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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA - S. FLOREAL
Sylvio Floreal (2)

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Sobre o poeta Sylvio Floreal, o antigo jornal Commercio de Santos publicou, na edição especial pelo centenário da Independência do Brasil, em 7 de setembro de 1922 (ortografia atualizada nesta transcrição):

Sylvio Floreal

Sylvio Floreal

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Este é o fulgurante mago do estilo cuja pena sensacional ilumina a ouro as colunas da imprensa paulistana, transfundindo-lhe prodigamente o seu sangue juvenil, ardente como lava.

Viu a lua nesta terra, aqui fez os primeiros estudos, aqui teve o seu bocado de vida boêmia.

Depois, um dia, andorinha sôfrega de azul, subiu a Paranapiacaba e caiu com estardalhaço no então estagnado meio literário paulistano.

Na augusta assembléia das venerandas rãs houve um movimento de estupefação e de despeito. Quem seria aquele moço que entrava sem pedir licença, que vencia sem tirar o chapéu, que esbanjava talento como um coronel do interior esbanja dinheiro?

Mas o sonho ainda é uma poderosa força, a inteligência é envolvente como uma teia, a mocidade é dois terços de uma conquista. Ele venceu. Hoje é o mais cintilante dos cronistas urbanos de São Paulo, quiçá do Brasil.

Seu primeiro livro Attitudes, recentemente publicado, foi uma apoteose. Os poucos exemplares que ainda se encontram pelas livrarias desaparecem como por um encanto. Isto quer dizer que Sylvio Floreal é um dos que são lidos... Porque a maior parte dos nossos grandes homens não tem leitores! O público admira-os, à distância.

Desejaríamos dar aos leitores algo de Attitudes, um pouco de prosa escolhida de tal maneira que o leitor com um olhar apenas pudesse abranger todo o horizonte intelectual do escritor santista. Impossível. Em cada página desse livro Sylvio Floreal é um novo artista, a esbanjar novas belezas.

Aí vai a última página, a maior que as proporções exíguas desta nota comportam:

Para os olhos marejados de Maria Magdalena.

O luar, nessa noite, predispunha o ânimo para o pecado.

Os brilhos argênteos da lua, insidiosos, empastados na treva densa da noite empoeirada de fria neblina, tocavam um batuque lascivo na banza dos nervos.

Errava no ar um hálito de confidência, de mistura com presságios soturnos.

- Paremos.

- Não, mais adiante.

Caminhamos, entregues às ciladas do silêncio.

No lugar combinado, Ela, a triste carne da multidão, parou, com os olhos naufragados numa torrente de lágrimas, os lábios secos, denunciadores de revoltas abafadas, por onde escapavam a custo e estraçalhadamente as suas palavras de queixume e lamento. Estávamos sob uma árvore mergulhada no torpor do nevoeiro.

A sua voz, entenebrecida de angústias, punha no veludo pardacento da noite uma vaga e indizível comoção, que se diluía no sopro cadenciado e frio da aragem.

- Isso foi numa noite... ai! nem quero me lembrar! Até parece que uma lâmina enferrujada me atravessa o coração!

- Coragem! A dor maior é aquela que ainda não se sofreu.

- Basta... Não posso mais! Para viver em paz, devo agir contra o passado. Devo tentar novamente a felicidade.

- A felicidade começa para os corações trespassados como o teu, no instante benfazejo em que morre a saudade. Assassina a tua saudade juntamente com os fantasmas que a povoam e terás ganho, na partida da dor, um tento de felicidade.

- Impossível! Ainda sinto o eco das suas promessas...

- A promessa foi o atalho da tua perdição!

- Foi, sim! Foi o narcótico sibilino com que Ele subjugou os meus sentidos, entonteceu-me a alma e enlouqueceu-me os nervos.  Beijou-me desvairadamente a boca, mergulhou os dedos elétricos nos meus cabelos. Todo o seu ser convergiu sinuosamente para o meu. Quando percebi o desastre, o irremediável consumar-se com todo o horror da sua trágica beleza.

Depois de um pesado silêncio, olhando a noite, desafiante e interrogativa, exclamou:

- Ai! nem quero me lembrar! Isso foi nu'a noite assim...

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