a qualidade do piso também foi responsável pelo desastre."
"O primeiro-ministro Ariel Sharon,
que visitou o local da tragédia, classificou o acidente como um
desastre
nacional e disse que convocaria uma reunião extraordinária
de seu gabinete para anunciar uma comissão que investigará
a tragédia", informa a notícia da CNN.
Cá e lá - Lembrem
os leitores as atitudes (não) tomadas no caso brasileiro pelo Executivo
e pelo Judiciário (o Legislativo ainda cassou o agora ex-deputado,
mas por falta de decoro parlamentar, num episódio de falsificação
da assinatura de um governador). É por isso, data venia,
que a coordenação do Festival de Besteiras que Assola a Internet
(Febeanet) se declara muito emocionada ao processar
mais esta inscrição no festival-2001.
Os saudosos Sérgio Porto,
Barão de Itararé e Chacrinha, que lá de cima auxiliam
a construir este festival, decerto concordariam que o Judiciário
Brasileiro - este pilar que sustenta o arcabouço constitucional
do País - julgou de forma engenhosa este caso, dando um edificante
exemplo ao País.
Para que os leitores recordem,
recolhemos nos arquivos do jornal O Globo algumas notícias
sobre o caso brasileiro, publicadas em 26/5/2001:
Justiça
autoriza Sérgio Naya a sair do país |
Com a absolvição,
o ex-deputado Sérgio Naya pode sair do país quando quiser.
Na sentença, o juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, da 33 Vara Criminal,
determinou que fosse comunicado à Delegacia de Polícia Marítima,
Aérea e de Fronteiras da Polícia Federal, que “estão
levantadas as restrições à saída de Sérgio
Augusto Naya do país”.
Em 11 de janeiro do ano passado,
quando teve a prisão preventiva revogada por este mesmo juiz, o
ex-deputado assinara um termo se comprometendo a não viajar para
o exterior e a se apresentar à Justiça sempre que chamado.
A promotora Cláudia Perlingeiro
entrou com pedido de liminar contra a decisão do juiz alegando que
os advogados do réu deram como garantia para a liberdade provisória
os mesmos endereços nos quais ele nunca fora encontrado pelos oficiais
de Justiça. Naya não poderia deixar o país.
O empresário Sérgio
Naya estava em um de seus escritórios, em Brasília, quando
foi informado sobre a sentença que o eximiu de responsabilidade
criminal pelo desabamento do Palace II.
— Estou muito feliz e emocionado.
Nunca deixei de acreditar na Justiça e ela foi feita. A única
coisa que quero é resolver todos os problemas decorrentes da tragédia
do Palace II para viver em paz — disse o ex-deputado a um interlocutor.
Ele se recusou a conversar com jornalistas.
Embora tenha dito ano passado que
faria o possível para não pagar as indenizações
aos ex-moradores do Palace II, Naya tem patrimônio para cobrir, no
mínimo, cinco vezes o que valia o edifício que desabou. Somente
os 15 imóveis apresentados à Justiça como garantia
para a liberação de outros bens bloqueados valiam R$ 94,5
milhões, o suficiente para comprar quase cinco vezes os 176 apartamentos
do Palace, avaliados, na época, em R$ 130 mil cada. Somente um terreno
na Avenida das Américas, na Barra, foi avaliado em R$ 22 milhões.
Naya teria ainda construções
em Orlando (EUA) avaliadas em mais de US$ 45 milhões, contas bancárias,
carros, caminhões, tratores, helicópteros e aviões
em nome de suas empresas. Em Brasília, além de um hotel orçado
em R$ 30 milhões, possui ainda 75% do St. Paul Park Hotel; um edifício
de R$ 8,6 milhões; lojas; dois apartamentos e um restaurante. Entre
outros bens, ele possui ainda fazendas e terrenos em Minas Gerais e no
Distrito Federal; um empreendimento em Osasco (SP) avaliado em mais de
R$ 12 milhões.
COLABOROU Jailton de Carvalho
(Brasília) |
Desabamento
sem castigo |
Solange Duart e Célia
Costa
Somente o engenheiro José
Roberto Chendes é culpado pelo desabamento do edifício Palace
II, que aconteceu em 22 de fevereiro de 1998, matando oito pessoas e deixando
120 famílias desabrigadas na Barra da Tijuca. A conclusão
é do juiz Heraldo Saturnino de Oliveira, da 33 Vara Criminal, que,
em sentença divulgada ontem, absolveu do crime de desabamento, por
falta de provas, o ex-deputado federal Sérgio Augusto Naya e o engenheiro
civil Sérgio Murilo Domingues, que haviam sido denunciados pelo
Ministério Público juntamente com Chendes. Ele foi condenado
à pena de dois anos e oito meses de detenção, substituída
por prestação de serviços à comunidade por
este mesmo período, durante o qual não poderá exercer
a engenharia. O Ministério Público e o assistente da acusação,
Nélio Andrade, vão recorrer assim que receberem a intimação
oficial sobre a sentença.
