Bug do Milênio - é
hora de arrumar a casa
Mário Persona (*)
Colaborador
Sem dúvida
alguma, o assunto do momento - e do ano - é o Bug do Milênio,
também conhecido como Y2K ou Bug do Ano 2000. Uma falha de programação
- genericamente denominada "bug" no dialeto utilizado pelos programadores
- pode colocar em risco todas as atividades que dependam de sistemas utilizando
datas computadores ou chips.
À meia-noite do dia 31 de
dezembro de 1999, muitas empresas passarão pelo susto de Cinderela,
quando seus sistemas de processamento de dados se transformarem, de velozes
carruagens transportando informação, em abóboras inertes.
Isto incluirá desde sistemas bancários até máquinas
controladas por algum chip de programação mais antiga,
podendo acarretar erros de cálculo financeiro, interrupções
nos sistemas de energia e telefonia ou paralisações na indústria.
A falha tem sua origem no período
jurássico dos computadores, quando era necessário economizar
preciosos bits de memória e espaço em disco devido ao alto
custo de processamento e armazenagem. O que ninguém previa era que
muitos programas chegariam ao final do milênio ainda em uso, ou que
aquela medida iria tornar convencional o uso de apenas dois dígitos
para designar o ano nos programas de computador.
Assim, por exemplo, ao invés
de se utilizar 01/03/1993 para data, utilizava-se 01/03/93. Por esta razão,
o primeiro dia do ano 2000 será interpretado pelos sistemas que
ainda utilizam o padrão antigo de data como 01/01/00 ou 1 de janeiro
de 1900, ocasionando um erro que pode chegar a cem anos em qualquer cálculo
que envolva datas. Um telefonema seu à sua sogra para desejar feliz
ano novo na virada do milênio poderia ser interpretado pela companhia
telefônica como tendo a duração de um século.
Obviamente algo impossível de ocorrer na prática.
Sem previsão - Ninguém
pode prever exatamente a extensão do problema, mesmo porque seria
humanamente impossível garimpar, em bilhões de linhas de
programas escritas até hoje, todas as ocorrências de datas
utilizando apenas dois dígitos para o ano. Mesmo assim, empresas
e organizações em todo o mundo já trabalham na correção
de seus sistemas antes que chegue a data considerada fatídica para
muitos. Mesmo assim, como muitos sistemas são interligados e interdependentes,
fica difícil prever qual elo dessa corrente poderá falhar
e comprometer os sistemas subseqüentes.
A reação ao problema
tem variado da indiferença cega ao desespero, que também
não deixa de ser cego. Uma simples busca na Internet revelará
a existência de sites sobre o assunto com abordagens que vão
desde aspectos técnicos para a correção dos sistemas,
até visões catastróficas e alarmistas. Estes últimos
são patrocinados por aqueles que prevêem um colapso total
da sociedade como a conhecemos para um retorno, de fato, aos níveis
de conforto e tecnologia de 1900.
Estímulo - Extremismos
à parte, a realidade é que o Bug do Milênio pode ser
encarado como o estímulo que faltava a muitas empresas para a tão
postergada atualização de seus sistemas. Aquela necessidade
de modernização de sistemas que, à semelhança
do regime prometido para segunda-feira, era sempre deixada para mais tarde,
agora tem data e hora marcada para ser concluída. Mesmo porque o
bug
não pode esperar.
Em vista disso, atitudes extremas,
de empresário-avestruz ou empresário-alarmista, devem ser
descartadas em favor do bom senso. Nem a indiferença de enfiar a
cabeça na areia, como se pudesse fugir ao problema, ou o sentimento
de uma derrocada completa e a volta ao fogo de pederneira, poderá
resolver um problema que, infelizmente, é sério. Ao invés
de fazer experiências com soluções caseiras, o mais
sensato é buscar a ajuda de profissionais habilitados para uma análise
do sistema, detecção de pontos vulneráveis e sua possível
correção.
