JUSTIÇA
O e-mail como prova no Direito
Brasileiro
Até que haja normatização
a respeito, ele é facilmente contestado
"Il
bit è mobile,/Qual piuma al vento/Muta d'accento/E di pensiero..."
("La Donnna
è Mobile", ária do Rigoletto, de Verdi)
|
Amaro Moraes e Silva Neto
(*)
Colaborador
Uma irreversível
mudança se processa. O que ontem era um grão de areia, amanhã
será uma praia. Devido a essa mudança, em vez dos átomos
que estamos acostumados a pegar, passaremos a manipular bits, que não
podemos pegar e que estão se tornando mais influentes em nossas
vidas a cada dia.
Mas..., o que é um bit?
Um bit é algo que, como a
água, não tem cheiro, não tem gosto e não tem
cor. Porém seus (não) atributos não se encerram aí.
Um bit, como complementa Negroponte (N.E.: Nicholas Negroponte, diretor
do Massachussetts Institute of Technology - MIT), também "não
tem tamanho ou peso e é capaz de viajar à velocidade da luz.
Ele é o menor elemento atômico do DNA da informação.
É um estado: ligado ou desligado, verdadeiro ou falso, para cima
ou para baixo, dentro ou fora, branco ou preto" - e é fragílimo...
Pode estar em tudo que for relativo
à informação, eis que, a princípio, toda informação
(escritos, desenhos, sons e imagens) é passível de ser digitalizada
e, por conseqüência, transformada em bits.
Todavia, os profissionais do direito
não abriram seus olhos para essa decisiva revolução
que está tendo vez, notadamente nos mares da Internet. É
surpreendente que a exuberância das forças da transição
não se façam avaliadas, apesar de sua brutal ação
em nossas vidas.
Posto que discutiremos sobre a validade
probatória dos e-mails, como deixar de considerar os bits,
que são os autorizadores da existência do "papel" e da "tinta"
que os compõem?
Um popular e inseguro meio de
comunicação – Há alguns anos, os idealizadores
da Arpanet (que se transformou na conhecida Internet) não imaginariam
que o correio
eletrônico, o popular e-mail, tomaria as proporções
que tomou. E várias foram as razões a justificar sua popularização:
rapidez, baixo custo (a transmissão de uma longa mensagem custa
menos que um vigésimo de centavo), desnecessidade de remetente e
destinatário estarem simultaneamente disponíveis et cœtera.
Entrementes, apesar das vantagens
apontadas, o correio eletrônico é um meio de comunicação
bastante inseguro. Antes de u'a mensagem eletrônica chegar a seu
destino, ela realiza uma longa e tortuosa viagem. Parte do computador remetente
para o computador do servidor de acesso à Internet e, na seqüência,
passa por incontáveis outros servidores até alcançar
o destinatário. Portanto, em primeiro lugar, vemos que os administradores
(webmasters) dos provedores de acesso podem, facilmente, vasculhar
o conteúdo dos e-mails que retransmitem.
Além dos que têm acesso
direto às mensagens eletrônicas, outros podem interceptá-las
em seu curso. É que a mensagem enviada passa por centenas de pontos
no planeta - aleatórios e sempre novos - antes de alcançar
seu destinatário. Daí a facilidade de ser adulterada, acrescendo-se-lhe
ou excluindo-se-lhe texto ou mesmo a suprimindo. Afinal os bits (aquelas
"coisas" que não são "coisas") se misturam sem qualquer esforço...
e raramente deixam rastros!
Como provar a existência
de um e-mail?
– Já que um e-mail é apenas um amontoado de bits que
nada são no Mundo dos Átomos, como provar sua existência
e sua autoria, no recanto tridimensional que nos foi reservado para passarmos
a nossa existência?
Consoante os direitos processuais
civil e penal brasileiros, dispomos de, grosso modo, cinco meios
para que sejam provadas as alegações em juízo: a)
a confissão, b) a prova documental, c) a prova pericial, d) a inspeção
judicial e e) a prova testemunhal.
a) a confissão:
Através da confissão pode ser comprovada a existência
da autoria e do conteúdo de um e-mail. Mas, para que haja
a confissão (judicial ou extrajudicial, espontânea ou provocada,
escrita ou verbal), o confitente (aquele que confessa) tem que admitir
como verdadeiro um fato "contrário ao seu interesse e favorável
ao adversário" (artigo 348 do Código de Processo Civil -
CPC). Isso no juízo civil, porque no juízo criminal, caso
a infração não deixe vestígios, "será
indispensável o exame de corpo de delito, não podendo supri-lo
a confissão do acusado” (artigo 158 do Código de Processo
Penal).
Ademais, sua validade não
é absoluta, haja vista que "o valor da confissão se aferirá
pelos critérios adotados para os outros elementos de prova, e para
a sua apreciação o juiz deverá confrontá-la
com as demais provas do processo, verificando se entre ela e estas existe
compatibilidade ou concordância" (artigo 197 do Código
de Processo Penal), qual seja, no juízo criminal ela somente
se prestará para a condenação do réu se existirem
outras provas. Enfim, não é o e-mail que estará
sendo reconhecido como prova documental, mas a confissão é
que será considerada como prova.
b) a prova
documental: A prova documental, como o próprio nome explicita,
é aquela que se baseia em um documento, que pode ser público
ou particular. E aqui a questão: um e-mail pode ser considerado
um documento? Entendemos que não.
