Da esquerda para a direita, sentados, o ten. Thomas
Lobo Botelho e seu irmão, o major João Carlos Lobo Botelho, com outros oficiais, alunos da Escola Militar
HISTÓRIA
Uma fotografia foi guardada durante 100 anos, para
ser publicada aqui, no Centenário da República.
CENTENÁRIO DA REPÚBLICA BRASILEIRA
Por Eduardo Lobo Botelho Gualazzi (*)
O Centenário da República
Brasileira, cronologicamente iniciado em 15 de novembro de 1969 (SIC: correto seria 1989), finalizará em 15 de novembro de 1990. Portanto, é oportuno agora revelar-se o segredo a respeito de três horas
decisivas de 15 de novembro de 1889, que consiste na chave para compreensão cabal do mosaico histórico de ações e interações que
culminaram na Proclamação da República, em nosso país.
Na verdade, ao longo do dia 15 de novembro de 1889, no Rio de
Janeiro, houve três momentos cruciais:
a) manhã - o Marechal Deodoro da Fonseca, monarquista e amigo do Imperador D. Pedro II, almejava apenas
depor o Gabinete Ouro Preto, hostil ao Exército Brasileiro, para tentar conciliação entre monarquistas e republicanos, com
preservação da Monarquia até o falecimento de D. Pedro II;
b) tarde - republicanos exacerbados e monarquistas
desencantados (respectivamente, civis e militares) providenciaram a Ata da Proclamação da República, na Câmara Municipal do Rio
de Janeiro, por instigação do tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, ausente ao ato o Marechal Deodoro da
Fonseca, mas discretamente representado por seu secretário, o major (depois cel. e gal.) João Carlos Lobo Botelho, acompanhado
por seu irmão, o tenente Thomas Lobo Botelho, ambos também de tradições e sentimentos monarquistas, mas aderentes à causa
republicana, como militares, por influência de Benjamin Constant;
c) noite - o Marechal Deodoro da Fonseca subscreve, em sua
casa, a Ata da Proclamação da República, discretamente portada por João Carlos Lobo Botelho e Thomas Lobo Botelho, a instâncias
de Benjamin Constant Botelho de Magalhães.
A Ata da Proclamação da República foi aprovada, na Câmara
Municipal do Rio de Janeiro, às 15 horas de 15 de novembro de 1889, mas chegou à casa do Marechal Deodoro da Fonseca às 18 horas
daquele dia. Assim como nenhuma obra de História do Brasil esclareceu precisamente quem portou a Ata, igualmente jamais elucidou
o que sucedeu durante essas três horas. Eis a dupla face do segredo ora revelado:
Ao entardecer de 15 de novembro de 1889, um grupo de pessoas,
entre si aparentadas por laços de consangüinidade e afinidade, dispôs de tempo e calma para posar a uma fotografia de recordação
familiar, entre 15 e 18 horas, tendo participado direta e intensamente dos três momentos cruciais, de modo sigiloso e
patriótico, como convém a militares. Muitos anos passados, em São Paulo, o mais jovem a ter posado compenetrou-se de que aquela
fotografia era a única recordação visual da própria Proclamação da República e, assim, decidiu preservá-la no seio da família,
em arquivo particular e sigiloso, tendo falecido em São Paulo, em 1934, com a recomendação de que a fotografia fosse publicada
"no jornal da família Mesquita", no transcurso do Centenário da República.
Em 1974, em atenção ao pedido de seu bisavô, transmitido pela
família, seu bisneto providenciou a restauração da fotografia, por métodos modernos, para publicação "no jornal da família
Mesquita", que muito lutou e luta pelo bem da República Brasileira.
Aquele jovem, que posou na fotografia, o primeiro da esquerda para
a direita, entre os sentados, foi meu bisavô, Thomas Lobo Botelho, que empunhou a primeira Bandeira Republicana do
Brasil, no desfile militar realizado na manhã de 15 de novembro de 1889: a partir de 23 de novembro de 1891 (renúncia do
presidente Deodoro da Fonseca), Thomas Lobo Botelho, que havia integrado os Dragões da Independência (guarda pessoal do
Imperador D. Pedro II), começou a decepcionar-se com os rumos antiliberais, excessivamente antimonárquicos, anti-europeizantes e
corporativistas que foram impressos à República Brasileira, durante o governo do presidente Mal. Floriano Vieira Peixoto, que
aos 13 de maio de 1894 rompeu relações diplomáticas com Portugal.
Em conseqüência, Thomas Lobo Botelho
reformou-se no serviço militar, tendo permanecido em São Paulo, no serviço público civil, até o falecimento, em 10 de novembro
de 1934, recordando sua juventude carioca e não tendo logrado esquecer-se da paradoxal ironia de que era descendente direto e
legítimo de D. Mariana Xavier Lobo Botelho, Duquesa de São Miguel, primeira-dama do Reino (precisamente a aia-camareira de D.
Maria I, Rainha de Portugal, Brasil e Algarves, de seu filho D. João VI e de seu neto D. Pedro I, Proclamador da Independência
de nosso Brasil).
Ainda naquela fotografia, ao lado de Thomas Lobo Botelho, também
sentado, figura o então major (depois cel. e gal.) João Carlos Lobo Botelho, seu irmão, casado em 1884 com D. Julieta
Dutra da Fonseca, sobrinha do Marechal Deodoro da Fonseca, de quem João Carlos foi secretário e, após 15 de novembro de 1889,
alter ego na Presidência da República: o Marechal Deodoro da Fonseca, símbolo supremo do Exército Brasileiro e da Pátria no
Brasil-República, era homem idoso, enfermo e alquebrado, em decorrência dos sacrifícios heróicos a que se submetera durante a
Guerra do Paraguai, na companhia de João Carlos Lobo Botelho.
Por este motivo, durante todo seu período presidencial (15/XI/1889
a 23/XI/1891), o expediente burocrático-governamental era preparado, deliberado e freqüentemente subscrito por João Carlos Lobo
Botelho, em nome de Deodoro da Fonseca, peculiaridade já referida sucintamente por especialistas em História do Brasil.
Por fim, os outros oficiais da foto, integrantes da Escola
Militar, eram orientados por Benjamin Constant Botelho de Magalhães, mas foram comandados por João Carlos Lobo Botelho, durante
a Proclamação da República.
Eis o que sucedeu durante aquelas três horas, no trajeto da Câmara
Municipal do Rio de Janeiro à casa do Mal. Deodoro da Fonseca, ao portarem sigilosamente a Ata da Proclamação da República: uma
fotografia singela, lampejo do destino, a única recordação visual da Proclamação da República Brasileira! O nome do fotógrafo?
Só Deus sabe...
"No dia 7 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de
plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que
devem vigorar no País" - eis o disposto no artigo 2º (caput) do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988.
Quando a Nação Brasileira for plebiscitariamente suscitada, após
mais de um século, a escolher entre a República Brasileira e a Monarquia Constitucional (que nos assegurou a
Independência do Brasil), cumprir-se-á post mortem, mutatis mutandis, o augúrio liberal de Benjamin Constant Botelho de
Magalhães, João Carlos Lobo Botelho e Thomas Lobo Botelho, expresso por Benjamin Constant em 15 de novembro de 1889: "Nós não
podemos impor uma forma de governo do Brasil".
(*) Eduardo Lobo Botelho
Gualazzi é procurador do Estado e professor associado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). |