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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO - VILA SOCÓ - (19)
A tragédia, em A Tribuna de fevereiro/1984-D

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Uma das maiores tragédias de Cubatão, senão a maior, foi o incêndio de um oleoduto da Petrobrás que passava sob uma favela, Vila Socó, destruída pelas chamas com a morte de cerca de uma centena de pessoas, em 24/2/1984. No domingo, 26 de fevereiro de 1984, o jornal santista A Tribuna publicou extensa matéria sobre a tragédia. As imagens das páginas foram tratadas pelo jornalista Allan Nóbrega, que em 24/2/2014 cedeu cópias a Novo Milênio. Esta é a página 5 dessa edição (ortografia atualizada nesta transcrição):
 

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Página 5 do jornal A Tribuna de Santos, de 26 de fevereiro de 1984

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À tarde, povo já retirava gasolina

Vila Socó, Cubatão, sexta-feira, 24 de fevereiro.

São três horas da tarde. Começa a contagem regressiva da tragédia que ia extinguir, em questão de segundos, a favela mais popular da Cidade, na antiga palafita onde vivem mais de cinco mil pessoas.

Um garoto chuta para dentro da vala a bola do jogo que se desenvolve no aterrado da Rua Santo Antonio. Nas casas de madeira, pintadas, muito bem cuidadas e com pequenos jardins do trecho defronte ao Centro Comunitário e ao Parque Infantil Estado de Mato Grosso, onde estudam crianças de quatro a seis anos, as mulheres estendem roupas e conversam.

Próximo ao mangue, que está sendo aterrado para a duplicação da Via Bandeirantes, operários da Sabesp instalam a nova tubulação da água que Cubatão mandará para Santos.

Entre as casas, o mangue e o aterrado, dominando tudo como uma serpente negra que ora mostra o dorso, ora se esconde na terra, está o oleoduto da Petrobrás.

O garoto mergulha os pés no mangue para apanhar a bola e em lugar do cheiro peculiar da podridão do esgoto que se mistura por todo o alagado, ele sente cheiro de gasolina.

***

17 horas. O cheiro se torna mais forte e alguns moradores notam que escapa gasolina do oleoduto da Petrobrás. Alguém informa o guarda municipal, que comunica a um carro patrulha da Petrobrás. Os vazamentos nas linhas são comuns. Ninguém os estranha mais na favela.

Os operários da Petrobrás desaparecem, voltam duas horas depois, revisam a linha, nada veem de diferente. Mas, o condutor está rompido.

19 horas. É noite. Muitos moradores enchem latas velhas e até galões de esgoto com gasolina. Naquele momento, suspeitariam mais tarde os técnicos da Petrobrás e engenheiros de outras indústrias, a gasolina já se tinha espalhado por todo o mangue. Muita gente continuaria enchendo latas, noite adentro.

21 horas. Entre o final da novela e preparativos para uma roda de samba nas biroscas suspensas sobre o mangue, mulheres e homens estranham o cheiro mais forte e notam que a água tem coloração diferente.

Um morador procura o Forte Apache, posto da Polícia Rodoviária situado na Via Anchieta, no ponto em que a favela mais se alarga, já que com os seus quase 12 mil metros quadrados de área, tem o formato de um ângulo, cujas pontas estão na altura do viaduto que liga Cubatão ao Jardim Casqueiro, no próprio Forte Apache e na confluência da Via Bandeirantes com a Avenida Nossa Senhora da Lapa.

Há quatro anos, o mangue ocupava a maior parte da favela. Os sucessivos aterros diminuíram as palafitas e as pinguelas. Por causa dessa circunstância, a tragédia pouparia, horas depois, metade da vila.

O soldado Saturnino, da Polícia Rodoviária, ouve o morador e não perde tempo. Chama um tático móvel do 21º BPMI e se comunica imediatamente com a Petrobrás.

Esta tragédia terá dois heróis: o soldado Saturnino e o tenente Roldão Paulino da Silva. Os dois – um pelo lado da Via Anchieta e outro pelo lado da Via Bandeirantes, começam a bater nas portas dos barracos, acordando os moradores. A tragédia estava prestes a começar.

Saturnino, o soldado, avisou que ia explodir

Uma noite de bruxas soltas para o soldado Saturnino, operador de comunicações da Polícia Rodoviária, no Forte Apache, a 600 metros da Vila Socó. Saturnino acompanhava a Operação Descida no Sistema Anchieta-Imigrantes quando, às 22 horas, começou a perceber que seria um turno fora da rotina: um forte cheiro de gasolina se espalhava com a brisa e alvoroçava a gente da vila, que volta e meia ia ao posto reclamar.

Mas a poluição do ar faz parte da vida daquela gente. Às 22h20, os moradores diziam que a situação estava insuportável, fora do comum. Imediatamente Saturnino ligou para a refinaria. Com a chegada de um técnico, o soldado percebeu a possível tragédia. Largou o posto, correndo para a Vila.

"Não tive dúvidas. Corri de porta em porta e pedi que todos saíssem da vila, pois a situação era gravíssima", conta Saturnino. Mas aí começou a chover, muitos preferiram permanecer em suas casas. Quem acompanhou o soldado, foi salvo, refugiando-se no posto.

A vila explodiu. Eram 23h45. No console das comunicações, nova surpresa para Saturnino: um grande engavetamento interditara a Imigrantes, obrigando que o trânsito fosse transferido para a Via Anchieta. Dividido entre as estradas e o fogo, vendo que uma multidão corria desesperada para longe da vila, Ssaturnino não tinha alternativa: a Anchieta também teria de ser bloqueada, para evitar atropelamentos.

O soldado estava só neste momento, e as linhas de comunicação congestionadas. Deixou o posto, apanhou uma viatura e correu serra acima para providenciar a interdição, permitindo a circulação dos bombeiros e ambulâncias que começavam a chegar. De volta ao posto, Saturnino grudou nos transmissores e avisou todas as autoridades da Baixada. O que via, próximo dele, era um indescritível quadro de horror.

Daí para a frente, as horas voaram. Eram muitos os flagelados e feridos, grande parte crianças, sem rumo. Saturnino cuidou de parar veículos, convocar ônibus da empresa Zefir e afastar aquela gente da desgraça.

Às 5h35, finalmente, Saturnino pôde descansar. Chegava ao posto, para assumir pessoalmente o comando, o coronel Gianone, comandante da Polícia Rodoviária no Estado. O soldado deixou seu posto e juntou-se à multidão.

Ten. Paulino, desesperado, batia nas portas da vila

O Tático Móvel, que fazia a ronda, chega à Vila Socó. O tenente Roldão Paulino da Silva não está certo da hora, mas um soldado lhe observa: "Tenente, nós trocamos os talões, já passava da meia-noite". Paulino tem dúvidas. Uma coisa é certa: ele batia nas portas e de lá vozes com sono mal respondiam ou nada diziam: "Não havia tempo de insistir. A gente sabe que o povo daqui não gosta de sair à noite para atender a porta. Tem medo de assaltos", explica.

Confundido com bandido, o policial batia nas portas dos barracos e gritava que todos deviam sair. Centenas de pessoas correram para longe da vila, foram para os lados da Via Anchieta ou para a Escola João Ramalho.

"Chovia fininho. Havia garoa. Muita gente não queria sair da cama. Mulheres, velhos e principalmente crianças ficaram dentro dos barracos. Nós gritávamos… gritávamos… a gasolina tinha se espalhado por todo o mangue", conta Paulino. Ele se cala, a voz treme:

"De repente veio o fogo. Lambeu tudo… tudo…"

FOTOS:

Com latas, moradores recolheram, durante o dia, a gasolina que corria no mangue. A Petrobrás nada fez

Saturnino deu o alarme

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