Praia da Enseada, no Guarujá, onde ocorrem
shows que provocam tremores em alguns prédios
Foto: Fernando Donasci/Folha Imagem, publicada com a matéria
VERÃO
Prédios tremem durante shows no Guarujá
Laudo do Instituto de Pesquisas Tecnológicas diz que movimentação do público na
beira da praia provoca vibrações
José Ernesto Credendio
Enviado especial ao Guarujá
Pelo segundo ano consecutivo, tremores abalaram prédios
e fizeram com que moradores deixassem apartamentos na praia da Enseada, no Guarujá (litoral de São Paulo), na noite do Réveillon.
Os tremores, semelhantes a pequenos sismos, ocorrem durante shows na praça
Horácio Lafer, ao lado da praia e do morro do Maluf. A causa, diz laudo do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), é o peso do público sobre o
solo instável à beira da praia. "As vibrações têm sua origem na movimentação de milhares de pessoas ao ritmo das músicas", diz o laudo. As vibrações
se propagam como em uma gelatina.
O impacto do [?] provoca no
solo o mesmo que as crianças fazem quando batem na areia molhada na praia: ela vai se misturando à água até ficar com aparência líquida. O local
fica amolecido, vibra e desestrutura o solo.
Para o IPT, as edificações devem ser monitoradas sempre que o público na praça for
superior a 12,5 mil pessoas. A Folha esteve em um apartamento de um dos prédios na sexta-feira passada, durante o show de Ivete
Sangalo, da meia-noite até a 1h.
À 0h24, surge o primeiro sinal do tremor. Colchões de molas começam a ranger e, logo
em seguida, o mesmo ocorre com a árvore de Natal montada na sala. A televisão quase cai. Em pé, a sensação é semelhante à de estar em um ônibus em
movimento.
A água colocada em recipientes sobre a mesa da sala tem pequenas ondas o tempo todo,
mesmo quando objetos param de se mover. Ivete Sangalo, à 0h57, pára a música e começa a falar. Quando ela volta a cantar, os mesmos fenômenos se
repetem.
O alerta de que o pânico gerado pelo Réveillon 2003 poderia se repetir chegou em
outubro ao Ministério Público do Guarujá, que recebeu um pedido de ação para proibir os shows deste ano. No entanto, o laudo do IPT diz que,
fora o incômodo para quem está nos prédios, não há risco para edificações, e o caso foi arquivado.
O pedido encaminhado ao Ministério Público traz uma relação de 14 edifícios em que
moradores sentiram os tremores e relatos de danos nos prédios, com nomes de síndicos, zeladores e testemunhas. Um deles, da rua Sílvio Daige, diz no
documento que a a piscina ficou com ondas fortes.
A situação é delicada: a Folha ouviu relatos de moradores interessados em levar
o caso à frente e de outros preocupados com a desvalorização dos apartamentos na praia. Na praia da Enseada há apartamentos avaliados em mais de R$
1 milhão.
O laudo do IPT nada conclui sobre riscos para prédios e moradores. Mas o instituto
ligado ao governo de São Paulo diz que novas avaliações devem ser feitas assim que ocorrerem novos shows na praia, o que já aconteceu na
sexta.
O laudo é contestado pela doutora em ciências da engenharia da Politécnica da USP
Maryangela Geimba de Lima, que estava em um dos prédios durante as duas últimas festas de Réveillon.
O responsável pelo laudo do IPT não foi localizado ontem. A empresa responsável pelo
evento, a Trio Promoções, que banca o estudo, avalia transferir os shows para outro local.
Ilustração publicada com a matéria
Outro lado
Empresa diz que pode mudar local de evento em 2006
Do enviado a Guarujá
O responsável pela Trio Promoções, empresa que realiza os shows no Guarujá, Rufino Ferreira Pinto, diz
que já estuda transferência para outro local na próxima temporada. Para poder realizar os shows, Pinto diz que a empresa teve de
contratar o IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) por determinação da prefeitura.
O empresário afirma que convidou os síndicos dos prédios próximos para discutir medidas. "Tomamos todos os
cuidados. Com segurança, com tudo", diz. "Nós até tentamos começar os shows mais cedo".
A Prefeitura de Guarujá disse que vem monitorando constantemente os prédios. |
Família viaja quando há espetáculo
Do enviado a Guarujá
"Minha mulher viu ponta de árvore de Natal oscilando uns 15 centímetros", conta o
morador de um dos prédios afetados pelos sismos na Enseada. Ele diz que, desde que o problema começou, no ano passado, a família evita ficar no
apartamento em dias de show. "Vou para São Paulo", diz ele, que deixou sua casa na sexta passada.
Para não desvalorizar os imóveis, a maioria dos moradores evita falar sobre os
tremores. Mas, em documento enviado ao Ministério Público, do qual a Folha obteve cópia, contam o que viram.
"O edifício tremeu muito. A piscina tem ondas fortes", diz no texto o síndico de um
prédio da rua Sílvio Daige.
Pessoas que desciam do prédio evitaram ser entrevistadas. "Não, aqui não tem nada", se
limitou a comentar uma delas. |