A vaca dos meus sonhos
Mário Persona (*)
Colaborador
Quando
criança, meu café da manhã era temperado por sonhos
em busca de inovações. Em minha mente, eu concebia uma solução
pouco ortodoxa para obter o leite que tomávamos todas as manhãs,
e que chegava até nós pelo leiteiro. Meu grande sonho, e
minha solução, era ter uma vaca no quintal.
Minha mente infantil raciocinava que
seria melhor e mais econômico manter uma vaca no quintal produzindo
nosso próprio leite, do que deixar essa tarefa nas mãos de
estranhos. Isso também ajudaria a satisfazer meu ego com a ilusão
de que eu seria capaz de controlar aquele imenso animal. Nem me passava
pela cabeça as implicações e os custos de um projeto
assim. Criar uma vaca no quintal seria complicado, mas eu só enxergava
o leite. Também não me preocupava com o subproduto do processo,
o esterco que logo se espalharia pelo quintal.
Princípios - Neste
ponto, você já deve estar achando que errou de publicação
e está lendo uma página dirigida a pecuaristas. Fique tranqüilo.
A vaca dos meus sonhos tem muito em comum com informática, Internet
e empresas. Os mesmos princípios que norteavam meus sonhos da "vaca
própria", para poder dominar de ponta a ponta o processo de abastecimento
lácteo, podem ser encontrados na maioria das empresas que não
poupam esforços para criar uma estrutura de informática interna.
Sem nem mesmo ponderar o quanto estão gastando ou deixando de ganhar,
muitas delas não abrem mão da vaca cibernética que
criam no quintal.
Assim como teria sido economicamente
inviável eu ter uma vaca no quintal, os custos de manutenção
de um centro de processamento de dados, com a aquisição de
máquinas, contratação de pessoal especializado e distribuição
da informação gerada, muitas vezes acaba desviando o foco
de uma empresa para uma área que definitivamente não é
o seu negócio. Isso acontece sempre que o empresário subestima
as necessidades de sua vaca e superestima o tamanho do seu quintal.
Aliás, hoje, quando visito
o quintal da casa onde passei minha infância, a impressão
que tenho é que ele diminuiu. Parecia muito maior. A mesma ilusão
ocorre dentro de uma empresa com uma visão limitada do universo
onde seu quintal está inserido, ou que esteja tão ocupada
com sua vaca que não consiga enxergar alternativas. No afã
de controlar sozinhos a situação, muitos empresários
acabam chutando o balde da produtividade e fechando a porteira do lucro.
Envelhece - Outro aspecto
importante a ser considerado era o envelhecimento da vaca. Com o passar
do tempo, o animal de meus sonhos iria envelhecer e diminuir sua produção,
do mesmo modo como qualquer estrutura interna de processamento de dados
está fadada à obsolescência. O ditado popular que diz
que da vaca se aproveita tudo, menos o berro, não se aplica a este
caso. No sucateamento da informática, quase nada é aproveitado.
E o que mais se teme é justamente o berro da descoberta de que um
disco travou e o back-up não funcionou ou nunca existiu.
O leite que chegava em casa era produzido
por profissionais que tinham nas vacas o foco de seu negócio. Eles
eram responsáveis por tudo, desde a alimentação até
a renovação do rebanho, para que o leite saísse sempre
com qualidade ótima. Eu não precisava me preocupar com as
vacas, mas apenas beber o leite que era o resultado do processo. Nem era
preciso que eu sujasse os pés no curral.
O mesmo raciocínio pode ser
transportado para dentro de uma empresa cujo foco de negócio não
esteja em informática, mas em produzir com lucratividade. A ela
interessa apenas beber os resultados e não ficar pegando bits e
bytes no laço, aplicando vacinas antivírus ou inseminando
aplicativos arcaicos que a curto prazo acabarão abortando todo o
sistema.
A velocidade de crescimento da malha
de comunicação de dados já permite que muitas empresas
tirem as vacas, físicas e lógicas, de seu quintal. Nada mais
sensato do que entregar a responsabilidade do rebanho de processamento
de informações de sua empresa a cowboys competentes,
equipados com know-how e tecnologia apropriada para detectar e resolver
problemas ao mais leve mugido de seus equipamentos. A previsão é
de que até o ano 2003 a maioria das grandes empresas já esteja
recebendo a nata de sua informação com muito menos esforço,
graças à terceirização de seus sistemas de
informática.
