LITERATURA
Internet homenageia Borges com a
babel e o labirinto
Centenário do escritor
argentino é destacado hoje (24/8/1999)
em todo o mundo
Carlos Pimentel Mendes
Editor
Imagine
uma grande biblioteca. Lá no canto de uma prateleira, há
um livro muito especial: cada vez que se lê uma página, ela
se transforma, e quando se volta a ler esse livro, a página mudou
e o livro já é uma obra muito diferente. Bem, será
a Internet esse livro infinito, sempre renovado, que o escritor argentino
Jorge Luís Borges citou em sua Biblioteca de Babel? Bom tema para
os estudiosos de literatura debaterem - e esse debate está na Net,
junto com muitos outros textos em que pesquisadores de vários países
analisam esse escritor, cujo centenário de nascimento é comemorado
hoje (24/8/1999).
Mesmo que você não possa
ir ao Café del Este, na rua Maipú de Buenos Aires, para sentir
o ambiente que o escritor freqüentava, nem tenha conhecido como eu
El
Viejo Almacén em seus tempos melhores (onde se apresentava Estela
Canto, à qual foi dedicado O Aleph) pode - para usar uma
das figuras mais recorrentes no universo borgiano - entrar no labirinto
da Internet para encontrar seu Minotauro: as imagens, as biografias, textos
comentados e debates, muitos debates. Pois Borges conseguiu o paradoxo
de ser ao mesmo tempo unanimidade e fonte de profundas divergências.
Vamos ajudá-lo a entrar no
labirinto. Como o personagem Lönnrot (La muerte y la brújula),
abra diversas janelas em seu navegador, para conhecer o escritor desde
várias alturas e vários ângulos. Sair desse labirinto,
porém, é problema seu, como diria o autor de Elogio da
Sombra, Fervor de Buenos Aires, História Universal
da Infâmia, Outras Inquisições e tantas
outras obras em verso e prosa.
Labirinto – A convivência
de Borges com os labirintos começa na infância, com um livro
da biblioteca de seu pai, ilustrado com a imagem de uma espécie
de anfiteatro, alto e cheio de divisões. Ele imaginava que, se tivesse
uma lupa, poderia ver nesse labirinto o mitológico touro Minotauro,
como descreve Waldemar Dante, em "O Minotauro em seu Labirinto"
(primeira parte do texto disponível na
Internet).
Depois desse primeiro contato, dobre
à esquerda e prossiga até a página
da Coleção Jorge Luis Borges da Fundação
San Telmo. Uma bibliografia ilustrada, uma resenha biográfica e
até uma enciclopédia sobre o escritor estão disponíveis,
servindo como boa fonte de consulta.
Prossiga na rede argentina de computadores
para uma rápida passagem pelas páginas do jornal La
Nacion, onde o escritor publicou mais de 170 textos, e que no dia
19/8/1999 noticiava a chegada a Buenos Aires de uma exposição
itinerante, realizada pela Fundação Internacional Jorge Luis
Borges, em homenagem ao centenário do escritor.
Essa mostra foi inaugurada há
oito meses em Veneza e está percorrendo o mundo, chegando a Tóquio
no final de 1999. Embora, segundo a viúva Maria Kodama, não
seja uma exposição de grandes quadros e estátuas,
sendo "mais voltada para os que possam dar valor à leitura e aos
pequenos objetos da vida cotidiana", já foi vista por mais de 12
mil pessoas em Veneza e Paris. Talvez os visitantes tenham querido contradizer
Borges, para quem "a mente humana é permeável ao esquecimento"...
Se o leitor é numismata, fique
ligado: segundo o jornal portenho, o Banco Central argentino lançará
hoje (24/8/1999) uma coleção
de moedas de ouro, prata e cobre/níquel em homenagem ao escritor.
Leituras – Agora, continue
seguindo o conselho dado a Yu Tsun no conto O jardim de caminhos que
se bifurcam: "(...) a casa fica longe daqui, mas você não
se perderá se tomar esse caminho à esquerda e em cada encruzilhada
do caminho dobrar à esquerda".
Mais uma virada à esquerda,
até a universidade dinamarquesa de Aarhus, que desde 1994 mantém
o Centro de Estudos e Documentação Jorge Luis Borges (com
páginas também em
espanhol), analisando sua obra em relação à filosofia
(epistemologias transversais), à semiótica e à literatura
comparada. Em "Por quê Borges", faz um elogio rasgado daquele que
é considerado o mais importante erudito deste século: "Ontologias
fantásticas, etimologias transversais, genealogias sincrônicas,
gramáticas utópicas, geografias novelescas, múltiplas
histórias universais, bestiários lógicos, silogismos
ornitológicos, éticas narrativas, matemáticas imaginárias,
thrillers
teológicos, nostálgicas geometrias e lembranças inventadas
são parte da paisagem imensa que as obras de Borges oferecem (...)".
Porém, se voltar às
páginas latino-americanas na Web, o leitor recordará que
Borges não queria ser lembrado por seus escritos, mas por suas leituras
("Que outros se jactem das páginas que tenham escrito, eu me orgulho
das que tenha lido"). Dobre então outra vez à esquerda, apontando
por instantes o navegador para a página francesa "Homenagem
a Borges", que anuncia para 12/1999 uma conferência sobre a faceta
ensaísta do escritor, na sede da Unesco em Paris.
Continue virando à esquerda,
e siga em frente pelas páginas de "The Garden of Forking Paths",
site
francês (mas com texto em inglês) inspirado em livro com
esse título. Nessas páginas Web, junto com imagens raras
e/ou curiosas (a primeira biblioteca, Borges e o Aleph...), análises,
vínculos para outros endereços e biografia, há também
uma ampla análise das influências literárias que o
escritor recebeu e transmitiu. Você sabia que até o proscrito
Salman Rushdie, autor de Os Versos Satânicos, e o recém-descoberto
José Saramago, foram bastante influenciados pelos textos do escritor
argentino?
Em vez de escrever 500 páginas
para desenvolver uma idéia que, numa conversa, poderia ser apresentada
em poucos minutos, Borges gostaria de imaginar que todos os livros já
estão escritos: ele apenas acrescentaria observações
na contracapa. Então, aproveite para ver a resenha dos livros que
Borges nunca leu, pois até os autores citados são imaginários.
Está em The
Crimson Hexagon.
Outras páginas – Adeus,
Ariadne, o fio que conduzia o leitor vai se partir. Depois de ter dobrado
essas quatro vezes à esquerda, perca-se no labirinto da biblioteca
eletrônica mundial Internet, encontrando aqui e ali outras páginas
sobre o escritor argentino, falecido em 14 de junho de 1986. Veja, por
exemplo, dois
de seus poemas.
E, em muitas das páginas -
como nas das universidades brasileiras USP
e Unicamp
- encontrará decerto a citação:
"Se eu pudesse viver novamente(..) correria mais riscos, viajaria mais.
Contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios,
iria a mais lugares onde nunca fui (..)".
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