José Roberto Chendes foi o
responsável pelo cálculo estrutural da obra. Caberá
ao juiz da Vara de Execuções Penais decidir em qual estabelecimento
ele prestará serviço durante uma hora por dia por dois anos
e oito meses. Para fixar o tempo da punição e decidir pela
substituição da pena privativa de liberdade, o juiz diz,
na sentença, que levou em conta os ótimos antecedentes de
José Roberto Chendes, sua excelente conduta social e o até
então irrepreensível bom nome profissional do engenheiro.
O juiz — o mesmo que em 11 de janeiro
do ano passado revogou a prisão preventiva de Sérgio Naya
— determinou na sentença que a Delegacia de Polícia Marítima,
Aérea e de Fronteiras (da Polícia Federal) seja informada
de que estão levantadas as restrições à saída
do ex-deputado federal do país. Heraldo Saturnino de Oliveira determinou
ainda que o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea)
seja avisado de que Chendes não pode exercer a profissão
por dois anos e oito meses.
A promotora Janaína Marques
Corrêa não quis comentar a sentença, mas informou,
através da assessoria de comunicação social do MP,
que vai entrar com recurso semana que vem, assim que for oficialmente informada
sobre a sentença.
Advogado diz que vai recorrer
da sentença
O advogado Nélio Andrade,
assistente de acusação contratado pelos ex-moradores do Palace
II, no entanto, não escondeu sua irritação:
— Esta sentença, no meu entendimento,
não resiste a cinco minutos de leitura comparando-se com as provas
apresentadas por mim e pelo Ministério Público. A prova contra
Sérgio Naya é farta. Eu respeito, mas discordo da sentença.
Tanto que vou recorrer.
Um grupo de 40 ex-moradores do Palace
II mora até hoje no Hotel Atlântico Sul, no Recreio. Os demais
tentam recompor a vida morando em apartamentos alugados, em casa de parentes
ou ainda lutando para comprar outro apartamento.
Nélio disse ter certeza de
que a sentença do juiz será modificada em segunda instância:
— Tenho certeza de que os desembargadores
do Tribunal de Justiça vão reformar esta decisão de
primeiro grau. Juntamos todas as provas possíveis contra os réus
e não há como refutá-las. A prova para condenar o
ex-deputado é farta. Chegamos a trazer o piloto dele, que provou
que Naya veio ao Rio mais de cem vezes acompanhar as obras. Naya deve estar
comemorando tomando champanhe não em taça de cristal, mas
em taça de ouro. Mesmo assim, acredito que a reforma da sentença
pelos desembargadores fará com que ele tome champanhe em latinha
de cerveja
O deputado estadual Carlos Minc (PT),
presidente da Comissão Contra a Impunidade da Alerj, considerou
a sentença um retrocesso:
— A gente consegue resolver um assunto
(no Senado) e cria outro. Essa absolvição é um pouco
um tapa na cara do povo brasileiro. É mostrar que o crime compensa.
O advogado Ivan Vasquez, que atuou
no caso defendendo o engenheiro Sérgio Murilo Domingues, considerou
a sentença justa:
— Meu cliente não deveria
ter sido sequer denunciado. Ele não tem nada a ver com o desabamento.
Sobre a absolvição
de Naya, ele disse desconhecer o conteúdo do processo em relação
ao ex-deputado. Sobre José Roberto Chendes, no entanto, o advogado
foi enfático ao dizer que a responsabilidade pelo desabamento foi
exclusivamente do engenheiro. Segundo o advogado, Chendes foi responsável
pelo cálculo da estrutura do Palace II.
Na sentença, o juiz criticou
as reportagens feitas pela Rede Globo sobre o caso. O diretor da Central
Globo de Comunicação (CGC), Luiz Erlanger, disse que não
cabe à emissora julgar uma sentença judicial. |
Relembre
a tragédia |
Era madrugada do dia 22 de fevereiro
de 1998, um domingo de carnaval, quando moradores do edifício Palace
II foram acordados por um estrondo seguido de um tremor. Um dos pilares
de sustentação do edifício, que tinha 176 apartamentos
e fora ocupado mesmo sem habite-se, estava danificado. Quarenta e quatro
apartamentos desabaram e oito pessoas morreram soterradas.
Em 27 de fevereiro, mais 22 apartamentos
desabaram. No dia seguinte, a prefeitura implodiu o Palace II. Segundo
engenheiros, dois pilares do prédio estavam subdimensionados para
o peso que deveriam suportar.
No rastro da tragédia, a carreira
política de Sérgio Naya, então deputado federal pelo
PTB de Minas Gerais, entrou em declínio. Em 1 de março de
98, foi divulgado um vídeo em que Naya afirmava ter falsificado
a assinatura de um governador.
Três dias depois, ele foi expulso
do PTB e, em 15 de abril, teve o mandato cassado pela Câmara, por
falta de decoro parlamentar.
No réveillon daquele ano,
outro vídeo causou revolta entre vítimas do desabamento:
nele, o ex-deputado aparecia comemorando a passagem do ano num hotel na
Flórida e a certa altura reclamava das taças em que uma funcionária
pretendia servir o champanhe: “Essas taças são de pobre...
Miséria, miséria... Isso aí tá feio.”
Em 15 dezembro de 1999, Naya, que
tivera a prisão decretada por crime de desabamento doloso, se entregou
à Justiça. No entanto, no dia 11 de janeiro de 2000, um juiz
revogou o mandado de prisão. |
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