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Artigo escrito em 1999
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 13:35:12
Quem tem medo do lobo mau? 

Mário Persona (*)
Colaborador

O porquinho friorento e o lobo faminto se encontraram. O porquinho armou a espingarda, fez pontaria e ia puxar o gatilho, garantindo um casaco de peles, quando foi interrompido. "Espere!" - gritou o lobo. "Você tem frio e eu tenho fome; espere mais um pouco que eu tenho a solução para nós dois." E o porquinho esperou. O resto da história você conhece: o porquinho ganhou um casaco de peles e o lobo encheu a pança.

Embora minha história não mereça um prêmio de originalidade, ela ilustra bem o que acontece com o pequeno empresário e o comércio convencional diante dos grandes lobos corporativos que dominam cada vez mais o mercado. Estamos vivendo uma época de grandes mudanças, alimentadas por um novo ingrediente que é a Internet, e nenhum empresário pode se dar ao luxo de esperar as coisas acontecerem. Se o fizer, certamente será engolido. 

Reforço - O comércio convencional não deixará de existir com a entrada em cena da Internet, mas suas paredes - sejam elas de palha, tábuas ou tijolos - precisam ser reforçadas para agüentar o sopro do lobo. Do contrário é melhor o comerciante convencional ir aprendendo a cantar a música da outra história: "Eu vou, eu vou, prá casa agora eu vou!" 

Uma agência de viagens de Nova Iorque levou treze anos para virar um negócio rentável. E apenas dois anos para reduzir seu quadro a apenas uma funcionária de meio período. Enquanto isso o proprietário tenta montar outro negócio. Neste caso a Internet ajudou a solapar o alicerce do empreendimento que perdeu seus clientes para a compra de passagens on-line, diretamente das empresas aéreas. Mas a verdadeira razão de sua agonia e morte se deve à inércia e falta de visão do proprietário. Assim como o porquinho, ele esperou o lobo tomar a iniciativa para ver se esse negócio de Internet iria dar certo. E deu. 

Uma pesquisa feita pela OECD, sigla da Organização para O Desenvolvimento e Cooperação Econômica, e publicada em http://www.thestandard.com, revelou que a distribuição de bens e serviços utilizando a Internet gerou uma enorme redução nos custos de alguns segmentos. Passagens aéreas tiveram o seu custo de distribuição reduzidos em nada menos que 87% quando a transação passou a ser feita diretamente pela companhia aérea usando seu próprio site na Internet. Diante de números assim, o lobo nem precisa ser mau para querer entrar nesse negócio de venda de seus produtos e serviços via Internet. 

Até o observador menos atento irá concluir que o comércio on-line não está apenas criando novas vendas, mas roubando uma fatia das vendas do comércio convencional. Hoje é possível encontrar e comprar rapidamente pela Internet um livro ou CD, enviar flores ou um presente para alguém sem precisar tirar o carro da garagem. Mas será que essa nova realidade irá abocanhar e engolir de vez o comércio convencional? Não, se este formar sua própria matilha na Internet, criando sistemas cooperativos que fortaleçam sua atuação. 

Bicicleta - James Punteney, do Multimedia Marketing Group, uma empresa especializada em marketing para a Internet, conta sua experiência na compra de uma bicicleta. Ele deu preferência a uma loja convencional, pois queria experimentar antes de comprar, e foi só na segunda tentativa que encontrou uma bicicleta de acordo com a sua estatura. A menos que ele fosse alguém como eu, que só pedala em bikes de videogame, sua compra teria sido inviável em uma loja virtual.

Todavia, é interessante observar como neste caso as duas modalidades de comércio se complementaram. Uma loja virtual pode muito bem trabalhar em parceria com lojas convencionais espalhadas por todo o mundo, em um processo de cooperação mútua e usando um sistema de comissões. Um empreendimento assim, além de se tornar forte no segmento que explora e expandir sua área de atuação, permite que os clientes conheçam melhor produtos que precisam ser experimentados antes da compra. 

James só podia experimentar a bicicleta nas dependências da própria loja, mas como era uma mountain bike, ele precisava conhecer sua performance em trilhas de terreno ruim. É óbvio que o vendedor não iria deixar James enfiar a bicicleta no barro antes de efetuar a compra, portanto levou-o até um computador conectado à Internet e à loja virtual com a qual tinha parceria, para que ele pudesse ler os comentários de usuários daquele modelo. 

James entrou ainda em uma área de chat ou bate-papo de ciclistas na loja virtual e perguntou se alguém conhecia aquela marca. Os compradores passaram a fazer o papel de vendedores, desfilando na tela as virtudes daquele modelo e levando James a concluir ser aquela sua melhor opção. Se errasse na compra, pelo menos não estaria sozinho.

Sem suco - Mas a compra ainda não estava consumada. Saindo da virtual para cair na real, James descobriu que a loja convencional só tinha em estoque o modelo na cor laranja, e a última coisa que James queria era uma bicicleta que lembrasse suco. A solução veio alguns cliques depois. O vendedor levou James de volta ao mundo virtual, onde pôde escolher a cor verde que desejava e a própria loja se incumbiu de fazer a encomenda on-line

Dois dias depois uma bike verde brilhante, montada e ajustada, estava na loja à espera de James. Entusiasmado, ele ainda comprou alguns acessórios, como capacete, bomba para encher pneus e uma trava. Todo mundo ganhou no processo. A loja virtual vendeu uma bicicleta que não venderia sem a ajuda da loja convencional. Esta, por sua vez, só veio a satisfazer o desejo do cliente graças à sua parceria com a loja virtual, de quem recebeu uma comissão pela venda. 

A experiência demonstra que existe lugar para o comércio convencional na nova realidade de negócios. Mas deve haver uma adaptação e em todos os casos a Internet terá um papel indispensável. Dificilmente haverá um setor que não venha a necessitar da Internet se quiser crescer - ou simplesmente não desaparecer. 

Mas não é preciso ter medo do lobo mau. O importante é não esperar mais, achando que seja possível crescer fora da sociedade da informação. Se ainda assim conseguir crescer, provavelmente será apenas para adiar o destino que será o mesmo daquele porquinho do antigo comercial de TV, quando lhe perguntavam: "O que você vai ser quando crescer?".

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.