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Artigo escrito em 1999
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 13:57:48
Olhando pela fresta do tapume 

Mário Persona (*)
Colaborador

Em conversa com o dono de um restaurante, sugeri a ele que seria um bom negócio vender pizza por meio da Internet. Ele estava familiarizado com o processo de venda por telefone e, portanto, a idéia seria apenas uma expansão na forma como os pedidos chegariam até o seu restaurante. Não haveria a necessidade de qualquer mudança estrutural em seu negócio ou a contratação de novos funcionários. E o investimento seria pequeno, bem dentro do que ele poderia suportar. Haveria, isto sim, uma nova porta de entrada para a sua pizzaria e até mesmo conveniências impossíveis ao telefone, como permitir ao cliente montar sua própria pizza na tela do micro.

Ele olhou para mim com uma expressão que tinha algo de desdém e perguntou: "Mas Internet não é esse negócio que a garotada usa?" Expliquei que a Internet era uma ferramenta fantástica para negócios e que eu mesmo trabalhava em uma empresa especializada em Internet. Enquanto ele procurava amenizar sua opinião sobre a Internet para não ser indelicado, eu podia ler seus pensamentos pela expressão de seu rosto. Ele bem podia estar pensando: "Bom, um dia ele ainda vai arranjar um emprego normal como todo mundo".

Pesquisa - O comportamento daquele comerciante expressa bem como a maioria das empresas no Brasil ainda enxerga a Internet. Mas não é só aqui que muitas empresas estão ficando atrás da concorrência nesta área. Uma pesquisa recente feita pelo Yankee Group nos Estados Unidos demonstrou que 60% das pequenas empresas (2-99 funcionários) e 82% das médias (100-499) já utilizam alguma forma de acesso à Internet. Em termos de máquinas, 50% dos micros em pequenas empresas, e 31% nas médias, estão equipadas com acesso à Internet. 

Chris Gwynn, analista de Estratégias de Marketing do Yankee Group, identifica um processo de três fases nas empresas - conexão com a Internet, conectividade com clientes e comércio eletrônico. Mais de dois terços das empresas pesquisadas ainda não haviam dado o passo em direção à segunda fase, de conectividade com seus clientes.

O problema, porém, é mais de ordem cultural e estratégica do que tecnológica. As soluções existem e a tecnologia caminha a passos largos para melhorar cada vez mais a velocidade de acesso e navegação na Internet. Paralelamente, muitas empresas com visão de negócio já estão há algum tempo utilizando a Internet como forma de reduzir seus custos operacionais e aumentar a sua lucratividade.

O tapume - O cenário se assemelha mais a um enorme tapume, desses que escondem a construção de um moderno shopping center. Se olharmos por uma fresta, veremos uma atividade febril do outro lado. Empresas de visão que nesta guinada de século constróem rapidamente uma estrutura de tecnologia da informação que as coloca na arena da competitividade, equipadas com os novos conceitos e formas de se trabalhar, comunicar e negociar. Os que se dão conta de que a Internet é uma realidade, deixam de ser meros observadores de fresta de tapume. Esses arregaçam as mangas e direcionam seus esforços no sentido de abocanhar uma fatia generosa desse novo mercado.

Todavia, a reação de muitos empresários brasileiros ainda se assemelha à do dono do restaurante. Uma sobrancelha levantada, um meio sorriso no canto da boca e a incredulidade de quem diz: "Negócios pela Internet? Ele deve estar brincando!" Mas não será uma reação nova. Ela já foi encontrada em um passado recente entre aqueles que encaravam os primeiros microcomputadores como meros videogames. Coisas da garotada, que não eram para ser levadas a sério.

O mesmo se dá com os meros espectadores de Internet que, quando muito, assistem com um olho só pela fresta do tapume a revolução que está ocorrendo no mundo dos negócios. Para estes, restará a surpresa de descobrirem um dia que o tapume foi retirado e que toda a paisagem empresarial mudou de uma hora para outra. Um novo cenário de negócios estará consolidado e todo o terreno da oportunidade já terá sido ocupado por outros. O tempo perdido como espectador poderá custar caro então para aquele empresário que não quis participar da empreitada. Para ele, restará apenas um prêmio de consolação: o conforto de poder encomendar sua próxima pizza pela Internet.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.