Salve a bandeira da República
Os projetos republicanos - Um artigo de Júlio Ribeiro - O lema "Ordem
e Progresso" - O decreto do governo provisório alterando a bandeira nacional e instituindo as armas e o sinete oficial da
República - Justificação de Teixeira Mendes
Da obra do sr. Clóvis Ribeiro sobre
Brasões e Bandeiras do Brasil, transcrevemos o capítulo abaixo, em que aquele ilustre escritor coligiu a maior soma de
dados sobre o assunto:
Nos últimos anos do Império, vários propagandistas republicanos
idearam projetos da bandeira nacional, destinados a serem adotados com o advento do novo regime. As paixões políticas, que então
explodiam, no aceso da luta contra os defensores do trono, levaram até espíritos superiores a enxergar no pavilhão brasileiro um
simples atributo do regime que detestavam e daí o pregarem ardorosamente a abolição desse velho símbolo.
Para muitos republicanos, era preciso destruir tudo quanto fosse
recordar as instituições monárquicas, alvejando essa febre demolidora até tradições nacionais seculares.
Dá uma idéia deste estado de espírito o seguinte artigo de Júlio
Ribeiro, publicado no primeiro número de O Rebate, jornal de propaganda republicana, aparecido em São Paulo a 16 de julho
de 1888:
"A bandeira atual do Brasil não nos
pode servir de símbolo nacional, a nós, republicanos, nem mesmo quando desornada dos atributos monárquicos.
"A essa bandeira faltam todos os requisitos:
"1º - Artisticamente, esteticamente, nada vale: verde e amarelo
não são cores complementares; e juntas produzem ao órgão visual uma tal sensação de crueza, uma tal gritaria cromática, que
desafina os nervos, que põe a gente de mau humor.
"2º - Não tem condições físicas de durabilidade; exposta às
intempéries, por poucos meses que seja, converte-se em um trapo de cor duvidosa, que faz lembrar um lenço vermelho de
tabaquista, amolecido e desbotado por lavagens sucessivas.
"3º - Não tem legitimidade heráldica: o amarelo não é
cor aceite na cromotecnologia do brasão [1].
"4º - Traz recordações ominosas: lembra o estabelecimento da
monarquia imperial na América do Sul, lembra os reinados desastrosíssimos dos dois Pedros.
"A desculpá-las destas mazelas não vale a glória de que os
brasileiros a cobriram na campanha do Paraguai. Essa campanha fratricida não teve razão de ser, senão pela imprevidência, pela
cegueira do governo imperial.
"Ganhamos vitórias, mas vitórias de Pirro, que nos exauriram.
"Perdemos centenas de milhares de contos... Esquecê-la é quase um
dever.
"5º - Como símbolo nada diz, nada significa. Verde e amarelo! Por
que verde e amarelo? Esperança e desespero? Capim e milho?
"On ne detruit que ce qu'on remplace. A substituir a
bandeira e o brasão d'armas do imperialismo oferece-se o desenho cromotografado de bandeira e de brasão que ontem fizemos fixar
nas esquinas e distribuir largamente.
"Em nosso título vai o escorço da bandeira
[2].
"Agora a descrição dela e do brasão, e as suas razões de ser:
"Bandeira em listas horizontais, alternativamente brancas e
pretas, cantonadas de vermelho; no canto vermelho, sobre um globo de prata, o Brasil em azul, entre quatro estrelas de ouro.
"O brasão d'armas - idêntico, mutatis mutandis: timbre - o
gorro frígio vermelho com tope branco e preto; paquifes - à esquerda, café em frutificação; à direita, cana e vide cacheada.
"Esta bandeira preenche tudo o que se possa desejar:
"1º - Agrada à vista pela oposição completa das cores preta e
branca. O preto é a absorção completa da luz; o branco é o resultado da composição das sete cores do espectro. Com qualquer
destas duas cores, esteticamente, vai bem o amarelo.
"2º - Tem todas as condições físicas de durabilidade. Veja-se uma
bandeira alemã, bandeira que tem as mesmas cores, após anos de serviço ao céu aberto, está quase como no primeiro dia.
"3º - Tem legitimidade heráldica: o preto (sable), o branco
(prata), o vermelho (góles), são cores nobilíssimas, reconhecidas pelos reis de armas de todos os países.
"4º - Ainda não tem tradições: a nós, cumpre-nos criá-las,
honrosas, invejáveis; a nós incumbe ganhar-lhe o respeito de que se lhe deve ela rodear.
