RELIGIÃO
Católicos e luteranos afixam
suas novas teses na Internet
Reconciliação
vai ocorrer no próximo domingo (31/10/1999),
na Alemanha
"Por que o
papa não tira duma só vez todas as almas do purgatório,
movido por santíssima caridade e em face da mais premente
necessidade das almas, que seria justíssimo motivo para tanto, quando,
em troca de vil dinheiro para a construção da catedral de
S. Pedro, livra um sem número de almas, logo por motivo bastante
insignificante?"
(Tese
82ª de Martinho Lutero, 31/10/1517)
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Carlos Pimentel Mendes
Editor
Há
482 anos, exatamente num dia 31 de outubro, um padre católico, doutor
em Teologia, afixava na porta da igreja do castelo de Wittemberg, na Alemanha,
um texto em latim com 95 teses que contrariavam os dogmas da Igreja Católica.
Condenava, por exemplo, a "venda" de indulgências que o papa Leão
X estava promovendo para construir a Basílica de São Pedro,
em Roma (hoje em território do Vaticano). Martinho Lutero foi excomungado
em 1521, mas seu protesto virou uma nova religião - o luteranismo.
Quinze anos depois, em 1536, a Dinamarca (que na época incluía
os territórios da Islândia e da Noruega) proclamava o luteranismo
sua religião oficial.
No próximo dia 31, na cidade
de Augsburgo (onde Lutero enfrentou um interrogatório do cardeal
Cajetano, não se submetendo às pressões para que negasse
suas teses), católicos e luteranos vão assinar um documento
de reconciliação. Não vai ser preciso afixá-lo
na porta de uma igreja para que o público fique sabendo: o texto
já está colocado na Internet, tanto em páginas católicas
como luteranas, à disposição dos internautas de todo
o mundo.
Mais que uma reconciliação,
o ato do próximo domingo (31/10/1999)
vai provocar algumas mudanças importantes nos dogmas das duas igrejas.
Talvez o exemplo mais importante dessas alterações seja que
os padres católicos não mais dirão que a pessoa precisa
fazer boas ações para ser considerada boa e ir para o céu
(donde o exagero do papa Leão X e seus sucessores, pelo qual uma
pessoa rica podia doar terras e bens materiais às igrejas e assim
comprar um lote de terreno no Paraíso... - Não por acaso,
a Igreja Católica é um dos maiores proprietários de
terras e imóveis em todo o mundo).
Agora, da mesma forma que os religiosos
luteranos, os padres católicos vão explicar aos fiéis
que, para ser salva, a pessoa deve ser boa e ter fé. As boas ações
são conseqüência natural disso, e assim o verdadeiro
cristão faz boas obras não para se salvar, mas como um testemunho
de fé.
As igrejas católica e luterana
continuam separadas, pelo menos por enquanto, mas a partir do acordo vão
passar a professar também que a salvação é
decorrência da graça de Deus e não das boas obras,
e que só se chega à salvação pela fé.
Os luteranos continuarão aceitando
apenas dois sacramentos (eucaristia e batismo), enquanto os católicos
têm mais cinco (crisma ou confirmação, confissão,
unção dos enfermos, ordem e matrimônio). Os católicos
continuarão cultuando também os santos e a Virgem Maria,
enquanto os luteranos consideram apenas a Santíssima Trindade.
Ao contrário dos luteranos,
os católicos continuam exigindo o celibato clerical, ordenando apenas
homens, recusando o divórcio e métodos anticoncepcionais
não naturais e tendo uma autoridade central (o papa). O aborto continua
proibido entre os católicos (os luteranos o toleram em certas circunstâncias).
Na Internet – Para se aprofundar
no tema, o leitor pode começar conhecendo um pouco mais sobre a
vida do monge nascido em 10/11/1483 em Eisleben (hoje uma cidade alemã)
e falecido na mesma cidade em 1546. Martin Luther (como seu nome é
grafado em inglês) tem site na
Web alemã (criado na cidade de Wittenberg, mas com texto em
inglês). Além de uma linha do tempo sobre sua vida, o site
inclui as lendas e anedotas que cercaram sua existência, relatos
sobre o ambiente e as pessoas que o cercavam. The
Leipzig Connection mostra uma série de slides, com textos
explicativos em inglês, relacionados com o luteranismo.
Outro bom endereço na Internet,
e com a facilidade de estar em português, é o da Congregação
Evangélica Luterana da Esperança, em Brasília.
Um dos itens disponíveis é também a história
de Lutero, com boas ilustrações coletadas em diversas fontes.
