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Artigo escrito em 1999
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 14:00:20
Bug do Milênio - é hora de arrumar a casa

Mário Persona (*)
Colaborador

Sem dúvida alguma, o assunto do momento - e do ano - é o Bug do Milênio, também conhecido como Y2K ou Bug do Ano 2000. Uma falha de programação - genericamente denominada "bug" no dialeto utilizado pelos programadores - pode colocar em risco todas as atividades que dependam de sistemas utilizando datas computadores ou chips. 

À meia-noite do dia 31 de dezembro de 1999, muitas empresas passarão pelo susto de Cinderela, quando seus sistemas de processamento de dados se transformarem, de velozes carruagens transportando informação, em abóboras inertes. Isto incluirá desde sistemas bancários até máquinas controladas por algum chip de programação mais antiga, podendo acarretar erros de cálculo financeiro, interrupções nos sistemas de energia e telefonia ou paralisações na indústria.

A falha tem sua origem no período jurássico dos computadores, quando era necessário economizar preciosos bits de memória e espaço em disco devido ao alto custo de processamento e armazenagem. O que ninguém previa era que muitos programas chegariam ao final do milênio ainda em uso, ou que aquela medida iria tornar convencional o uso de apenas dois dígitos para designar o ano nos programas de computador. 

Assim, por exemplo, ao invés de se utilizar 01/03/1993 para data, utilizava-se 01/03/93. Por esta razão, o primeiro dia do ano 2000 será interpretado pelos sistemas que ainda utilizam o padrão antigo de data como 01/01/00 ou 1 de janeiro de 1900, ocasionando um erro que pode chegar a cem anos em qualquer cálculo que envolva datas. Um telefonema seu à sua sogra para desejar feliz ano novo na virada do milênio poderia ser interpretado pela companhia telefônica como tendo a duração de um século. Obviamente algo impossível de ocorrer na prática.

Sem previsão - Ninguém pode prever exatamente a extensão do problema, mesmo porque seria humanamente impossível garimpar, em bilhões de linhas de programas escritas até hoje, todas as ocorrências de datas utilizando apenas dois dígitos para o ano. Mesmo assim, empresas e organizações em todo o mundo já trabalham na correção de seus sistemas antes que chegue a data considerada fatídica para muitos. Mesmo assim, como muitos sistemas são interligados e interdependentes, fica difícil prever qual elo dessa corrente poderá falhar e comprometer os sistemas subseqüentes.

A reação ao problema tem variado da indiferença cega ao desespero, que também não deixa de ser cego. Uma simples busca na Internet revelará a existência de sites sobre o assunto com abordagens que vão desde aspectos técnicos para a correção dos sistemas, até visões catastróficas e alarmistas. Estes últimos são patrocinados por aqueles que prevêem um colapso total da sociedade como a conhecemos para um retorno, de fato, aos níveis de conforto e tecnologia de 1900.

Estímulo - Extremismos à parte, a realidade é que o Bug do Milênio pode ser encarado como o estímulo que faltava a muitas empresas para a tão postergada atualização de seus sistemas. Aquela necessidade de modernização de sistemas que, à semelhança do regime prometido para segunda-feira, era sempre deixada para mais tarde, agora tem data e hora marcada para ser concluída. Mesmo porque o bug não pode esperar.

Em vista disso, atitudes extremas, de empresário-avestruz ou empresário-alarmista, devem ser descartadas em favor do bom senso. Nem a indiferença de enfiar a cabeça na areia, como se pudesse fugir ao problema, ou o sentimento de uma derrocada completa e a volta ao fogo de pederneira, poderá resolver um problema que, infelizmente, é sério. Ao invés de fazer experiências com soluções caseiras, o mais sensato é buscar a ajuda de profissionais habilitados para uma análise do sistema, detecção de pontos vulneráveis e sua possível correção.