Pesquisa - De acordo com o
Meta
Group, uma organização de apoio à tomada de decisões
em tecnologia da informação, poucas empresas possuem capacidade,
estratégia, tecnologia e criatividade suficientes para projetar,
desenvolver e manter sistemas de outsourcing usando a Web como a
rede de tetas por onde flui o leite da informação vital à
empresa.
Segundo o Meta Group, as grandes
empresas de Tecnologia da Informação nem sempre são
a melhor opção para isso, já que em alguns casos uma
estrutura muito grande pode prejudicar um atendimento personalizado. Por
outro lado, pode faltar às empresas pequenas o know-how necessário
para integrar os aplicativos entre os diferentes ambientes, ou a infra-estrutura
que garanta o funcionamento dos sistemas ininterruptamente.
Quem sai ganhando com um cenário
assim são as empresas de médio porte com tecnologia Web e
dedicadas ao desenvolvimentos de soluções empresariais. Estas
possuem agilidade e fôlego suficientes para acompanhar as constantes
mudanças de cenário, ao mesmo tempo que mantêm uma
infra-estrutura de tecnologia de ponta. Empresas assim possuem uma estrutura
que lhes permite desenvolver um relacionamento estreito com o cliente e
um atendimento personalizado e compatível com suas necessidades.
São verdadeiros alfaiates de soluções sob medida.
Web - Pense no que está
acontecendo hoje em muitas empresas com a crescente necessidade de implementação
de sistemas de ERP, como SAP, Baan, MFG/Pro, Datasul e outros, alguns instalados
indoor
e outros operados remotamente. Muitos desses sistemas estão desenvolvendo
versões Web, já que esta é a tendência a ser
seguida.
Enquanto isso, já é
possível ordenhar a nata das informações que eles
geram e disponibilizá-las, em formatos que possibilitem uma análise
final dos dados, aos responsáveis pela tomada de decisões
da empresa. O empresário pode então, utilizando apenas um
browser
ou navegador de Internet, verificar todas as informações
de sua empresa, esteja ele no escritório, em casa ou em qualquer
parte do mundo. A Internet transforma-se assim no grande leiteiro moderno,
entregando as informações já ruminadas e processadas
na forma de textos, gráficos ou tabelas para tomadas de decisão.
As empresas que começam a
despertar para essa realidade descobrem que não se pode querer sorver
o puro leite da informação sem um direcionamento claro da
estratégia de tecnologia de informação. Quando param
de se orgulhar de seu próprio quintal, começam a buscar parceiros
para os quais transferem a responsabilidade de cuidar dos sistemas de tecnologia
da informação existentes ou otimizar outros ainda precários,
utilizando uma abordagem mais moderna e eficaz como é a Web.
Os mesmos profissionais que se encarregam
de guiar esses sistemas para pastos mais verdejantes, podem identificar
os sistemas de EIS (Executive Information System) mais adequados
para disponibilizar os dados, ou fazer a integração entre
os vários sistemas que a empresa já utilize. E aos poucos
a empresa vai perdendo o cheiro característico dos subprodutos da
ordenha de dados, como os altos custos gerados para manter sua infra-estrutura,
passando a desfrutar apenas do leite e da nata da informação.
Vaqueiro - Meu sonho infantil
de possuir uma vaca no quintal para produzir meu próprio leite não
se concretizou. Mas hoje, como profissional ligado à área
de tecnologia da informação, acabei me tornando um cowboy
dos novos tempos, cuidando de rebanhos alheios.
Montado no alazão da especialização
tecnológica, posso enxergar muitas empresas ainda levando coices
de seus sistemas, achando que não existe alternativa além
de manter a Mimosa mugindo no quintal. Se esses empresários tão
somente enxergassem o potencial das redes remotas, as soluções
introduzidas pelo advento da Internet e a economia que a terceirização
de seus sistemas de tecnologia da informação trarão,
se apressariam em acelerar uma mudança de rumo e evitar que a vaca
vá para o brejo.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |