HUMOR
Um sistema assaz complicado!
Deu problema, pifou? Ah, foi o Sistema! Antes, o Sistema ainda tinha a cara do ditador de plantão, nos velhos tempos em que
existiam sistemas políticos definidos e era até possível saber se o Sistema era de centro, esquerda ou direita.
No mundo da informática, no século passado, Sistema era algo que
ainda se podia definir, dava-se um comando e ele geralmente obedecia. Se ninguém desse um comando, ele ficava ali, paradinho,
esperando ordens. Tinha nome e sobrenome: DR-DOS, MS Windows-95. Hoje, por trás de tudo, onipresente, está o Sistema. Parece
que ninguém mais o comanda, agora ele é que dá as ordens, age ou deixa de agir sem nos consultar, seguindo uma (falta de?) lógica
própria. O caixa eletrônico não liberou o dinheiro: Culpa do Sistema! Não dá para consultar o saldo? Não, o Sistema caiu. Ninguém vê
o Sistema, ele virou um Deus (ex-machina?!?), está em toda parte, sabe tudo sobre nós, é um ser considerado todo-poderoso...
Por isso, é bem oportuna para reflexão - além do bom humor
intrínseco - esta alegoria sobre o Sistema, enviada por Renato Barboza, em 20/2/2001, à lista brasileira de debates sobre
negócios Widebiz:
O assado
O leitor Osdilson Amorim Oliveira enviou esta colaboração, explicando
que o texto original deste trabalho, em espanhol, circulou entre os alunos do curso de pós-graduação da Universidade de Piracicaba,
em 1981. A sutileza com que o autor satiriza um dos problemas de nossos tempos fez com que imediatamente o texto chamasse a atenção
de alunos e professores, convertendo-se em tema de conversas e debates. É uma das possíveis variações de uma velha história sobre a
origem do assado.
Certa vez, aconteceu um incêndio num bosque onde havia alguns porcos,
que foram assados pelo fogo. Os homens, acostumados a comer carne crua, experimentaram e acharam deliciosa a carne assada. A partir
daí, toda vez que queriam comer porco assado, incendiavam um bosque... Até que descobriram um novo método.
Mas o que quero contar é o que aconteceu quando tentaram mudar o
SISTEMA para implantar um novo. Fazia tempo que as coisas não iam lá muito bem: às vezes, os animais ficavam queimados demais ou
parcialmente crus. O processo preocupava muito a todos, porque se o SISTEMA falhava, as perdas ocasionadas eram muito grandes -
milhões eram os que se alimentavam de carne assada e também milhões os que se ocupavam com a tarefa de assá-los.
Portanto, o SISTEMA simplesmente não podia falhar. Mas, curiosamente,
quanto mais crescia a escala do processo, mais parecia falhar e maiores eram as perdas causadas.
Em razão das inúmeras deficiências, aumentavam as queixas. Já era um
clamor geral a necessidade de reformar profundamente o SISTEMA. Congressos, seminários e conferências passaram a ser realizados
anualmente para buscar uma solução. Mas parece que não acertavam o melhoramento do mecanismo. Assim, no ano seguinte, repetiam-se os
congressos, seminários e conferências.
As causas do fracasso do SISTEMA, segundo os especialistas, eram
atribuídas à indisciplina dos porcos, que não permaneciam onde deveriam, ou à inconstante natureza do fogo, tão difícil de
controlar, ou ainda às árvores, excessivamente verdes, ou à umidade da terra ou ao serviço de informações meteorológicas, que
não acertava o lugar, o momento e a quantidade das chuvas.
As causas eram, como se vê, difíceis de determinar - na verdade, o
sistema para assar porcos era muito complexo. Fora montada uma grande estrutura: maquinário diversificado, indivíduos dedicados
exclusivamente a acender o fogo - incendiadores que eram também especializados (incediadores da Zona Norte, da Zona Oeste, etc,
incendiadores noturnos e diurnos - com especialização matutina e vespertina - incendiador de verão, de inverno etc.).
Havia especialista também em ventos - os anemotécnicos. Havia um
diretor geral de assamento e alimentação assada, um diretor de técnicas ígneas (com seu Conselho Geral de Assessores), um
administrador geral de reflorestamento, uma comissão de treinamento profissional em Porcologia, um instituto superior de cultura e
técnicas alimentícias (ISCUTA) e o bureau orientador de reforma igneo-operativas.
Havia sido projetada e encontrava-se em plena atividade a formação de
bosques e selvas, de acordo com as mais recentes técnicas de implantação - utilizando-se regiões de baixa umidade e onde os ventos
não soprariam mais que três horas seguidas.
Eram milhões de pessoas trabalhando na preparação dos bosques, que
logo seriam incendiados. Havia especialistas estrangeiros estudando a importação das melhores árvores e sementes, o fogo mais
potente etc. Havia grandes instalações para manter os porcos antes do incêndio, além de mecanismos para deixá-los sair apenas no
momento oportuno.