"5º - Simboliza de modo perfeito a gênese do povo brasileiro, as
três raças de que ele se compõe - branca, preta e vermelha.
"As quatro estrelas a rodear um globo, em que se vê o perfil
geográfico do país, representam o Cruzeiro do Sul, constelação indicadora da nossa latitude austral.
"Assim, pois, erga-se, firme, palpite o Alvi-Negro Pendão do
Cruzeiro!".
A bandeira descrita por Júlio Ribeiro foi hasteada em S. Paulo, no
palácio do governo, a 15 de novembro de 1889, e usada nesta cidade durante os primeiros dias do novo regime.
No Rio de Janeiro, ao proclamar-se a República, foi arvorada,
primeiro na redação da Cidade do Rio e depois na Câmara Municipal, pelo vereador José do Patrocínio, uma bandeira de
treze listas horizontais, alternadamente verdes e amarelas, tendo no canto superior junto à tralha vinte e uma estrelas de prata
em campo azul.
Esta bandeira foi adotada pelo governo provisório, durante alguns
dias, e está assim descrita no dicionário Larousse como bandeira nacional do Brasil:
"Brésil, vert et jaune. Le
pavillon de la République est: treize bandes horizontales, alternativement vertes et jaunes: l'angle supérieur, prés de la hampe,
est bleu semé de vingt étoiles blanches"
Na mesma ocasião foi também usada uma bandeira vermelha, semeada
de estrelas brancas.
As tropas que fizeram a proclamação da República saíram à rua sem
bandeira alguma, tendo deixado o pavilhão imperial nos quartéis. As bandeiras de alguns regimentos foram, na rua, atiradas pelas
janelas, para dentro de casas particulares. É o que refere Ernesto Senna.
Eduardo Prado dá outra versão:
"No dia 15 de novembro, voltando os
regimentos para os quartéis, os alferes enrolaram as bandeiras e, atiradas sobre uma carreta, foram elas recolhidas aos armazéns
do Exército".
A escolha dos símbolos republicanos - Relata o general
Couto de Magalhães que Deodoro queria manter a bandeira do Império, com eliminação apenas da coroa.
O Apostolado Positivista do Brasil, que tinha no momento grande
influência no governo, ao qual pertenciam dois dos seus membros mais prestigiosos, conseguiu, porém, a adoção de um projeto que
elaborara.
Já no dia 15 de novembro de 1889 aquela corporação havia obtido
que a República adotasse "o lema proposto por Augusto Comte para as bandeiras ocidentais na fase
atual": ORDEM E PROGRESSO.
Eis como o chefe da Igreja Positivista de então relata a sua
entrevista com Benjamin Constant, no quartel-general:
"Para aí dirigimo-nos com o nosso
estandarte e seguidos por um considerável número de cidadãos simpáticos à nossa causa. Benjamin Constant recebeu-nos com a mais
tocante efusão. Ao saber que o Apostolado Positivista queria falar-lhe, encaminhou-se para a sala, procurando-nos entre a
multidão com olhares ansiosos: a sua fisionomia irradiou-se quando avistou o estandarte regenerador".
Terminado o seu longo discurso, proferido no meio de uma multidão
que enchia a sala e o acotovelava, Benjamin Constant declarou que "a República não podia alcançar
melhores luzes do que na religião que se resume na fórmula: o Amor por princípio, a Ordem por base e o Progresso por fim; nem
melhores guias do que nós, a quem se referiu em termos excessivamente elogiosos."
"Na nossa mensagem propúnhamos que o
Governo Provisório adotasse a divisa Ordem e Progresso, conforme as indicações de Augusto Comte, por ser essa divisa o
resumo da política republicana".
Dias depois, o sr. Teixeira Mendes apresentava, em nome do
Apostolado Positivista, um projeto de bandeira. Eis como ele próprio relata esse episódio:
"Nestas condições, receando que o
empirismo democrático fizesse adotar para a bandeira nacional uma imitação da dos Estados Unidos da América do Norte, e em
obediência às indicações de Augusto Comte, resolvemos apresentar a Benjamin Constant um projeto que ele aceitou sem hesitação. O
nosso intuito era evitar que se instituísse um símbolo nacional com o duplo inconveniente de fazer crer em uma filiação que não
existe entre os dois povos, e de conduzir a uma imitação servil daquela república. Era preciso que não perdêssemos as nossas
tradições latinas e que o pensamento nacional se fixasse sobre a França, como a nação em cujo seio se elaborou a regeneração
humana e de cuja iniciativa depende fatalmente o termo da anarquia moderna. Apresentado ao general Deodoro, disseram-nos na
ocasião que ele o achava o melhor dos símbolos propostos".