Pro primo, porque é
da essência de um documento que o mesmo seja assinado (ressalvadas
as hipóteses legais relativas a telegramas, radiogramas, livros
comerciais e outras); pro secundo, porque onde lhe falta a intrínseca
materialidade de quaisquer documentos, sobra sua implícita e etérea
essência.
Em suma: não apenas um e-mail
é desprovido de assinatura (nos moldes em que a convencionamos materialmente)
como, outrossim, compreende o mais vago dos corpos.
c) a prova
pericial: A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação
(artigo 420 do CPC). Todavia o juiz não está adstrito
ao laudo pericial, podendo formar a sua convicção com outros
elementos ou fatos provados nos autos (artigo 436 do CPC).
A perícia, a nosso ver, é
o mais eloqüente e adequado meio de se fazer a prova judicial de um
e-mail,
des'que observadas as formalidades de procedimentos cautelares próprios
(como a ação de busca e apreensão de um computador,
por exemplo).
d) a inspeção
judicial: A inspeção judicial ocorre quando o juiz,
de ofício ou a requerimento da parte, inspeciona pessoas ou coisas,
a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão
da causa (artigo 440 do CPC). Contudo, uma vez que um e-mail
não é pessoa nem coisa, como se admitir que venha a ser objeto
de inspeção judicial?
e) a prova
testemunhal: Sempre que um fato não for provado documentalmente,
por confissão ou por perícia, é admissível
a prova testemunhal.
Dest'arte, frente ao até aqui
exposto, verificamos que a prova da autoria e da existência de um
e-mail
somente pode ser feita através da confissão ou perícia.
Considerando-se que é bastante remota a hipótese da confissão
- como nos ensina a vida profissional e como evidencia a praxis
forense -, pragmaticamente podemos afirmar que a prova da existência
e da autoria de um e-mail somente pode ser alcançada através
de exame pericial.
Ação de busca e
apreensão – Não nos olvidemos que um e-mail é
sempre e apenas um amontoado de bits e, de per si, não é
necessariamente a prova de sua original existência. Apenas um laudo
decorrente de uma perícia pode, em tese, comprovar a existência
da autoria, do destinatário, do momentum e dos endereços
I.P.s (protocolo de comunicação ou Internet Protocol) por
onde passou a transmissão.
Sim! para se provar a efetiva existência
de um e-mail e de sua necessária integridade original, necessária
se faz uma perícia no local onde ela se originou, qual seja, no
computador remetente.
Dest'arte, em sendo necessária
a utilização de um e-mail como prova em um processo
judicial, é conditio sine qua non que seja proposta u'a medida
cautelar de busca e apreensão do computador daquele que suposta,
virtual ou presumivelmente enviou o e-mail para que se constate
se nele se encontram os bits nos quais se apoia a ação e
que, por sua vez, serão objeto de perícia. Em lá existindo
a mensagem gravada - bingo! -, pode ser deduzido, a priori, que
provavelmente o e-mail talvez tenha existido. Mas... e se ele houver
sido efetivamente apagado? Aí dificilmente poderá ter alguma
validade o eventual e-mail como evidência de prova no processo.
Em verdade um mero e-mail
nada prova, eis que podem ter sido introduzidas mudanças em seu
texto original, durante a sua trajetória na grande rede de comunicações
até o computador destinatário, como longamente já
ponderamos.
Se os grandes sistemas governamentais,
financeiros e institucionais podem ser atacados por hackers (os
piratas da informática), que dizer em relação ao usuário
comum que não se vale da encriptação para o envio
de suas mensagens e que não possui meios de defesa (firewalls)
contra ataques promovidos por terceiros de má-fé?
Caso um usuário da grande
rede de computadores não possua um eficiente sistema de proteção,
um dos aludidos invasores poderá colocar, em seu disco rígido,
a mensagem que bem lhe aprouver. Posto que essa hipótese é
de fácil ocorrência, como se admitir a eficácia de
uma prova pericial?
Conclusão – Até
que uma normatização seja feita relativamente à troca
de correspondência eletrônica, não disporemos de nenhum
meio seguro para determinar a efetiva origem e a inequívoca integridade
de um e-mail.
Na legislação pátria
já existem diversas leis (notadamente as relativas ao Mercosul)
que aludem a documentos eletrônicos. Entretanto, até a presente
data, não é de nosso conhecimento que sequer uma delas, ao
menos, tenha sido regulamentada.
Com o tempo, advirão a certificação
digital, a assinatura digital e outros quejandos, certamente apoiados na
biometria. Contudo, mesmo nesses casos, se eventualmente uma das partes
não tiver uma identidade digital, de nada valerão os esforços
envidados pelo legislador.
Atenta leitora e arguto leitor: não
mais imprimimos com as prensas de Gutemberg, como, tampouco, fazemos contas
com os geniais ábacos (N.E.: com honrosas exceções...).
Conseqüentemente, devemos atentar para a nova realidade que voluptuosamente
se impõe, sob pena de naufragarmos não nos mares da Internet,
mas nos densos oceanos que são os processos judiciais.
(*) Amaro
Moraes e Silva Neto é advogado,
titular de homônimo escritório de advocacia na capital paulista.
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