Foram formados professores especializados na construção dessas
instalações. Pesquisadores trabalhavam para as universidades para que os professores fossem especializados na construção das
instalações para porcos. Fundações apoiavam os pesquisadores que trabalhavam para as universidades que preparavam os professores
especializados na construção das instalações para porcos etc.
As soluções que os congressos sugeriam eram, por exemplo, aplicar
triangularmente o fogo depois de atingida determinada velocidade do vento, soltar os porcos 15 minutos antes que o incêndio médio da
floresta atingisse 47 graus e posicionar ventiladores gigantes em direção oposta à do vento, de forma a direcionar o fogo. Não é
preciso dizer que os poucos especialistas estavam de acordo entre si, e que cada um embasava suas idéias em dados e pesquisas
específicos.
Um dia, um incendiador categoria AB/SODM-VCH (ou seja, um acendedor de
bosques especializado em sudoeste diurno, matutino, com bacharelado em verão chuvoso) chamado João Bom-Senso resolveu dizer que o
problema era muito fácil de ser resolvido - bastava, primeiramente, matar o porco escolhido, limpando e cortando adequadamente o
animal, colocando-o então numa armação metálica sobre brasas, até que o efeito do calor - e não as chamas - assasse a carne.
Tendo sido informado sobre as idéias do funcionário, o diretor geral
de assamento mandou chamá-lo ao seu gabinete, e depois de ouvi-lo pacientemente, disse-lhe:
"Tudo o que o senhor disse está muito bem, mas não funciona na
prática. O que o senhor faria, por exemplo, com os anemotécnicos, caso viéssemos a aplicar a sua teoria?
Onde seria empregado todo o conhecimento dos acendedores de diversas
especialidades?". "Não sei", disse João.
"E os especialistas em sementes? Em árvores importadas? E os
desenhistas de instalações para porcos, com suas máquinas purificadores automáticas de ar?".
"Não sei".
"E os anemotécnicos que levaram anos especializando-se no exterior, e
cuja formação custou tanto dinheiro ao país? Vou mandá-los limpar porquinhos? E os conferencistas e estudiosos, que ano após ano têm
trabalhado no Programa de Reforma e Melhoramentos? Que faço com eles, se a sua solução resolver tudo? Heim?".
"Não sei", repetiu João, encabulado.
"O senhor percebe, agora, que a sua idéia não vem ao encontro daquilo
de que necessitamos? O senhor não vê que se tudo fosse tão simples, nossos especialistas já teriam encontrado a solução há muito
tempo atrás? O senhor, com certeza, compreende que eu não posso simplesmente convocar os anemotécnicos e dizer-lhes que tudo se
resume a utilizar brasinhas, sem chamas! O que o senhor espera que eu faça com os quilômetros e quilômetros de bosques já
preparados, cujas árvores não dão frutos e nem têm folhas para dar sombra? Vamos, diga-me?".
"Não sei, não, senhor".
"Diga-me, nossos três engenheiros em Porcopirotecnia, o senhor não
considera que sejam personalidades científicas do mais extraordinário valor?".
"Sim, parece que sim".
"Pois então. O simples fato de possuirmos valiosos engenheiros em
Porcopirotecnia indica que nosso sistema é muito bom. O que eu faria com indivíduos tão importantes para o país?"
"Não sei".
"Viu? O senhor tem que trazer soluções para certos problemas
específicos - por exemplo, como melhorar as anemotécnicas atualmente utilizadas, como obter mais rapidamente acendedores de Oeste
(nossa maior carência) ou como construir instalações para porcos com mais de sete andares. Temos que melhorar o sistema, e não
transformá-lo radicalmente, o senhor, entende? Ao senhor, falta-lhe sensatez!".
"Realmente, eu estou perplexo!", respondeu João.
"Bem, agora que o senhor conhece as dimensões do problema, não saia
dizendo por aí que pode resolver tudo. O problema é bem mais sério e complexo do que o senhor imagina. Agora, entre nós, devo
recomendar-lhe que não insista nessa sua idéia - isso poderia trazer problemas para o senhor no seu cargo. Não por mim, o senhor
entende. Eu falo isso para o seu próprio bem, porque eu o compreendo, entendo perfeitamente o seu posicionamento, mas o senhor sabe
que pode encontrar outro superior menos compreensivo, não é mesmo?".
João Bom-Senso, coitado, não falou mais um a. Sem despedir-se, meio
atordoado, meio assustado com a sua sensação de estar caminhando de cabeça para baixo, saiu de fininho e ninguém nunca mais o viu.
Por isso é que até hoje se diz, quando há reuniões de Reforma e Melhoramentos, que falta o Bom-Senso. |