FEBEANET
Voto à brasileira
Diz
a Constituição Brasileira, que cito pois parece que as pessoas
já esqueceram: "Art. 14. A soberania popular será exercida
pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos, e, nos termos da lei, que o voto é secreto e inviolável
(...)". Porém, neste país especial, há leis que "pegam"
e leis que "não pegam". Até nossa Constituição
deve ser examinada ao sabor dos interesses políticos, e interpretada
conforme as necessidades do momento (por isso, muita coisa está
na fila de espera para regulamentação há 13 anos,
como o capítulo dos juros de no máximo 12% ao ano...).
O ilustre há de compreender
- como os nossos sábios coronéis rurais sempre entenderam
- que seria uma bagunça se cada um pudesse votar em quem quisesse,
sem um mínimo de controle sobre os resultados. Nossos coronéis
sabem o que é bom para a gente, merecem nosso respeito e nossa admiração
pelo tanto que se sacrificam escondendo de nossas vistas todos aqueles
dossiês sobre a sujeira praticada na vida pública (devia ser
chamada de privada).
Agora chamados de juízes,
deputados e senadores, nossos próceres continuam cuidando para que
não votemos indevidamente, corrigindo assim os erros de um povo
que, como às vezes é lembrado, não sabe votar.
Tivemos uma amostra de como isso
funciona em tempos modernos com a criação da urna eletrônica:
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contrata a fabricação
das urnas, até dispensando licitação. O mesmo TSE
garante que o programa de computador e o próprio equipamento estão
em conformidade com os preceitos legais de segredo e inviolabilidade.
Não importa se o número
do seu título de eleitor é digitado (para quê?) num
terminal da máquina antes do seu voto (o que permitiria a alguém
unir as informações e saber em quem você votou) pois
o TSE garante que isso não ocorre. Também não importa
que você não veja seu voto impresso antes de cair na urna,
e tenha de confiar que a máquina obedeceu às suas instruções,
pois o TSE garante que o voto considerado vai para o candidato em que você
votou. E, para que não restem dúvidas, até a impressão
do voto, que permitiria uma conferência mínima em caso de
dúvida, foi eliminada a título de economia de papel... Ou
seja, meu irmão, tenha fé, o divino TSE garante! Se Deus
garante, há o que duvidar?
Bem, se você duvidar, sabe
o que acontece? Ora, quem vai julgar se a garantia do TSE é válida
ou não é... adivinhou? Pois é, é o onipresente
TSE! E, para você não se meter a besta de duvidar, saiba a
resposta de um juiz eleitoral, quando um partido político solicitou
a conferência completa dos programas usados na urna: negou, alegando
que ninguém havia pedido antes essa conferência! Que maravilhoso
exemplo do que passa pelas cabeças de nossos juízes...
Mas, a maior besteira do ano (até
porque o relatado acima é uma compilação de fatos
já antigos, que não cabem no Febeanet-2001) é a comparação
que uma autoridade defensora das urnas eletrônicas fez entre elas
e o painel de votação recentemente instalado no Senado Federal,
mostrando como ambos são confiáveis. Parece que o raio só
esperava isso para cair: descobriu-se que, como aliás de costume,
o tal sistema seguro não tem qualquer segurança, até
mesmo um político brasileiro, com toda a sua conhecida sapiência,
consegue manipular os botões de forma a votar pelo colega ausente,
para não falar dos eternos dossiês que provam ser possível
descobrir quem votou em quê nas tais sessões de voto secreto...
Ora, os profissionais de informática
sabem: não existe sistema de computador 100% seguro. O que se pode
fazer é dificultar a ação do invasor, criar algumas
armadilhas que revelem sua presença, e depois rastrear o sistema
até encontrá-lo. Ou esperar que
o invasor se traia, revelando possuir informações que não
deveria ter, ou comentando sua façanha com alguém que não
saiba manter o sigilo.
A propósito, o dono da Elizeu
Kopp Companhia Ltda., firma que fez o programa do painel do Senado, declarou
que quem tiver acesso aos programas poderia violar ou desviar os votos.
Ao menos, ele é honesto: a diretora do Prodasem, que disse que era
"impossível violar o voto", já foi devidamente ejetada de
suas funções.
O grande problema, agora, é
que a equipe independente da Universidade de Campinas (Unicamp), encarregada
de fazer a auditagem dos sistemas usados no painel de votações,
de há muito está sob suspeita de manipulação
política das perícias, pelos estranhos episódios em
que vem se envolvendo, como o caso do assassinado tesoureiro de campanha
do ex-presidente Fernando Collor, o Paulo César Farias, ou mais
recentemente, quando o reitor da Unicamp demitiu na véspera um perito
encarregado de analisar as fitas de áudio que poderiam comprometer
o senador Antônio Carlos Magalhães. De qualquer modo, para
ser "independente", a equipe de auditores não poderia ter como patrão
o próprio governo (a universidade é pública...)
.
Besteira das besteiras, portanto,
é aceitar simplesmente a palavra de alguém garantindo que
um sistema é seguro. O tempo mostrará a verdade, o que não
impede que a história dos sistemas eletrônicos de votação
no Brasil seja inscrita como forte concorrente no Festival de Besteiras
que Assola a Internet (Febeanet-2001). Não
é mesmo, caros Barão de Itararé, Sérgio Porto
e Chacrinha?
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