Da rede de telenotícias à
rede virtual
Mário Persona (*)
Colaborador
O que
faz um âncora do noticiário financeiro de uma das maiores
redes de notícias do mundo quando decide deixar seu emprego? É
contratado por uma rede de televisão concorrente para apresentar
o noticiário, certo? Errado. Pelo menos parece não ser este
o destino de Lou Dobbs, um dos mais importantes executivos e apresentadores
da CNN, que está deixando a empresa. Dobbs não é um
apresentador comum. Além de âncora do noticiário financeiro
"Moneyline" da CNN, ocupava o cargo de vice-presidente da empresa. A perda
de Dobbs certamente trará repercussões sérias, já
que seu programa na TV tinha uma audiência seleta de investidores
de alto poder aquisitivo, criando mercado para os comerciais mais caros
da CNN.
Mas o que interessa aqui não
é exatamente o que acontecerá com a CNN após a sua
saída, e sim o que Lou Dobbs pretende fazer. Qualquer um na pele
dele estaria saindo para ganhar um salário milionário como
apresentador em outra rede de TV. É o que ele sabe fazer melhor,
e a sabedoria popular ensina que em time que está ganhando não
se mexe. Mas talvez a sabedoria popular esteja olhando demais para o time
ao invés de prestar atenção no campeonato. E um jogo
melhor pode estar começando em um novo estádio. Com certeza
foi o que Lou Dobbs viu.
Espaço em potencial
- Dentro de alguns dias ele estará vestindo a camisa para entrar
em um jogo com um potencial muito maior. Dobbs entra no campo da Internet
dando, em breve, o pontapé inicial em um novo site chamado www.space.com.
De âncora financeiro da CNN ele passa a centro-avante de um site
educacional sobre o espaço, com notícias, ciência e
ficção orbitando em torno de assuntos siderais. Mas pelo
jeito ele não pretende abandonar o cenário financeiro. Só
que agora prefere ser notícia ao invés de apenas falar dela.
Isto porque, junto com Lou Dobbs,
e financiando a partida, entra em campo a Venrock
Associates, investidor de peso pertencente à família
Rockefeller. Se a Internet vai dar o que falar em termos de lucratividade,
essa gente toda quer estar lá para virar notícia. E notícia
que Lou Dobbs não vai dar - vai ser. Dobbs não tem nada de
aventureiro e nem é o primeiro. Antes dele foi a vez de Michael
Kinsley que, em 1995, deixou o programa "Crossfire" na CNN para começar
uma revista on-line para a Microsoft. No início deste ano,
foi a vez de Peter Arnett, repórter da CNN e ganhador do prêmio
Pulitzer, que após dezoito anos na empresa passou a ser o correspondente
de um noticiário internacional
on-line.
O que há de comum entre Kinsley
e Arnett é que ambos já foram ridicularizados por colegas
quando se aventuraram em uma nova mídia: o primeiro quando partiu
para uma Internet ainda verde, em 1995, e o segundo quando deixou a Associated
Press há vinte anos para entrar em um negócio então
duvidoso como era na época uma rede de televisão a cabo exclusivamente
de notícias. Essa gente toda deve saber muito bem o que está
fazendo ao migrar para a Web. E a importância do fato está
justamente nisto.
Novo cenário - Por
que razão figuras que seriam recebidas com tapete vermelho por qualquer
rede de TV estariam pulando para a Internet? Porque o cenário econômico
está mudando e nem tudo o que hoje reluz amanhã será
ouro. Ninguém troca o certo pelo duvidoso, principalmente quando
o certo é tão certo e o duvidoso ainda é considerado
duvidoso por aqueles que não participam das pesquisas de bilheteria.
Na realidade, sair da TV para a Internet não é exatamente
mudar de área, já que ambas lidam com informação.
E o mercado de informação é sem dúvida um jogo
sem previsão de empate. Joga-se para ganhar.
Nos últimos anos, o número
de pessoas produzindo bens tangíveis - coisas que conseguimos tocar
- vem diminuindo, enquanto o número daqueles envolvidos com a produção
de bens intangíveis - ou serviços - aumenta a cada dia. Mesmo
entre os empregados do segmento industrial norte-americano, calcula-se
que três quartos estão executando tarefas caracterizadas como
serviços do tipo contabilidade, marketing, pesquisa, consultoria
etc.
Moral da história: um número
cada vez maior de pessoas trabalha sem precisar literalmente botar a mão
na massa. Enquanto as máquinas vão substituindo a força
bruta, o emprego de cérebros passa a ser cada vez maior e mais valorizado.
Um bom exemplo deste fenômeno foi o que aconteceu com a evolução
do futebol. Hoje, para cada time em campo, existe um batalhão de
técnicos, preparadores físicos, médicos, nutricionistas,
assessores de imprensa e outros trabalhando mais com o cérebro do
que com os músculos. E, mesmo que você conte os jogadores
pelo número de pernas, ainda assim o time em campo sai perdendo.
Informação reina
- Uma sociedade cujo efetivo pensante cresce a cada dia, tem na informação
a sua principal fonte de vitaminas, proteínas e sais minerais. Como
conseqüência, a mídia que conseguir entregar o maior
volume de informações, na maior quantidade de formatos, para
o maior número de pessoas deverá reinar absoluta nos próximos
anos. Só uma mídia em rede pode conseguir este feito - uma
mídia com ramificações que dêem a uma ação
isolada o poder de desencadear uma reação em escala global.
Um bom exemplo disso é o que
acontece com a canela de um jogador. Ao ser atingida pelo bico da chuteira
do adversário, uma minúscula terminação nervosa
irradia sua dor e consegue sensibilizar terminações periféricas
que, por sua vez, atraem a solidariedade do sistema nervoso que aciona
a musculatura, produzindo um salto espetacular do jogador antes da queda
no gramado. Não pára aí. A cadeia de eventos que deixou
o atleta prostrado dentro da área chega à boca do juiz na
forma de um sopro no apito. Pênalti! E a torcida grita, como se cada
indivíduo estivesse intimamente conectado à canela do jogador.
Internet é assim. Não
vou dizer que a iniciativa de Lou Dobbs seja uma pequena terminação
nervosa na Web. O poder de fogo dele e seus aliados irá, com certeza,
garantir uma boa porção do tecido da rede. Mas o volume do
grito da torcida vai depender não só do investimento que
farão no www.space.com, mas também
da criatividade e da qualidade da informação que irá
recheá-lo.
O dinheiro pode comprar muitas cabeças,
mas não todas. E a Rede é imensa o suficiente para reservar
lugar para alguém com potencial criativo suficiente para produzir
nela uma reação em cadeia significativa o suficiente para
reverter em lucros. Não acredito que hoje exista, fora da Internet,
outra oportunidade para uma pessoa comum poder competir com um ex-âncora
da CNN. Pelo menos enquanto não mudarem as regras do jogo, haverá
camisa e bola para muita gente.
(*) Mário
Persona é consultor, escritor e palestrante. Esta crônica
faz parte dos temas apresentados em suas palestras. Edita o boletim eletrônico
Crônicas
de Negócios e mantém endereço
próprio na Web, onde seus textos estão disponíveis. |