Ilha Fiscal: o prédio em estilo
mourisco teve quatro salões decorados como jardins para receber 5 mil convidados
Foto: Tatiana Constant/AE
HISTÓRIA
Livro sobre baile da Ilha Fiscal dirá que d. Pedro II
gastou rios de dinheiro na festa que acabou ajudando na proclamação da República.
Luxo e ostentação antecederam fim do Império
Carlos Franco
RIO - Os pesquisadores do Arquivo
Nacional, órgão do Ministério da Justiça, estão à procura de patrocínio no valor de US$ 20 mil (cerca de Cr$ 150 milhões) para
concluir um livro sobre o baile da Ilha Fiscal, realizado no dia 9 de novembro de 1889 pelo imperador d. Pedro II e que marcou a
transição do Império para a República. Eles acreditam que as investigações sobre a participação do presidente Collor nas
atividades de Paulo César Farias e a votação de plebiscito sobre regime de governo, em abril do próximo ano, estão despertando
curiosidade sobre os hábitos da corte de d. Pedro II.
O material iconográfico relativo ao baile da Ilha Fiscal, em homenagem à
tripulação do couraçado chileno Almirante Cochrane, e a análise de especialistas sobre os trajes dos cerca de 5 mil
convidados, a música, o cardápio e o comportamento dos participantes começou a ser estudado no início de 1989, quando foi
comemorado o centenário da proclamação da República.
Seis dias depois do baile, no mesmo Cais Pharoux de onde partiam os
ferry-boats para levar os 5 mil convidados do imperador para o baile, o Marechal Deodoro proclamava a República.
Escândalo - Segundo Maria do Carmo Rainho, pesquisadora
responsável pela análise de moda do projeto, objetos, como por exemplo as peças íntimas que foram encontradas na ilha após a
festa, foram motivo de escândalo quando noticiados pelos colunistas das revistas femininas do século passado
[N.E.: século XIX]. Entre essas revistas, a Eu Sei Tudo revelava que
"a Coroa não era tão casta como pressupunham os seus súditos".
Mas o escândalo começou com a transformação da Ilha Fiscal, um prédio de
estilo mourisco a 200 metros do centro do Rio, em jardim das mil e uma noites. Esse prédio, hoje administrado pelo Ministério da
Marinha e onde são permitidas visitas guiadas por militares, era, na realidade, o posto de vigilância aduaneira do Império,
conhecido popularmente na época como Ilha dos Ratos, devido à quantidade desses animais ali existentes.
Rios de dinheiro - Para fazer da ilha um jardim de sonho dentro
de quatro salões imperiais, foram gastos "rios de dinheiro", segundo o colunista Escragnolle Doria, da Eu Sei Tudo. De
acordo com o Jornal do Commercio em sua edição de 11 de novembro de 1889, a Ilha Fiscal e o cais Pharoux foram
transformados num cenário encantado, onde demoiselles vestidas de fadas e sereias recepcionavam os convivas.
O cais Pharoux, no centro do Rio, hoje é conhecido como Praça Quinze e
apresenta, como resultado de escavações realizadas há cinco anos, as escadarias que foram utilizadas pela Corte para chegar aos
ferry-boats.
Para o pesquisador do Arquivo Nacional, Sebastião Uchoa, que fez o
levantamento dos artigos de jornais de época para o projeto do livro, o luxo e as extravagâncias que cercaram o desembarque do
couraçado Almirante Cochrane, dando lugar a um período denominado "festas chilenas", incentivou a propagação dos ideais
republicanos.
A proclamação da República, no entanto, não significou o fim das
festividades em torno da tripulação do couraçado Almirante Cochrane. Os republicanos aproveitaram para brindar com os
chilenos o fim do Império, chegando até a afirmar que o fato de o Chile ser uma República foi um estímulo à sua proclamação.
Sofisticação: capa do menu daquela
festa
Republicanos criticaram extravagância
RIO - O luxo e a extravagância dos trajes e cabelos das convidadas do
baile da Ilha Fiscal receberam alfinetadas de republicanos e aplausos de monarquistas. A imprensa dividiu-se em seus relatos. O
jornal Tribuna Liberal, na sua edição de 10 de novembro de 1889, falou do "brilho e o ruge-ruge das sedas, os colos
salpicados de brilhantes, safiras, esmeraldas e os diademas rutilantes dos penteados".
O colunista Desmoulins, do Correio do Povo, por sua vez, citou o
mau gosto a que se entregaram muitos dos convidados. Criticou ainda os homens que, no salão, mantinham seus chapéus ingleses do
Wellicamp e do Palais Royal enfiados na cabeça.
As roupas das mulheres eram adquiridas nas lojas sofisticadas da Rua do
Ouvidor, no centro do Rio. Os cabelos, penteados por cabeleireiros franceses da Casa A Dama Elegante, no mesmo endereço. Já os
homens abusavam das brilhantinas inglesas da Fritz Marck and Co. nos cabelos e nos bigodes.
Apenas os homens da Corte e os militares tinham acesso aos barbeiros
especializados em cortar bigodes à titlé (garoto esperto), chicard (chique), grognards (soldados da Guarda
Napoleônica) e rostillon (cocheiro de carruagens de gala). "Pelo bigode se podia conhecer a origem de um homem no Brasil
Império", diz Maria do Carmo. (C.F.)
Fartura: carta de vinhos servidos
aos privilegiados participantes daquele baile
Festa consumiu 12 mil litros de vinho
RIO - A valsa e a polca foram as músicas predominantes no Baile da Ilha
Fiscal, que reuniu 5 mil convidados, segundo o pesquisador Carlos Sandroni, que responde sobre música no livro do Arquivo
Nacional. Na época, a execução dessas canções ficava por conta das bandas imperiais, em sua maioria militares. Ele relata que
até mesmo o couraçado Almirante Cochrane tinha uma banda a bordo, para animar os convidados de suas festas.
As partituras eram editadas com requinte pela Casa Buschman e Guimarães,
responsável pela publicação do Hino Chile-Brasil, composto por Francisco Braga, para saudar a tripulação do Almirante
Cochrane e canção obrigatória nas festas chilenas, realizadas entre outubro e novembro de 1889.
Os cartões de dança das mulheres, que foram encontrados na Ilha Fiscal
após o baile, junto com ligas e espartilhos, revelam que a piéce de resistance foi uma seqüência alternante em três
tempos: fantasia, valsa, minuano, valsa, fantasia, valsa. O som de fundo era feito com trechos de óperas de Verdi, Boccherini,
Waldteufel, Metra e Auber. Os cartões são uma das curiosidades guardadas no Arquivo Nacional. Neles, as damas anotavam os nomes
dos cavalheiros com quem haviam se comprometido a dançar.
O cozinheiro francês de nouvelle cousine, Laurent Suadau,
responde no livro pelo capítulo do cardápio servido nessa única noite, destacando a exuberância dos pratos, ornados com flores e
frutas exótica, que em tudo combinavam com o estilo mourisco da Ilha Fiscal. Segundo Suadau e Sandroni, foram cometidos alguns
excessos nas bebidas. As notícias dizem que foram consumidas 12 mil garrafas de vinhos de diversas procedências, prevalecendo os
do Porto e Algarve. Isso significa de duas a três garrafas para cada convidado, sem contar as 200 caixas de champanhe francesa.
Seis dias depois, ainda se recuperando da ressaca, a Corte percebeu que
o imperador tinha sido deposto e era hora de saudar a República com outras festas. Aliás, alguns dos destaques do novo regime
estavam presentes ao baile, como Rui Barbosa, Campos Sales e Benjamin Constant. O que talvez tenha motivado as novas autoridades
a realizar outra festa em homenagem à tripulação do Almirante Cochrane, desta vez para saudar a República. (C.F.)
Madrugada de 10 de
novembro: os convidados deixam a Ilha Fiscal,
terminado o último baile do Império |