Arte de Leandro Rodrigues publicada com a matéria
Pesquisadores acabam de mapear o Brasil, identificando 48 zonas geologicamente
instáveis, uma delas aqui na Baixada Santista
Vivemos sobre um planeta em constante movimentação. A
crosta terrestre, o chão em que pisamos, não é nem de longe algo firme e imutável como muitos pensam. Vivemos, na verdade, sobre um enorme
quebra-cabeças, nas quais as peças são partes do solo que se atritam constantemente.
Segundo os mais recentes cálculos, estima-se que a Terra seja sacudida diariamente por
vários tremores causados por esse atrito. A grande maioria até passa despercebida, mas alguns são capazes de produzir dezenas de milhares de
vítimas.
Abençoado - Esses tremores são resultado de uma série de fatores que,
conjugados, dão origem aos temidos terremotos. O Brasil, como muitos se acostumaram a dizer, sempre foi considerado um lugar abençoado, onde esses
fenômenos, mesmo os mais imperceptíveis, raramente acontecem. Mas não é bem assim.
Um dos maiores tremores já ocorridos no País aconteceu na região do estado do Mato
Grosso, em 1955, atingindo 6,6 graus na escala Richter. Não há registro de vítimas.
Só para você ter uma idéia, em 1967, na Índia, um tremor com magnitude 6,4 matou 177
pessoas e deixou 2.300 feridos. Em 1998, 25 mil pessoas morreram e outras 18 mil ficaram feridas quando uma região da Rússia sofreu um abalo de 6,9
graus na escala Richter.
Qual a diferença entre essas catástrofes? Características do solo, da paisagem,
ocupação humana, cursos d'água e diversos outros fatores, tais como a existência de falhas geológicas.
Cubatão - Foram essas falhas que um grupo de pesquisadores, após quatro anos de
trabalhos, conseguiu identificar no Brasil. Ao todo, por enquanto, são 48 falhas, mas o número deve aumentar.
E uma dessas falhas passa justamente pelo município de Cubatão. Mas calma lá! Ninguém
precisa sair correndo nem ficar alarmado.
A simples existência da falha - descoberta em 1987 pelo Instituto de Pesquisas
Tecnológicas (IPT), num trabalho do professor Mário Sérgio de Melo -, desprovida de outras características, não significa, necessariamente, que a
região será atingida por um tremor.
Tecnicamente, a falha Cubatão, nome dado pelo professor Allaoua Saadi, coordenador dos
trabalhos pela Universidade Federal de Minas Gerais, é uma zona de cisalhamento.
Imagine um pedaço de queijo. Faça corte inclinado nele. Caso você empurre os dois
pedaços, um contra o outro, o corte inclinado fará com que uma das partes suba, se projete sobre o outro pedaço. Isso é uma zona de cisalhamento.
Nela, com o atrito, as rochas vão se desgastando. Esse processo, ao longo de milhares
de anos, poderá alterar completamente as características geográficas de nossa região.
Portanto, conhecer essas falhas permite antecipar problemas. No caso do Brasil, o novo
Mapa Neotectônico (nome da pesquisa) servirá para a elaboração de estudos que irão indicar, por exemplo, se uma área pode ou não ser utilizada para
a construção de uma hidroelétrica.
Porque isso é necessário? Bom, é isso [que] você vai saber nesta edição. Fique firme e
venha conosco.
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caso |
Cubatão e |
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Sidney |
Em Sidney, reator nuclear pode ser construído sobre uma falha geológica
Em junho do ano passado
(N.E.:2002), cientistas australianos localizaram uma falha geológica próximo a Sidney, uma cidade
com quase 4 milhões de habitantes. A descoberta, em si, teria uma importância restrita ao mundo científico, não fosse um pequeno detalhe: a falha
estava localizada debaixo do local em que seria construído um reator nuclear de US$ 171 milhões.
Falhas geológicas, como a Falha Cubatão, são fraturas na crosta terrestre e são
produzidas pelas mesmas forças que acabam criando as cadeias de montanhas. Tais fraturas caracterizam-se pela formação de um desnível no terreno da
região, que fica em uma parte elevada e em outra rebaixada.
Pânico - Citamos o recente exemplo australiano para demonstrar que a existência
de uma falha não pressupõe pânico ou qualquer outra atitude por parte da população.
"O risco de uma falha é o mesmo de uma catástrofe climática. Mas não é um risco
cotidiano e nem significa que tenhamos certeza que venha a ser violento", salienta o professor Allaoua Saadi. Tanto é verdade que os técnicos
australianos não descartam a construção da usina no local pré-determinado.
"Temos de avaliar a falha geológica a fim de determinar sua extensão e descobrir sua
idade. Quando tivermos um relatório final, seremos capazes de decidir sobre o local adequado. A falha, por si só, não significa automaticamente que
o local seja inadequado", declarou Don MacNab, diretor da Agência de Proteção de Radiação e Segurança Nuclear da Austrália.
400 mil - Segundo o professor Saadi, a Falha Cubatão, segundo estudos do
Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), esteve comprovadamente ativa entre 400 mil e 10 mil anos atrás.
"Atualmente, a falha Cubatão pode até estar se movimentando, mas não temos estudos que
permitam uma avaliação mais recente. Além disso, fatores como a erosão, por exemplo, mascaram eventuais efeitos", explica o geomorfólogo.
Para determinar as características de movimentação de uma falha são realizados
diversos testes, que em média custam cerca de US$ 300,00 e, para serem reconhecidos pela comunidade científica internacional, devem ser feitos por
laboratórios estrangeiros.
"Quanto mais recentes forem as movimentações de uma falha, mais fácil a ligação com
probabilidades mais altas de movimentações no futuro. Isso significaria que ela não está estabilizada, e sujeita a tensões", diz Saadi.
No futuro, o professor Saadi [e]
sua equipe de colaboradores esperam ter verba para aprofundar os estudos, avançar na análise das falhas mestras, como a de Cubatão, e estudar mais
detalhadamente as falhas secundárias.
"Para isso, esperamos convencer as autoridades para a importância do trabalho. Essa
primeira etapa já demonstrou os locais onde se deveria investir em pesquisas. Estamos em cima de uma crosta viva, que precisa ser monitorada",
afirma Saadi. |