O projeto do Apostolado Positivista era da autoria do sr. Raymundo
Teixeira Mendes, tendo sido feito o desenho pelo pintor Décio Villares.
Quintino Bocayuva moveu viva oposição a esse projeto que foi,
entretanto, ardorosamente defendido por Benjamin Constant e Demétrio Ribeiro, positivistas convictos, sendo por fim aceito e
adotado, juntamente com as armas da República.
O desenho destas, segundo versão corrente, foi feito, sob
encomenda do marechal Deodoro, por um seu amigo - um alemão, litógrafo da casa Laemmert e que não entendia patavina de
heráldica, nem conhecia as tradições do país...
O decreto do governo provisório - É o seguinte o texto do
decreto n. 4, de 19 de novembro de 1889, que alterou a bandeira nacional e instituiu as armas e o sinete oficial da República:
"O Governo Provisório da República
dos Estados Unidos do Brasil:
"considerando que as cores da nossa antiga bandeira recordam as
lutas e as vitórias gloriosas do nosso exército e da armada na defesa da pátria;
"considerando, pois, que essas cores, independentemente da forma
de governo, simbolizam a perpetuidade e integridade da pátria entre as outras nações;
"decreta:
"Art. 1º - A bandeira adotada pela República mantém a tradição das
antigas cores nacionais - verde e amarelo - do seguinte modo: um losango amarelo em campo verde, tendo no meio a esfera celeste
azul, atravessada por uma zona branca, em sentido oblíquo e descendente da direita para a esquerda, com a legenda - Ordem e
Progresso - e pontuada por vinte e uma estrelas, entre as quais as da constelação do Cruzeiro, dispostas na sua situação
astronômica, quanto à distância e ao tamanho relativos, representando os vinte Estados da República e o Município Neutro, tudo
segundo o modelo debuxado em anexo n. 1.
"Art. 2º - As armas nacionais serão as que figuram na estampa
anexa n. 2.
"Art. 3º - Para os selos e sinetes da República, servirá de
símbolo a esfera celeste, a qual se debuxa no centro da bandeira, tendo em volta as palavras - República dos Estados Unidos
do Brasil.
"Art. 4º - Ficam revogadas as disposições em contrário.
"Sala das sessões do Governo Provisório, 19 de Novembro de 1889,
1º da República.
"(a) Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do
Governo Provisório; Q. Bocayuva, Aristides da Silveira Logo, Ruy Barbosa, M. Ferraz de Campos Salles, Benjamin Constant Botelho
de Magalhães, Eduardo Wandenkolk. [3]".
A justificação do Projeto Teixeira Mendes - De um longo
memorial, no qual o sr. Teixeira Mendes justificou o seu projeto, afinal adotado pelo governo republicano, extraímos os
seguintes tópicos que revelam o pensamento que inspirou a confecção da bandeira atual:
"Este símbolo corresponde a tudo
quanto o outro tinha de essencial. Ele lembra, naturalmente, a fase do Brasil-colônia nas cores azul e branca que matizam a
esfera, ao mesmo tempo que recorda o período do Brasil-reino por trazer à memória a esfera armilar. Desperta a lembrança da fé
religiosa dos nossos antepassados e o descobrimento desta parte da América, não já por meio de um sinal, que é atualmente um
símbolo de divergência, mas por meio de uma constelação, cuja imagem só pode fomentar a mais vasta fraternidade: porque nela o
mais fervoroso católico contemplará os mistérios insondáveis da crença medieval e o pensamento mais livre recordará o caráter
subjetivo dessa mesma crença e a poética imaginação dos nossos avós. Finalmente, foi mantida a idéia de representar a
independência e o concurso cívico por um conjunto de estrelas.
"Suprimiram-se os ramos de tabaco e de café, porque
sobrecarregariam o pavilhão com uma especificação que não mais corresponde à realidade, visto como não são os únicos objetos
agrícolas do comércio do Brasil, além de ocuparem um lugar secundário no mesmo comércio, do ponto de vista geral. O verde e
amarelo da bandeira já representam suficientemente o aspecto industrial do Brasil, por isso que caracterizam o conjunto das
produções da natureza viva e da natureza morta. Vejamos, agora, como o novo emblema traduz as aspirações do presente.
