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Artigo escrito em 1999
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 01/15/02 13:34:22
Da rede de telenotícias à rede virtual 

Mário Persona (*)
Colaborador

O que faz um âncora do noticiário financeiro de uma das maiores redes de notícias do mundo quando decide deixar seu emprego? É contratado por uma rede de televisão concorrente para apresentar o noticiário, certo? Errado. Pelo menos parece não ser este o destino de Lou Dobbs, um dos mais importantes executivos e apresentadores da CNN, que está deixando a empresa. Dobbs não é um apresentador comum. Além de âncora do noticiário financeiro "Moneyline" da CNN, ocupava o cargo de vice-presidente da empresa. A perda de Dobbs certamente trará repercussões sérias, já que seu programa na TV tinha uma audiência seleta de investidores de alto poder aquisitivo, criando mercado para os comerciais mais caros da CNN.

Mas o que interessa aqui não é exatamente o que acontecerá com a CNN após a sua saída, e sim o que Lou Dobbs pretende fazer. Qualquer um na pele dele estaria saindo para ganhar um salário milionário como apresentador em outra rede de TV. É o que ele sabe fazer melhor, e a sabedoria popular ensina que em time que está ganhando não se mexe. Mas talvez a sabedoria popular esteja olhando demais para o time ao invés de prestar atenção no campeonato. E um jogo melhor pode estar começando em um novo estádio. Com certeza foi o que Lou Dobbs viu.

Espaço em potencial - Dentro de alguns dias ele estará vestindo a camisa para entrar em um jogo com um potencial muito maior. Dobbs entra no campo da Internet dando, em breve, o pontapé inicial em um novo site chamado www.space.com. De âncora financeiro da CNN ele passa a centro-avante de um site educacional sobre o espaço, com notícias, ciência e ficção orbitando em torno de assuntos siderais. Mas pelo jeito ele não pretende abandonar o cenário financeiro. Só que agora prefere ser notícia ao invés de apenas falar dela. 

Isto porque, junto com Lou Dobbs, e financiando a partida, entra em campo a Venrock Associates, investidor de peso pertencente à família Rockefeller. Se a Internet vai dar o que falar em termos de lucratividade, essa gente toda quer estar lá para virar notícia. E notícia que Lou Dobbs não vai dar - vai ser. Dobbs não tem nada de aventureiro e nem é o primeiro. Antes dele foi a vez de Michael Kinsley que, em 1995, deixou o programa "Crossfire" na CNN para começar uma revista on-line para a Microsoft. No início deste ano, foi a vez de Peter Arnett, repórter da CNN e ganhador do prêmio Pulitzer, que após dezoito anos na empresa passou a ser o correspondente de um noticiário internacional on-line

O que há de comum entre Kinsley e Arnett é que ambos já foram ridicularizados por colegas quando se aventuraram em uma nova mídia: o primeiro quando partiu para uma Internet ainda verde, em 1995, e o segundo quando deixou a Associated Press há vinte anos para entrar em um negócio então duvidoso como era na época uma rede de televisão a cabo exclusivamente de notícias. Essa gente toda deve saber muito bem o que está fazendo ao migrar para a Web. E a importância do fato está justamente nisto. 

Novo cenário - Por que razão figuras que seriam recebidas com tapete vermelho por qualquer rede de TV estariam pulando para a Internet? Porque o cenário econômico está mudando e nem tudo o que hoje reluz amanhã será ouro. Ninguém troca o certo pelo duvidoso, principalmente quando o certo é tão certo e o duvidoso ainda é considerado duvidoso por aqueles que não participam das pesquisas de bilheteria. Na realidade, sair da TV para a Internet não é exatamente mudar de área, já que ambas lidam com informação. E o mercado de informação é sem dúvida um jogo sem previsão de empate. Joga-se para ganhar.

Nos últimos anos, o número de pessoas produzindo bens tangíveis - coisas que conseguimos tocar - vem diminuindo, enquanto o número daqueles envolvidos com a produção de bens intangíveis - ou serviços - aumenta a cada dia. Mesmo entre os empregados do segmento industrial norte-americano, calcula-se que três quartos estão executando tarefas caracterizadas como serviços do tipo contabilidade, marketing, pesquisa, consultoria etc. 

Moral da história: um número cada vez maior de pessoas trabalha sem precisar literalmente botar a mão na massa. Enquanto as máquinas vão substituindo a força bruta, o emprego de cérebros passa a ser cada vez maior e mais valorizado. Um bom exemplo deste fenômeno foi o que aconteceu com a evolução do futebol. Hoje, para cada time em campo, existe um batalhão de técnicos, preparadores físicos, médicos, nutricionistas, assessores de imprensa e outros trabalhando mais com o cérebro do que com os músculos. E, mesmo que você conte os jogadores pelo número de pernas, ainda assim o time em campo sai perdendo. 

Informação reina - Uma sociedade cujo efetivo pensante cresce a cada dia, tem na informação a sua principal fonte de vitaminas, proteínas e sais minerais. Como conseqüência, a mídia que conseguir entregar o maior volume de informações, na maior quantidade de formatos, para o maior número de pessoas deverá reinar absoluta nos próximos anos. Só uma mídia em rede pode conseguir este feito - uma mídia com ramificações que dêem a uma ação isolada o poder de desencadear uma reação em escala global. 

Um bom exemplo disso é o que acontece com a canela de um jogador. Ao ser atingida pelo bico da chuteira do adversário, uma minúscula terminação nervosa irradia sua dor e consegue sensibilizar terminações periféricas que, por sua vez, atraem a solidariedade do sistema nervoso que aciona a musculatura, produzindo um salto espetacular do jogador antes da queda no gramado. Não pára aí. A cadeia de eventos que deixou o atleta prostrado dentro da área chega à boca do juiz na forma de um sopro no apito. Pênalti! E a torcida grita, como se cada indivíduo estivesse intimamente conectado à canela do jogador.

Internet é assim. Não vou dizer que a iniciativa de Lou Dobbs seja uma pequena terminação nervosa na Web. O poder de fogo dele e seus aliados irá, com certeza, garantir uma boa porção do tecido da rede. Mas o volume do grito da torcida vai depender não só do investimento que farão no www.space.com, mas também da criatividade e da qualidade da informação que irá recheá-lo. 

O dinheiro pode comprar muitas cabeças, mas não todas. E a Rede é imensa o suficiente para reservar lugar para alguém com potencial criativo suficiente para produzir nela uma reação em cadeia significativa o suficiente para reverter em lucros. Não acredito que hoje exista, fora da Internet, outra oportunidade para uma pessoa comum poder competir com um ex-âncora da CNN. Pelo menos enquanto não mudarem as regras do jogo, haverá camisa e bola para muita gente.

(*) Mário Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico Crônicas de Negócios e mantém endereço próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis.