Reprodução da página 84 da revista Veja
de 27 de abril de 1983
CIÊNCIA
Fruto da carne
Engenharia genética funde animal e
vegetal
Familiarizados com as delicadas
estruturas das células, os cientistas que trabalham com engenharia genética conseguem há quatro anos produzir microorganismos híbridos, originários
de dois ou mais tipos distintos de células. O processo só funcionava, porém, para unir células de animais entre si ou de vegetais com outras células
vegetais. Agora, num ousado avanço da biologia molecular, dois biólogos da Universidade de Hamburgo, na Alemanha, fundiram pela primeira vez células
animais com células vegetais - as de um tomateiro com as de um boi. Deu certo. Barry MacDonald e William Wimpey, que fizeram a experiência,
obtiveram como resultado um tomateiro capaz de produzir frutos parecidos com tomates mas dotados de uma casca mais resistente e de uma polpa muito
mais nutritiva. Os "boimates" têm 50% de proteína vegetal e 50% de proteína animal. No todo, seu valor protéico é quarenta vezes maior que o dos
tomates comuns.
"Esses tomates híbridos têm um futuro promissor na alimentação de pessoas e animais",
diz MacDonald. "Basta produzi-los comercialmente a custos baixos". Isso ainda não é possível.
A experiência dos pesquisadores alemães, porém, permite sonhar com um tomateiro do
qual já se colha algo parecido com um filé ao molho de tomate. E abre uma nova fronteira científica. "Os biólogos alemães conseguiram alterar o
curso da lei natural, que impede a reprodução de indivíduos de espécies diferentes", diz Ricardo Brentane, engenheiro genético da Universidade de
São Paulo. "Essa subversão é estimulante para todo pesquisador".
Para chegar ao seu tomate especial, os dois cientistas valeram-se de uma nova técnica
de fusão de núcleos de células que utiliza choques elétricos e calor. Algumas células de tecidos de um tomateiro e de um boi foram imersas em um
líquido gorduroso onde, através de um eletrodo, receberam choques elétricos intermitentes que duram apenas 1 bilionésimo de segundo cada um. Esses
choques rasgam as membranas externas e dos núcleos celulares - sem, contudo, matar a célula - permitindo que eles se fundam mais tarde, depois de
colocados num forno a 40º centígrados. Em seguida, as estruturas celulares resultantes da fusão, os hibridomas, são submergidas em um caldo
nutritivo. Finalmente, os hibridomas brotam e se transformam em mudas de tomateiro modificadas e prontas para gerar um fruto que jamais existiu
antes.
Ilustração publicada com a matéria de
Veja |