Todavia, se a empresa possui um sistema obsoleto, que há anos vem sendo remendado para aumentar sua sobrevida, é bom parar de adiar o inadiável. Em casos assim, corrigir o sistema pode custar mais caro do que modernizá-lo, sem falar na insônia causada pela simples idéia de que alguma linha de programa possa ter sido deixada sem corrigir. O índice de falhas possíveis de ocorrer na correção de sistemas arcaicos é elevado demais para que uma empresa se dê ao luxo de correr o risco de ver sua produtividade estagnada por pane no processamento. É verdade que muitos empresários preferem pagar para ver, mas pode acontecer exatamente o contrário: verão primeiro para pagar depois. E não será pouco.

A correção de programas de computador não é algo simples. Os programas mais antigos eram feitos em linguagens como Basic, Dataflex, Cobol, Clipper, DBase ou outras. Muitas vezes, é necessário encontrar profissionais que ainda programem nessas linguagens originais, muitas delas já obsoletas, e mesmo quando se encontra o pessoal adequado, o problema seguinte é encontrar um compilador. É preciso descobrir a mesma versão do compilador utilizado para poder compilar o programa fonte com as correções feitas. E uma vez encontrada a versão correta do compilador, pode-se descobrir que o mesmo foi feito para funcionar em 8 ou 16 bits, podendo ser incompatível para funcionar nas máquinas modernas.

Novos erros - Para piorar as coisas, o profissional que tentará fazer as correções fatalmente não será o mesmo que criou o programa anos antes, o que resultará em aumento do trabalho e tempo necessários para entender o programa, corrigir as falhas e fazer os testes. Por não estar familiarizado com todo o sistema - e nem dispor de tempo para isso - o programador corre o risco de introduzir inadvertidamente novos bugs no programa original. Acima de tudo, o tempo está se esgotando rapidamente. O prazo para ter tudo funcionando expira exatamente à meia-noite do dia 31 de dezembro de 1999, sem possibilidade de prorrogação.

Para muitas empresas o Bug do Milênio, ou Y2K, está sendo extremamente benigno, já que serviu de incentivo para a escolha e implementação de um sistema moderno de ERP (Enterprise Resource Planning), ou software de gestão empresarial, já adequado ao ano 2000. Para essas o bug servirá de impulso para darem um passo rumo à modernidade, acompanhando o exemplo das grandes corporações onde o problema já vem sendo tratado há alguns anos. 

Tempo - As pequenas e médias empresas talvez ainda disponham de tempo para buscarem soluções definitivas - e não paliativos - nos poucos meses que nos separam do ano 2000. Os modernos programas de ERP, cujo uso antes ficava restrito às grandes corporações, tiveram seus custos reduzidos ao ponto de serem muitas vezes uma opção mais econômica do que a tentativa de correção de velhos sistemas. Mas mesmo para implementar uma solução assim é preciso começar logo, pois nada substitui o tempo. Ainda que se disponha de todo o recurso do mundo, é impossível inverter esta ordem de importância. Nove mulheres não conseguem dar à luz em um mês.

Mas acredito que, numa emergência como esta em que se transformou o ano de 1999, o bem mais precioso a ser levado em consideração é o tempo. E o tempo que resta pode se mostrar insuficiente para se tentar a correção dos sistemas, já que a tentativa pode acabar consumindo recursos preciosos que poderiam ser gastos na implementação de uma solução moderna e definitiva. Eu não gostaria de estar na pele de um empresário ou gerente de sistemas que tomasse o caminho errado para descobrir, ao cair dos últimos grãos de areia da ampulheta, que o sistema todo deveria ter sido substituído.

Um passo certo agora pode significar economia depois e um sono tranqüilo em um ano que será de pesadelo para muitos empresários que correm o risco ver seus sistemas inoperantes no day after da virada do milênio. Então o velho ditado nunca parecerá tão atual: É melhor prevenir que remediar. E o melhor modo de prevenir é seguir o conselho que recebi certa vez de um mecânico, quando perguntei qual era a melhor marca para um veículo que pretendia comprar. "A melhor marca é Novo", resumiu ele.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.