"O povo brasileiro, como todos os povos ocidentais, acha-se
vivamente solicitado por duas necessidades, ambas imperiosas, que se resumem nas palavras - Ordem e Progresso. Todos sentem, por
um lado, que é imprescindível manter as bases da sociedade; mas todos percebem também que as instituições humanas são
suscetíveis de aperfeiçoamento".
"Ora, acontecendo que o tipo da ordem só foi até hoje fornecido
pelo regime teológico e guerreiro passado, e que o progresso tem exigido a eliminação, por vezes violenta, de certas
instituições, o espírito público foi levado empiricamente a supor que as duas necessidades eram irreconciliáveis. Daí a formação
de dois partidos opostos, um invocando para lema a ordem e outro tomando para divisa o progresso, partidos que se combatem com
encarniçamento e que transformam as pátrias ocidentais em campos permanentes de batalha. No entanto, a dinâmica social, fundada
por Augusto Comte, para completar e desenvolver a estatística social fundada por Aristóteles, demonstra que as duas necessidades
de ordem e progresso, longe de serem irreconciliáveis, por toda a parte se harmonizam.
"E, ainda mais, o mesmo pensador demonstrou que essa harmonia se
dá na política e na moral, em conseqüência da preponderância do amor. Na frase do fundador da Religião da Humanidade - "o progresso é o desenvolvimento da ordem, como a ordem é a consolidação do progresso".
"Pois bem, é essa conciliação da
ordem com o progresso que todo o povo brasileiro sente e sem a qual não poderia existir a verdadeira fraternidade; é essa
conciliação que o nosso símbolo proclama.
"Progressistas e ordeiros podem hoje
confraternizar; essa confraternização é tanto mais sólida, quanto a divisa foi hasteada após uma revolução progressista,
triunfante. A nova divisa significa que essa revolução não aboliu simplesmente a Monarquia; que ela aspira fundar uma pátria de
verdadeiros irmãos, dando à ordem e ao progresso todas as garantias que a história nos demonstra serem necessárias à sua
permanente harmonia".
O padrão oficial da Bandeira da República - Como se viu, a
bandeira da República é descrita, no decreto atrás reproduzido, simplesmente com estas palavras: "um
losango amarelo em campo verde, tendo no meio a esfera azul celeste atravessada por uma zona branca, etc."
Não se determinou, pois, a gradação das cores, como se fez no
Império, e, no próprio desenho oficial da bandeira, anexo ao decreto de 1889, essas cores figuram com tonalidades que não são as
tradicionais.
E quanto ao losango, já não se diz que deve ser inscrito no
retângulo verde, mas colocado num campo verde, figurando no anexo 1, do decreto citado, um losango amarelo solto dentro
do retângulo verde, sem tocar os lados deste.
Também não se fixaram as proporções que devem ser mantidas entre
os tamanhos do retângulo, do losango e da esfera - o que é para lamentar, pois esse pormenor não devia ficar, como ficou, ao
arbítrio dos fabricantes de bandeiras; devia ser obrigatória a obediência a um único modelo. Dentro dos termos vagos do decreto,
a bandeira pode ser usada com retângulos, losangos e esferas de todas as dimensões. Há bandeiras esguias e há-as quadradas. Em
algumas, vê-se uma esfera minúscula dentro de um grande losango; em outras, a esfera é relativamente grande e o losango é
pequeno. E todas elas estão perfeitamente de acordo com a descrição oficial...
No Império até se fixavam por
decreto as próprias dimensões das bandeiras usadas pelo exército".
[1] Esta afirmativa é improcedente: o amarelo é usado em heráldica, em substituição ao
ouro, como o branco é usado em substituição à prata.
[2] O
cabeçalho do jornal era formado pelo seu título, ladeado pelo desenho do projeto da bandeira.
[3] Decretos do governo provisório da República, 1º fascículo, pág. 4 (Imprensa
Oficial, 1890). Foi Ruy Barbosa quem redigiu de seu próprio punho este decreto, como se pode ver pelo original reproduzido em
fac-simile na poliantéia Ruy Barbosa - In Memoriam, publicada pela revista O Tempo (Rio de Janeiro, Typ.
Coelho).
NOTA - Constam ainda da obra do
sr. Clóvis Ribeiro muitas outras notas que são dispensáveis para boa compreensão do texto, e que, por extensas, não puderam ser
reproduzidas aqui. |