Todavia, se a empresa possui um sistema
obsoleto, que há anos vem sendo remendado para aumentar sua sobrevida,
é bom parar de adiar o inadiável. Em casos assim, corrigir
o sistema pode custar mais caro do que modernizá-lo, sem falar na
insônia causada pela simples idéia de que alguma linha de
programa possa ter sido deixada sem corrigir. O índice de falhas
possíveis de ocorrer na correção de sistemas arcaicos
é elevado demais para que uma empresa se dê ao luxo de correr
o risco de ver sua produtividade estagnada por pane no processamento. É
verdade que muitos empresários preferem pagar para ver, mas pode
acontecer exatamente o contrário: verão primeiro para pagar
depois. E não será pouco.
A correção de programas
de computador não é algo simples. Os programas mais antigos
eram feitos em linguagens como Basic, Dataflex, Cobol, Clipper, DBase ou
outras. Muitas vezes, é necessário encontrar profissionais
que ainda programem nessas linguagens originais, muitas delas já
obsoletas, e mesmo quando se encontra o pessoal adequado, o problema seguinte
é encontrar um compilador. É preciso descobrir a mesma versão
do compilador utilizado para poder compilar o programa fonte com as correções
feitas. E uma vez encontrada a versão correta do compilador, pode-se
descobrir que o mesmo foi feito para funcionar em 8 ou 16 bits, podendo
ser incompatível para funcionar nas máquinas modernas.
Novos erros - Para piorar
as coisas, o profissional que tentará fazer as correções
fatalmente não será o mesmo que criou o programa anos antes,
o que resultará em aumento do trabalho e tempo necessários
para entender o programa, corrigir as falhas e fazer os testes. Por não
estar familiarizado com todo o sistema - e nem dispor de tempo para isso
- o programador corre o risco de introduzir inadvertidamente novos bugs
no programa original. Acima de tudo, o tempo está se esgotando rapidamente.
O prazo para ter tudo funcionando expira exatamente à meia-noite
do dia 31 de dezembro de 1999, sem possibilidade de prorrogação.
Para muitas empresas o Bug do Milênio,
ou Y2K, está sendo extremamente benigno, já que serviu de
incentivo para a escolha e implementação de um sistema moderno
de ERP (Enterprise Resource Planning), ou software de gestão
empresarial, já adequado ao ano 2000. Para essas o bug servirá
de impulso para darem um passo rumo à modernidade, acompanhando
o exemplo das grandes corporações onde o problema já
vem sendo tratado há alguns anos.
Tempo - As pequenas e médias
empresas talvez ainda disponham de tempo para buscarem soluções
definitivas - e não paliativos - nos poucos meses que nos separam
do ano 2000. Os modernos programas de ERP, cujo uso antes ficava restrito
às grandes corporações, tiveram seus custos reduzidos
ao ponto de serem muitas vezes uma opção mais econômica
do que a tentativa de correção de velhos sistemas. Mas mesmo
para implementar uma solução assim é preciso começar
logo, pois nada substitui o tempo. Ainda que se disponha de todo o recurso
do mundo, é impossível inverter esta ordem de importância.
Nove mulheres não conseguem dar à luz em um mês.
Mas acredito que, numa emergência
como esta em que se transformou o ano de 1999, o bem mais precioso a ser
levado em consideração é o tempo. E o tempo que resta
pode se mostrar insuficiente para se tentar a correção dos
sistemas, já que a tentativa pode acabar consumindo recursos preciosos
que poderiam ser gastos na implementação de uma solução
moderna e definitiva. Eu não gostaria de estar na pele de um empresário
ou gerente de sistemas que tomasse o caminho errado para descobrir, ao
cair dos últimos grãos de areia da ampulheta, que o sistema
todo deveria ter sido substituído.
Um passo certo agora pode significar
economia depois e um sono tranqüilo em um ano que será de pesadelo
para muitos empresários que correm o risco ver seus sistemas inoperantes
no day after da virada do milênio. Então o velho ditado
nunca parecerá tão atual: É melhor prevenir que remediar.
E o melhor modo de prevenir é seguir o conselho que recebi certa
vez de um mecânico, quando perguntei qual era a melhor marca para
um veículo que pretendia comprar. "A melhor marca é Novo",
resumiu ele.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |