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Manhã de Quarta-feira Santa

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Durante os anos em que permaneceu no Brasil, a convite de D. João VI e D. Pedro I, o francês Jean Baptiste Debret observou e registrou com textos e imagens as cenas e os costumes brasileiros no início do século XIX, em sua obra Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Como estes, relativos ao período que antecede à Páscoa:

Manhã de Quarta-feira Santa, por J.B.Debret

Manhã de Quarta-feira Santa no Rio de Janeiro, descrita por Debret

No Rio de Janeiro, como em Roma, as leis da Igreja Católica relativas à Comunhão impõem igualmente ao cura a obrigação de proceder ao recenseamento de seus paroquianos no início da Quaresma, a fim de poder controlar mais tarde a obediência dos fiéis no cumprimento dos atos religiosos. Entretanto, esse recenseamento é tanto mais complicado no Brasil quanto o senhor se sente conscientemente no dever não apenas de obrigar todas as pessoas de sua família a comungarem, mas ainda o maior número possível de seus escravos, principalmente suas negras, as quais, empregadas exclusivamente nos serviços das amas, devem compartilhar escrupulosamente com elas as práticas religiosas.

Por isso mesmo, a execução desse ato obrigatório torna-se para o clero um excesso de atividade extremamente exaustivo, sobretudo durante as últimas duas semanas da Quaresma; pois, a partir do domingo da Paixão, todas as igrejas permanecem abertas para a confissão, das cinco horas da manhã até às dez, e de noite, das nove horas às onze. Essa providência favorece sobretudo os funcionários das repartições e aumenta especialmente a afluência a partir da Quarta-feira Santa, porquanto coloca dia e noite, nas diversas igrejas da cidade, confessores à disposição dos fiéis.

Por isso, durante os últimos dias, em todas as paróquias, tanto as catacumbas como as sacristias e os corredores de comunicação ficam apinhados de penitentes de pé, agrupados em torno de confessores sentados em banquinhos ou outros assentos improvisados. Os confessionários de dentro das igrejas são especialmente reservados às senhoras de todas as classes.

A fim de facilitar a distribuição dos cartões de confissão, em cada paróquia manda-se imprimir a fórmula, de modo a que baste em seguida acrescentar o nome do solicitante.

Quanto à comunhão, a cada dupla fileira de fiéis que se forma, em frente da santa mesa, aparece, vindo da sacristia, um clérigo encarregado de marcar os cartões de confissão de todas as pessoas preparadas para comungar; logo em seguida surge um padre com o cibório, acompanhado de quatro membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento carregando círios acesos e de um outro transportando enorme taça de estanho cheia de água para que cada comungante possa beber um gole.

Um dos irmãos, à frente do padre, recolhe os cartões de confissão das pessoas que vão comungar; depois da cerimônia, aguardam os comungadores o regresso do padre, o qual lhes devolve os cartões revestidos gratuitamente de todas as formalidades prescritas.

Uma senhora que se aproxima da santa comunhão deve, de acordo com o costume, apresentar-se vestida de preto, sem chapéu, mas com a cabeça coberta por um véu. O mesmo ocorre em relação à confissão; exige-se das negras que cubram a cabeça com um lenço ou écharpe, e o fato de serem admitidas à comunhão constitui para elas uma prova de alta civilização.

A cena se passa na pequena Igreja de Nossa Senhora Mãe dos Homens, situada à Rua da Alfândega (N.E.: no Rio de Janeiro/RJ). O altar-mor, tão resplandecente nos dias de festa, com sua pirâmide ardente iluminando a efígie do santo padroeiro do templo, entregue hoje ao silêncio e à obscuridade, mostra seus inúmeros degraus despojados da enorme quantidade habitual de candelabros. Assim também, em virtude de se achar agora consagrada à contrição, apresenta a igreja inúmeros fiéis vestidos de preto, implorando perdão para seus erros num silencioso recolhimento.

Ajoelhados diante da santa toalha, recebem os fiéis a comunhão das mãos de um padre escoltado, como já dissemos, por quatro membros da Irmandade do Santíssimo Sacramento; o clérigo que apresenta a taça cheia de água fecha o cortejo.

Pela porta lateral da direita, no corredor que conduz à sacristia e às catacumbas, vê-se um padre sentado ouvindo a confissão de um dos penitentes; perto da mesma porta, mas no interior da igreja, duas negras sentadas no chão aguardam sua vez para substituir a que se confessa no momento, escondida sob o seu xale (reconhece-se por essa atitude a negra maliciosa ou tímida que procura esconder-se aos olhos do seu confessor).

Mais à direita, senhoras da classe abastada estão sentadas nos degraus de um altar lateral e esperam também a sua vez para apresentar-se ao confessionário, já ocupado por uma delas. À esquerda, afinal, observa-se uma terceira cena de confissão. É preciso notar que a simplicidade da construção do confessionário brasileiro obriga o penitente a uma posição extremamente incômoda, forçando-o a apoiar-se a uma das mãos para aproximar-se da grade que o separa do confessionário.

Senhoras de todas as classes mantêm-se sentadas no chão da igreja, em grupos, na posição em geral adotada pelas brasileiras nesse recinto sagrado. À esquerda, uma senhora de mantilha entra com sua negrinha, enquanto outra, mais elegante, acompanhada de suas duas negras, sai ainda compenetrada da compunção inerente ao cumprimento dos deveres religiosos.

Todas as tribunas de igreja, hoje desertas, são reservadas durante as outras festas a elegantes devotas, parentes ou esposas dos membros dignitários da irmandade da paróquia.

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