E histórias, como a da tempestade de raios que quase o matou (em
2 de julho de 1505), durante a qual jurou que, se continuasse vivo, se
tornaria monge (o que ocorreu apenas 15 dias depois, na Ordem dos Agostinianos).
O site também conta como ele se tornou professor de Teologia na
universidade de Wittenberg e se decepcionou com a corrupção
encontrada na sede do Papado, em Roma.
A página brasileira também
enfoca a evolução do pensamento de Lutero, a defesa das teses
que causaram sua excomunhão. Cita ainda a Guerra dos Camponeses
(em 1525, o tataravô do Movimento dos Sem Terra já reclamava
mais liberdade dos poderosos donos de terras, e queria que Lutero fosse
o líder dos camponeses - o que o monge não aceitou). Nesse
mesmo ano, Lutero se casaria com a ex-freira Catarina de Bora, "de cujo
casamento lhes nasceram 6 falhos (SIC)".
Conhecido como Rouxinol de Wittenberg,
Lutero compôs hinos, traduziu a Bíblia para o alemão
e aboliu o uso do latim (que, mesmo naquela época, a população
em geral não entendia) nos ritos religiosos, criou catecismos, como
relata o texto dos luteranos de Brasília. A página explica
ainda a seqüência de fatos que incluiu a Dieta Imperial de Worms
(tentativa de reconciliação, em 1521), a Confissão
de Augsburgo (defesa da doutrina luterana) em 25/6/1530, a Lida de Esmalcalde
(1531), a Paz de Nüremberg (1532), o Concílio Geral Livre que
não ocorreu em 1536 (pois Lutero percebeu que não seria "livre"),
a Paz de Augsburgo (1555), e o Concílio de Trento (1545/1563) de
que os evangélicos também não participaram e que gerou
a Contra-reforma na Igreja Católica, liderada pelos jesuítas.
A Rosa de Lutero - símbolo
do luteranismo - também é explicada no site brasiliense,
que inclui arquivos de som MIDI com hinos luteranos (e suas letras), textos
sobre a crença luterana, formalizada em 1580 no Livro da Concórdia,
os muitos nomes de Jesus (Alfa e Ômega, por exemplo) e os textos
bíblicos em que são citados, a fundamentação
bíblica do uso de música nos ritos religiosos, além
dos textos de documentos históricos, como as Confissões de
Augsburgo e as 95 teses de Lutero.
Números – Uma página
mais sintética, também brasileira mas criada em Porto Alegre,
é a da Comissão Interluterana
de Literatura. Ali há um resumo de como começou e qual
a dimensão atual da Igreja Evangélica de Confissão
Luterana no Brasil: ela "está ligada ao movimento migratório
europeu. Os primeiros luteranos vieram para cá, oriundos da Alemanha,
em 1824, estabelecendo-se em São Leopoldo. A IECLB conta com 18
Sínodos, 398 paróquias, 1.784 comunidades, 1.087 pontos de
pregação, 550 pastores, 70 pastoras, 42 diaconisas, 35 obreiros
e 95 obreiras catequistas, 17 obreiros e 92 obreiras diaconais, 1.200.000
membros."
Mais números, agora da Federação
Luterana Mundial (Lutheran World
Federation - LWF): sediada
em Genebra, na Suíça, a LWF é uma comunhão
global de igrejas luteranas, fundada em 1947, com 128 igrejas-membros em
70 países, representando 58 milhões dos 61,5 milhões
de luteranos do mundo (lembre-se: ao contrário dos católicos,
que têm seu centro no Vaticano, os luteranos preservam a independência
entre suas igrejas).
O mesmo endereço apresenta
em inglês o texto da Declaração Conjunta da Doutrina
da Justificação, que está sendo firmada pelos representantes
das igrejas católica e luterana; detalhes sobre a Conferência
de Wittenberg realizada em 1998, preparatória do atual acordo. Se
tiver dificuldades com o idioma inglês, clique em Press-releases
e localize o texto correspondente em espanhol, o último na seção
Documentations (ou
vá direto ao endereço).
O leitor também pode explorar
o site do Vaticano (procure pela seção
em português), não apenas para conhecer a declaração
conjunta preparada em 12/6/1999 (infelizmente, com introdução
em italiano e texto em inglês, num
enorme endereço), mas também para explorar os famosos
museus do Vaticano, os Arquivos Secretos, a própria cidade-país
católica e os preparativos para o Jubileu 2000 (em que a igreja
Católica Apostólica Romana, apesar da mudança doutrinária
deste
domingo (31/10/1999), pretende conceder
amplos perdões especiais aos seus fiéis em comemoração
ao segundo milênio do nascimento de Cristo). |