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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - A.Schmidt
Affonso Schmidt no jornal A Tribuna

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O escritor e jornalista Affonso Schmidt colaborou em diversos jornais, entre eles A Tribuna, de Santos, onde é encontrado este poema, na edição de 22 de julho de 1917, página 3 (ortografia atualizada nesta transcrição):

A matéria, no jornal A Tribuna de 22/7/1917

Imagem: reprodução

 

No carrossel

 

I

Na praça principal do nosso bairro existe

Um velho para-sol com pinturas vivazes,

Que gira sem parar, esmoendo uma ária triste

De encrespados bemóis e de fugas andazes.

 

É num terreno vago. O mastaréu em riste,

As flâmulas de cor, os berrantes cartazes

E o porteiro jovial que se apura no chiste,

Atraem a petizada, as moças e os rapazes.

 

Uma noite eu transpus o seu portão, solene

(Levava na algibeira um livro de Verlaine,

Na boca sem sorriso, um velho rítus mau),

 

E quedei a fitar essa ditosa gente

Que girava, girava, ininterruptamente,

Em gôndolas, dragões e cavalos de pau!

 

II

Borboletas de luz, terrivelmente brancas,

Estrebuchavam numa agonia perene,

Envenenando a flor das gargalhadas francas

Com a podre exalação do gás acetileno (N. E.: avcetylene, na grafia antiga).

 

Eis que apita o motor e as engrenagens mancas

Vão se desemperrando; o realejo, solene,

Ataca o "Trovador"; nota-se um quebrar de ancas

E tudo entra a girar, desengonçado, infrene...

 

- Bendita a multidão que dança e rodopia! -

Gosto dessa expansão, eu, que sou concentrado,

Que já nem sei sorrir como dantes sorria!

 

E para meu consolo o teto de encerado

Tinha bastos rasgões por entre os quais se via

Um retalho do céu amplamente estrelado!

 

III

Na dúbia confusão policroma daquela

Contradança brutal que meus olhos obumbra,

O quadro se dilui nos tons de uma aquarela

E cada luz veloz é um traço na penumbra.

 

Este vulto que passa, alívolo, ressumbra

Soberano esplendor; sua cabeça à vela,

De guedelhas ao léu, tem luz própria, deslumbra...

É um cavaleiro audaz retesado na sela!

 

Este garoto vil, esganifrado, insulso,

Que as duas rédeas puxa a rebentar o pulso

E que, de olhar em fogo, inimigos destrói,

 

Leva sob a camisa um coração guerreiro...

O cavalo é de pau, mas o seu cavaleiro

Ninguém pode negar: neste momento é herói!

 

IV

Ridículo? Talvez. Comovedor? Decerto...

Dom Quixote brandindo a exagerada lança

Tanto opõe ao moinho o peito descoberto

Como para o dragão, cavalheiroso, avança!

 

Quanto julgaste outrora a vida um céu aberto,

Alguém se riu de ti, porventura? Criança!

Que culpa tem a flor se nasceu no deserto?

Que culpa tem a mão se os astros não alcança?

 

Ah! Como eu compreendo o impávido garoto!

Ele me faz lembrar, com seu casaco roto,

Com toda a convicção do seu sorriso mau,

 

Um homem que tem sido (e nisto não me iludo),

Na conquista do amor, das glórias e de tudo,

Um herói de verdade em cavalo de pau!

Affonso Schmidt

Já estes poemas foram publicados na edição de 29 de julho de 1917 de A Tribuna, página 3 (ortografia atualizada nesta transcrição):

A matéria, no jornal A Tribuna de 22/7/1917

Imagem: reprodução

 

De mãos postas...
 Química sagrada

 

No áureo crisol do coração, Beleza

Que iluminas da terra a noite escura,

És a bondade que se fez grandeza

E a dor sofrida que se fez doçura.

 

És a muda expressão da natureza:

Beijo, no amor; sorriso, na candura;

Prece, na morte; pranto na tristeza

E, para os poetas, mística tortura.

 

Ninfeia azul, no pântano estagnado,

Flores esparsas, na aridez das lousas

Ou mistério, no páramo estrelado;

 

Em tudo que nos certa tu repousas,

Porque a Beleza é Deus Manifestado

A nos sorrir pela expressão das cousas

 

Hora suave

 

- Ave Maria! - Vai passando a Hora...

- Cheia de graça... - Aquela voz no Poente

- O Senhor é convosco... - docemente

- Bendita sois entre as mulheres... - ora.

 

- Bendito é o fruto... - O céu azul descora...

- De vosso ventre. Amem, Jesus. - Doente,

A tarde vai morrendo lentamente,

Dos sinos passa a legião sonora...

 

Desola-te, Poeta! No teu canto

Jamais surpreenderás o enlevo santo

Por mais que as vozes das Trindades colhas.

 

E os dois coqueiros (que coqueiros eram)

- Pelo sinal da Santa Cruz - fizeram

No aceno vesperal de suas folhas!

Affonso Schmidt

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